UM CABARÉ LITERÁRIO
ISAIAS EDSON SIDNEY
2003
“E
VERDE, QUE TE SONHO VERDE
Cabaré literário para três atores e um músico
ou:
três atores, sendo pelo menos um deles músico.
TODOS (cantando):-
“Nós
somos os jovens,
Muito jovens rapazes
Viemos do interior
Nós somos os ases
Rapazes de Minas Gerais
- Oh! Minas Gerais!
Rapazes de Cataguases!
Os Verdes de Cataguases!”
DOIS:-
Rapazes de Cataguases?!
TRÊS:- Verdes
de Cataguases?!
DOIS:- Que
droga é essa?
UM:-
“Verde
que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco no mar
e o cavalo na montanha.”(1)
DOIS:- Federico Garcia Lorca, todos sabem...
TRÊS:- Não é de Lorca que vamos falar...
UM:- Mas vamos falar de VERDE!
DOIS:- Dos
verdes de Cataguases! Sim, senhoras e senhores, vamos falar de um grupo de
jovens que, na década de vinte do século que acabou agorinha mesmo (na verdade,
o nosso século!), criou um movimento literário e artístico numa pequena cidade
da Zona da Mata de Minas Gerais!
UM E TRÊS:- Eh!
Minas Gerais! Quem te conhece...
UM:- Pois é, Minas
Gerais... interiorzão... e um grupo de jovens... MODERNISTAS!
UM:- Mas, o que é
Cataguases?
DOIS/ENRIQUE DE RESENDE:- Eu sei o que é Cataguases... Ouçam! (Declama):
“A cidade natal... Uma aquarela
que me vem do passado... e que me faz
sonhar.
Cerro os olhos e vejo-a, adormecida e
bela,
toda envolta em luar.
Aqui, uma rua pobre. Ali, uma viela.
Os jardins... O canal... A velha
igreja, a orar.
E, mais além, o rio - uma fita amarela
na paisagem lunar.
Cantando a tua vida acolhedora e
quieta,
serei sempre o teu poeta anônimo - o
teu poeta,
cidade de interior.
Pois foi sob o teu céu, curvo como um
diadema
que um dia florescera o meu primeiro
poema,
e florescera um dia o meu primeiro
amor.” (2)
UM:- Muito bem! Palmas!
Palmas! Mas... quem é você?
DOIS/ENRIQUE DE RESENDE:- Eu? Eu sou Enrique de Resende... poeta... E ajudei a
fundar a VERDE... a revista que...
TRÊS:-
Espere. Ouça:
TODOS (cantando):-
“Nós
somos os jovens,
Muito jovens rapazes
Viemos do interior
Nós somos os ases
Rapazes de Minas Gerais
- Oh! Minas Gerais!
Rapazes de Cataguases!
Os Verdes de Cataguases!”
UM:- Então, nossos
comerciais...
TRÊS:- A
Revista Verde, de Cataguases, em seu primeiro número, tem o patrocínio de...
UM:- “...massas
alimentícias e refinação de açúcar...
TRÊS:-
...SALGADO E COMPANHIA...
UM:- ...que produz a
famosa massa refinada de puro trigo escolhido, premiada na grande Exposição
Internacional do Centenário de 1922 e com Medalha de Ouro pelo Instituto
Agrícola Brasileiro...
TRÊS:- Essa
massa sendo fabricada com semolina de superior qualidade, constitui um alimento
são e nutritivo, possui um sabor agradável e apresenta tal aumento ao
cozinhar-se, que se pode usar um terço menos das de outras semelhantes.
UM:- Premiada com
medalha de ouro na Exposição de Belo Horizonte em 1927.
TRÊS:-
Recomenda-se aos senhores consumidores a preferência sobre as outras massas não
só pela confecção como pelo sistema de acondicionamento.
UM:- Ah! E não esqueça:
para conservação da massa é necessário guardá-la em local enxuto.”(3)
TRÊS:- Então, senhor Enrique de Resende... Conta aí pra todo mundo o que era
mesmo essa revista...
DOIS/ENRIQUE DE
RESENDE:- Uma revista para abrasileirar o Brasil... descobrir o
verdadeiro...
UM (cantarolando):- “Meu Brasil
brasileiro... meu mulato inzoneiro...” Como Ary Barroso, não é mesmo? Mas,
espere, temos ali mais um Verde! Você! Ei! Você aí...
TRÊS:- Quem?
Eu?
UM:- É! Você mesmo!
Você não é o...
