sábado, 8 de maio de 2021

UM AMOR DE PERDIÇÃO

 

Bernini: ecstasy of st. Teresa

 

 

UM AMOR DE PERDIÇÃO

 

DRAMA EM UM ATO

 

INSPIRADO NO LIVRO

AMOR DE PERDIÇÃO”

 DE

CAMILO CASTELO BRANCO

e nas cartas de

SÓROR MARIANA ALCOFORADO

ISAIAS EDSON SIDNEY

Rua dos Buritis, 251

Jabaquara, São Paulo, SP

cep.04321-001

telefone: (11)5011-9628

 

SBAT – 1348

FBN – 214.049, LIVRO 373, FOLHA 209

 

 

dezembro de 2000


 

 

 

 

 

 

 

PERSONAGENS

 

 

Mariana Alcoforado

(freira do século XVII)

 

Teresa de Albuquerque e Simão Botelho 

(amantes do século XVIII)

 

Baltasar

(primo de Teresa, século XVIII

 

Teresa de Albuquerque

( professora, atualidade)

 

Simão

(jovem estudante, aluno de Teresa; atualidade)

 

 

 

 

ATORES

  

Dois atores fazem todos os papéis.

 

Música e ruído de mar, altos. Um pequeno silêncio. Só ruído de mar. Foco sobre Teresa dentro de uma espécie de jaula. Ela está deitada, encolhida em posição fetal. Vai aos poucos se movendo, até sair da jaula totalmente, enquanto termina o monólogo.

 

 

TERESA:- “Que será de mim?....e que queres tu que eu faça?...Vejo-me bem longe de tudo o que tinha imaginado! Oh! triste de mim! Quanta compaixão mereço, visto não sermos ambos participantes das penas, mas eu só a desgraçada!...Este pensamento mata-me, e morro de susto de que jamais tenhas sido extremamente sensível a todos os nossos prazeres. E como é possível que com tanto Amor eu não tenha podido fazer-te completamente venturoso? Lamento, por Amor de ti somente, as deleitações infinitas que perdeste...” Eu, Mariana Alcoforado! Eu, Mariana Alcoforado! Eu, esbatida e abatida pelo teu amor, me confesso, perante Deus... o meu pecado... o meu pecado... Deus! Qual foi o meu pecado, meu Deus? Amar um homem que não me amou? Sofrer por este amor... enlouquecer por esse homem? Eu juro, Senhor, pequei, pequei, sim, pequei por amar demais...

 

 

Já fora da jaula.

 

 

TERESA:- Por que falar de um amor de séculos atrás, no milênio da máquina? Por que falar de amor, no milênio da velocidade? Eu, Teresa de Albuquerque, filha única de um pai que um dia me abandonou, a mim e a minha mãe, cego de amor e esperança por outra mulher, estou aqui, agora,  para julgar uma freirinha portuguesa idiota que um dia se entregou a um soldado francês, nas escadarias e nos nichos de convento quase medieval de séculos atrás? Posso julgá-la? Que moral tem alguém para julgar o amor? Eu tenho um útero... sou mulher! Eu tenho seios... sou mulher! Eu tenho lábios que se cobrem de cores... sou mulher! Eu tenho cabelos longos... que se tratam com os melhores xampus... eu sou mulher! Eu tenho nádegas... que provocam... que alucinam... eu sou mulher! EU TENHO CABEÇA... E DENTRO DELA UM CÉREBRO... que comanda... que pensa... que imagina... que sonha... QUE AMA! EU SOU MULHER!

 

 

Batidas fortes.

 

 

TERESA:- Vai embora! Não estou para ninguém... Vai!

 

 

Som de batidas de coração, volume alto. Teresa, acuada, corre de um lado para outro.

 

 

TERESA:- Vai embora, por favor... não quero... não quero... não quero!

 

 

Voz de homem. É Simão, do lado de fora.

 

 

SIMÃO:-  Professora! Professora! Por favor, abra... abra... preciso falar... com a senhora... é urgente!

 

TERESA:- Que urgência tem o amor? Diz: que urgência tem?

 

SIMÃO:- Toda a urgência do mundo... não posso mais esperar! Por favor!

 

TERESA:- Entra!

 

 

Simão entra e pára diante de Teresa. Numa atmosfera de sonho, como uma cega, ela tateia seu corpo desde a cabeça até os pés.

 

 

TERESA:- Tens uma cabeça... e dentro dela um cérebro... tens o peito liso... teus mamilos não enrijecem como os meus... tens um membro entre as pernas...  por ele te perdes,  muitas vezes...  tens pernas fortes... nádegas firmes... passo do leão à procura da presa... és um homem! Mas  quem és? Que idade tens? O que fazes? Como te comportas? Teus instintos... teus instintos... teus instintos te levam para a caçada e não sabes o que te espera!