TRÊS:-
Ascânio... Ascânio Lopes, um seu criado... estudante e... e... poeta, sim
senhor!
DOIS:- Poeta!
Vocês sabiam que ele vai morrer?
TRÊS/ASCÂNIO:- Até
parece qu’ocê vai viver para sempre...
DOIS:- Com
vinte e três anos!...
TRÊS/ASCÂNIO-: Esse
cara é besta! Mas num vou mesmo...
Vejam: acabei de escrever... e ainda vou escrever muito... E sei exatamente o
que é Cataguases... e vou dizer para vocês... Cataguases, para mim é:
Tira uns papéis amassados do bolso e declama (som de
viola):
“Na sala pobre da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.
Quando Mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.”(4)
DOIS:- “...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior...” Ascânio, meu querido
poeta... tão jovem... Apenas uma tarja negra no último número da Verde... uma tarja
negra... Esperem! Há mais... muito mais poetas nessa revista... Ei! Você aí...
UM:- Quem? Eu?
DOIS:- Sim...
você não é o...
UM/ROSÁRIO:-
Rosário... Rosário Fusco... poeta e... e não me venha com essa história de que
eu vou morrer com...
DOIS:- ...
vinte e três anos? Não... claro que não...
UM/ROSÁRIO:- Então,
eu, Rosário Fusco, vou viver e ser famoso... e...
DOIS:-
Famoso?!! Oh! Ilusão de poetas... A fama... O que é a fama? Meia dúzia de
críticos lerão suas obras, senhor Rosário... e dirão que o senhor é um grande
escritor! Mas é só...
UM/ROSÁRIO:-
Malditos!
DOIS:- Sim,
senhor Fusco... Maldito! Maldito!
UM/ROSÁRIO:- Mas...
enquanto isso... veja! Aqui está o primeiro exemplar da VERDE... Posso
distribuí-la? Posso? (Distribui a revista
entre os presentes). Há um poema de minha autoria... que diz o que eu acho
o que é Cataguases... (Declama):
“... Domingo
mineiro, domingo bom, domingo da fazenda
onde passei minha infância...
Nem trabalho, nem ruídos, nem o tinir
das lapianas,
nem o aboio triste dos vaqueiros, nem
tocaias, nem brigas,
nem capoeiradas, nem nada...
Mas a alegria e o descanso das
obrigações cumpridas
e o riso - criança da satisfação das
coisas...”(5)
TRÊS/ALPHONSUS (interrompendo-o):- Isso é uma
avacalhação! Poesia sem ritmo... sem cadência... sem rima... sem nada! Isso não
é poesia, senhor... senhor...
UM/ROSÁRIO:-
Fusco... Rosário Fusco...
TRÊS/ALPHONSUS:- Fusco!
E isso é lá nome de poeta? Absurdo dos absurdos!
UM/ROSÁRIO:-
Quem... quem é o senhor?
TRÊS/ALPHONSUS:-
Como... quem sou eu? Não vê? Eu sou o poeta oficial... o defensor das musas!
Meu nome está escrito para sempre no pórtico do Parnaso!
UM/ROSÁRIO:- O
nome... senhor defensor das musas... apenas o nome...
TRÊS/ALPHONSUS:-
Tremei! Oh! Poetinha das coisas inúteis... Eu sou ALPHONSUS... ALPHONSUS DE
GUIMARAENS!
UM/ROSÁRIO:- Pobre
Alphonsus! Pobre Alphonsus! Repousa em teus responsos!
TRÊS/ALPHONSUS:- Olha o
respeito, ó vil poetinha de beira de estrada!
UM/ROSÁRIO:-
Estamos em 1927 e você já morreu há seis anos! Xô, urubu!
Arma-se uma luta poética entre eles, que declamam e
gritam quase ao mesmo tempo, numa grande confusão.
TRÊS/ALPHONSUS:-
“Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares...
Tu és uma ave que perdeu o ninho.”(6)
UM/ROSÁRIO:- “Gosto de ouvir uma sanfona bem tocada...”
(7)
TRÊS/ALPHONSUS:-
“Vozes diletas
Modulam salmos
de visões contritas...
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.”
UM/ROSÁRIO:- “...e o café
lavadinho secando no terreiro - que é um gosto se vê,
e o latir brabo dos cachorros caseiros,
dos cachorros que latem
quando passa estrangeiros à beira da
estrada.” (7)
DOIS/MARINETTI (impondo-se):-
“Cantaremos a incandescência noturna e vibrante de arsenais e
estaleiros...as locomotivas de peitorais robustos que escavam o solo de seus
trilhos como enormes cavalos de aço que têm por arreios, poderosas bielas
motrizes, e o vôo suave dos aviões, suas hélices açoitadas pelo vento como
bandeiras e parecendo bater palmas de aprovação, qual multidão entusiástica...”
(8)
OS DOIS:- O que é isso?
Quem é esse idiota?
DOIS/MARINETTI (com sotaque):- Felippo Tomaso Marinetti... italiano... fundadore del
Futurismo... bisogna cantare la machina... la machina... capisci? A máquina...
o futuro... la vitta de piú grande cità...
OS DOIS (expulsando
Marinetti):- Fora... fora... fascista... Que grande citá que nada... O
moderno está aqui... na aldeia... no interior... na poesia simples... no boi
que pasta e passa... na vida que passa... que passa lentamente... (Cantando):
“No campo, pasta o boi
o boi não tem estética
rumina assim sem métrica
e fala assim pro Marinetti:
sou boi e tenho ética
não faço rima tétrica
rumino verso estético
num poema esquelético
tudo sempre muito simples
na vida de um pobre boi
muito simples, muito simples...
como sempre foi...”
DOIS:- Depois de tanta cantoria, os nossos reclames, por
favor... que a revista Verde de Cataguases não vive de brisas...
UM:- São colaboradores deste nosso primeiro número...
TRÊS:- Casa Villela de Villela & Filho – negociantes de
mantimentos, molhados, e miudezas. Casa Villela – Praça Ruy Barbosa, nº 3 e 5 –
em Cataguases, telefone 148.
DOIS:- Alfaiataria Sucasas, de José F. Sucasas. Tem sempre um
variado sortimento de casimira nacional e estrangeira. A Alfaiataria Sucasas
não teme rivalidade pela elegância do corte e pontualidade nos serviços. Pça.
Ruy Barbosa, nº 10 – telefone 73 – em Cataguases.
UM:- E atenção para esta nota cultural: no próximo dia seis
de outubro, um filme de alta qualidade no écran do cine Recreio. BEAU GESTE –
com todas as emoções do ódio, da afeição, da coragem e do sacrifício. Um grupo
de intérpretes notáveis: Ronald Colman, Neil Hamilton, Alice Joyce, May Brien,
Noah Berry, Ralph Forbe e Norman Trevor. Não percam: seis de outubro no cine
Recreio. (9)
TRÊS:- Tudo muito bem, tudo muito bom... mas eu... e acho que o
público também... não entendemos uma coisa...
DOIS:- Não há nada para entender... basta ouvir e... sentir!...
UM:- Vamos adiante...
TRÊS:- Adiante coisa nenhuma... Eu quero saber...
DOIS:- Está bem... está bem... o que você quer saber...
TRÊS:- Se esta revista de Cataguases...
UM E DOIS:- A Verde...
TRÊS:- ... foi fundada e escrita por um grupo de jovens de
Minas...
UM:-
“Eh!
Minas Gerais... quem te conhece...”
DOIS:-
“Como pode o peixe vivo,
viver fora d’água fria...”
UM E DOIS:-
“Como
poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua,
Sem a tua companhia...”(10)
UM:- Eh! Minas Gerais, uai...
DOIS:- Eta mundão rasgado, sô!
TRÊS:- Vocês vão me ouvir ou vão continuar com essa
palhaçada... Como eu estava falando... Se a revista Verde... Tá bom: vou direto
ao assunto: eu quero saber o que esses moleques metidos a poetas – de
Cataguases – queriam, ou seja, o que é ser Verde?
UM:- Verde que te quero verde, uai... Verde é... Verde é...
verde é... Explica aí, “cumpadi”, o que é ser verde...
DOIS:- Ora, sô... nada mais “simpre”, tudo muito sem
descomplicação... tudo assim no ora veja do mió do sertão, das coisa mais coisa
de Minas, da vidinha simples dos “interiô”, como um trem de ferro subindo a
montanha...
TRÊS/ASCENSO
FERREIRA:-
“O
sino bate,
o condutor apita o apito,
solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar...
— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...”(11)
UM:- Quem é “ocê”, uai!
TRÊS/ASCENSO
FERREIRA:- Ascenso Ferreira, poeta, pernambucano, mas
também tô nessa aí, oh gente, que também eu sou e quero ser verde... Bota meu
nome nessa revista, uai... E no meu trenzinho de caipira levo com muito orgulho
Manuel Bandeira...
DOIS/MANUEL BANDEIRA:-
“Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria o que foi isto maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa fumaça
corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo na fornalha
que preciso
Muito força
Muita força
Muita força
(trem de
ferro, trem de ferro)
Oô ...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade de cantar
Oô ...
(café com pão
é muito bom)
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô ...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá sua boca
Pra matar minha sede...”(12)
TRÊS/ASCENSO FERREIRA: -
“Hora de comer
- comer!
Hora de dormir - dormir!
Hora de vadiar - vadiar!
Hora de
trabalhar?
- Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”(13)
Pára... pára o trem... que tem ali um ilustre passageiro!
Pode arribá, caro Drummond, que Itabira também tem lugar nesse trem de
Cataguases... bote o seu estro de inspirações profundamente mineiras e
universais na revista Verde, Drummond...
na revista dos meninos de Cataguases... meninos como você... e fogo na
fornalha, maquinista!
UM/DRUMMOND:- Me desculpe, Ascenso, mas mineiro agora também anda de
automóvel e é nele que vou chegar até Cataguases...
“Um silvo breve: Atenção, siga.
Dois silvos breves: Pare.
Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna.
Um silvo longo: Diminua a marcha.
Um silvo longo e breve: Trânsito impedido em
todas as direções.
Três silvos longos: Motoristas a postos.
(A este sinal todos os condutores tomam lugar
nos seus veículos para movimentá-los imediatamente.) (14)
TRÊS/ASCENSO:- E aí, cumpadre
Bandeira, no nosso trem caipira ou no automóvel do Drummond, tem lugar para
gente empolada, tem? Tem lugar pros passadistas?
DOIS/BANDEIRA:- Tem, não, cumpade
Ascenso... É batuta demais essa revista, com gente de primeira e muito, mesmo, muito
pau nos passadistas! E sabe o que penso deles? Pois, mire e veja:
“Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... Trinta e três... Trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”(15)
TRÊS/ASCENSO:- Esse Bandeira! Me mata de rir... Ei, moçada de
Cataguases, olha quem vem mais aí... Lá da paulicéia, depois de muita briga na
Semana, nosso companheiro Oswald de Andrade... Fala aí, para a Verde, compadre,
fala! Que as montanhas de Minas hão de dar eco às suas palavras. Fala, compadre
Oswald!
UM/OSWALD:- Há o que falar, Ascenso... há o que falar... Recebi os
“Poemas Cronológicos”. Três poetas ainda nos cueiros. Mas olhe: “Henrique de
Resende mais tradicional. Ascânio Lopes, mais familiar, Rosário Fusco, mais
desabusado, inquieto, botando o pé na fogueira para poder afirmar depois que o
fogo queima de verdade. Nessa mão de três dedos dos” Poemas Cronológicos “,
Henrique de Resende é o pai-de-todos, Ascânio Lopes é o mata-piolhos, Rosário
Fusco é o fura-bolos. Os três: gente que
subirão muito se, quando a força do homem chegar, não barganharem o lirismo
disponível da flor pelos caraminguás da vida curta nossa”. (16) E
olha só como eu também sou verde:
“Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.” (17)
(Solta uma boa risada).
TRÊS/ASCENSO:- Muita gente boa... muita gente com o mesmo sonho, agora
é realidade. O Brasil é brasileiro, nos versos, nos contos, nos romances que
vêm do Sul, que vêm do Norte, que vêm de todas as partes... Um brasilsão verde
de encher os olhos... E mais gente chegando... lá das terras de Divinópolis,
pode entrar, Adélia... vem trazer do futuro o fruto que a semente de Cataguases
espalhou... minha senhora Adélia Prado... verde que te quero verde...
UM/ADÉLIA PRADO:-
“Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.” (18)
DOIS:- Ascenso Ferreira falou o que precisava ser dito: um brasilsão
verde. Nascido da vontade dos meninos de Cataguases, como Guilhermino César,
companheiro de primeira hora e de todas as horas:
UM/GUILHERMINO CÉSAR:-
“Campeiro queimado de sol
vai ver o trabalho dos seus companheiros
nas galerias de ar frio
na noite constante!
Mineiro das minhas Gerais
você não acorda?
Vai ver o trabalho dos outros mineiros
dos mineiros-mineiros enterrados na mina
ouvindo os patrões em fala estrangeira.” (19)
DOIS:-
Francisco Inácio Peixoto, colaborador e fundador da Verde, falando de mineiros
das minas de pedra e de mineiros das Minas Gerais...
TRÊS/FRANCISCO INÁCIO PEIXOTO:-
“Dependurados no espaço
Eles ficam ali o dia inteiro
Arrancando faíscas
Furando buracos na pedreira enorme
que reflete como um espelho
As suas sombras primitivas.
À tarde ouve-se um estrondo
E o eco repete a gargalhada das pedras
Que vieram rolando da montanha.
Os homens de pele tostada
Descem então dos seus esconderijos
E caminham pras suas casas
Vagarosamente decepcionados
Segurando nas mãos cheias de calos
As ferramentas com que procuram
Há uma porção de anos
O segredo que lhes dê
Uma nova revelação da vida...” (20)
DOIS:- Do
cascalho das montanhas de Minas, a revelação verde... explodindo no mundo a
canção de uma geração de artistas de todas as artes... Na Europa, França e
Bahia...
UM:- “Verde que te
quero verde”...
TRÊS:- Verde
que te sonho verde...
UM:- “Verde vento.
Verdes ramas.”
TRÊS:- Verde
vento. Verdes trilhas.
UM:- “O barco no mar
E o
cavalo na montanha.”
TRÊS:- O bote
no rio
E o boi
lá na montanha.
UM:- Plenilúnio...
“Plenilúnio de maio em montanhas de Minas...” (21) E do som das matracas,
em noite de lua cheia, sexta-feira da paixão, das montanhas de Minas, ecoam
ainda a saudade de Ascânio e as diabruras modernistas de Enrique de Resende, de
Rosário Fusco, de Guilhermino César, de Francisco Inácio Peixoto... e de todos
aqueles ases de Cataguases, no idos anos de 1927...
OS TRÊS (cantando):-
“...sou boi e tenho ética
não faço rima tétrica
rumino verso estético
num poema esquelético
tudo sempre muito simples
na vida de um pobre boi
muito simples, muito simples...
como sempre foi...”
“Nós somos os ases
Rapazes de Minas Gerais
- Oh! Minas Gerais!
Rapazes de Cataguases!
Os Verdes de Cataguases!”
FIM
Isaias Edson Sidney
segunda-feira, 4 de agosto de 2003
NOTAS:
(1) Federico Garcia Lorca, Romance sonámbulo, Romancero Gitano;
fonte: http://www.analitica.com/bitblioteca/lorca/romancero.asp
(2) Enrique de Resende, Cataguases;
fonte: http://www.tanto.com.br/rosario-fusco.htm
(3) Revista Verde nº 1;
(4) Ascânio Lopes, Serão do Menino Pobre;
fonte: http://www.nossacasa.net/arte/texto.asp?texto=66
(5) Rosário Fusco, Domingo;
fonte: http://www.tanto.com.br/rosario-fusco.htm
(6) Alphonsus de Guimaraens, Sonetos;
(7) Rosário Fusco, Domingo; fonte: http://www.tanto.com.br/rosario-fusco.htm
(8) Felippo Tomaso Marinetti, Manifesto
Modernista;
fonte: http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/artesplasticas/vanguarda/futurismo.htm
(9) Revista Verde nº5;
(10) Peixe vivo, canção do folclore
brasileiro;
fonte: http://alfarrabio.di.uminho.pt/cancioneiro/html/207.html
(11) Ascenso Ferreira, Trem de Alagoas;
fonte: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/p01/p010610.htm
(12) Manuel Bandeira, Trem de Ferro;
fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/belo34.html
(13) Ascenso Ferreira, Filosofia;
fonte: http://vbookstore.uol.com.br/biografias/ascenso_ferreira.shtml
(14) Carlos Drummond de Andrade, Sinal de
Trânsito; Revista Verde nº1;
(15) Manuel Bandeira, Pneumotórax;
fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/belo16.html
(16) Oswald de Andrade, Revista Verde nº5;
(17) Oswald de Andrade, Erro de Português;
fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/osval10.html
(18) Adélia Prado, Com licença poética;
fonte: http://www.releituras.com/aprado_bio.asp
(19) Guilhermino César, Campeiro de Minas Gerais;
fonte: http://www.nossacasa.net/arte/texto.asp?texto=66
(20) Inácio Peixoto, Pedreira;
fonte: http://www.nossacasa.net/arte/texto.asp?texto=66
(21) Augusto de Lima, Paisagem mineira.
FOLHA DE ROSTO: fac-símile da capa da
primeira edição da Revista Verde;
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