 

 

Teresa abre os olhos. Desfaz-se o sonho.  Seu semblante está aborrecido e sério.

 

 

TERESA:- O que você quer, Simão?

 

SIMÃO:- Veja... o anúncio...

 

TERESA:- Anúncio?

 

SIMÃO:- Sim... o que a senhora... deixou no quadro de avisos...

 

TERESA:- Eu pedi um auxiliar... para a minha tese... Você se candidata?

 

SIMÃO:- Não...

 

TERESA:- Não?! Então o que faz aqui?...

 

SIMÃO:- Não sou um candidato... sou quem a senhora... procura!

 

TERESA:- Que idade tem?

 

SIMÃO:- Todas... qualquer uma...

 

TERESA:- Computador... você entende de computador?

 

SIMÃO:- Sou o hacker da turma...

 

TERESA:- Não preciso de hacker, preciso de alguém que pesquise na Internet...

 

SIMÃO:- Não há recanto do mundo virtual que eu não entre... invadirei todos os sites, todos as almas... todos os corações... pela senhora...

 

TERESA:- Uma  condição...

 

SIMÃO:-  Todas! Eu aceito.

 

TERESA:- Tire o senhora! Agora vem... ali, naquele bar, está Teresa, a heroína de Camilo Castelo Branco, e seu primo, Baltasar... Baltasar ama Teresa que ama Simão... Eles decidem o nosso destino... Vem...

 

 

Sentam-se, frente a frente, a uma mesa de bar, com algumas garrafas e dois copos. Simão faz o papel de Baltasar, primo de Teresa.

 

 

BALTASAR:-  Beba!

 

TERESA:- É veneno?

 

BALTASAR:- Claro que não, é... vodka! Vodka é chique!

 

TERESA:- Preferia veneno!

 

BALTASAR:- É tempo de abrir-lhe o coração, prima. Está bem disposta a ouvir-me?

 

TERESA:- Eu estou sempre bem disposta a ouvi-lo, primo Baltasar.

 

BALTASAR:- Os nossos corações penso eu que estão unidos; agora é preciso que as nossas casas se unam.

 

 

Teresa toma o copo e, olhando-o com ódio, esvazia-o.

 

 

TERESA:- Veneno! O que estou tomando é veneno!

 

BALTASAR:- Acaso lhe diria eu alguma coisa desagradável?

 

TERESA:- O primo engana-se: os nossos corações não estão unidos. Sou muito sua amiga, mas nunca pensei em ser sua esposa, nem me lembrou que o primo pensasse em tal.

 

BALTASAR:- Posso eu saber quem é que disputa o coração de minha prima?

 

TERESA:- Que lucra em o saber?

 

BALTASAR:- Lucro saber, pelo menos, que a minha prima ama outro homem... É exato?

 

TERESA:- É.

 

BALTASAR:- Com tamanha paixão que...

 

TERESA:- ... que nada... absolutamente nada... irá impedir-me!

 

 

Teresa levanta-se, Simão sai.

 

 

TERESA:- Eu, Diana, princesa de Gales, amei um dia um príncipe... Casamo-nos... a cerimônia do século... dei-lhe filhos... Não, não o amei... apenas o sonho realizado de cada plebéia, nas capas de revista... meu verdadeiro amor tem a dimensão de uma mina que explode e mutila e mata e devora dois corações num túnel de Paris... Dois corações num túnel de Paris! (Pausa). Eu também sou Teresa, Teresa de Calcutá... não amei homem nenhum, mas o meu amor tem a dimensão de cada chaga que ajudei a curar, de cada lágrima que ajudei a secar...  (Pausa). Joana, Joana de França, minha paixão foi queimada pela fúria de quem não soube amar... a bandeira, a bandeira de uma pátria de joelhos... (Pausa). Romeu, Romeu... em meus braços... tu ouvirás a cotovia... ouvirás a cotovia... a cotovia...

 

 

Ouve-se um tiro.

 

 

TERESA:- Será de sangue o nosso destino? Devo buscar o amor que redime ou aceitar o amor de perdição? A Teresa de Camilo responderá por mim...

 

 

Simão entra com uma arma fumegante na mão.

 

 

SIMÃO:- Fugirei... fugirei como assassino... Não te horrorizes de minha vingança!

 

TERESA:- Deus! Eu já não peço a Deus senão a tua vida. Foge... foge desses sítios... vai para Coimbra e espera que o tempo melhore a nossa situação...

 

SIMÃO:- Teu primo... teu primo Baltasar! Está morto!

 

TERESA:- Tinha tido um sonho, em que via muito sangue, e eu estava a chorar porque via uma pessoa muito minha amiga a cair numa cova muito funda...

 

SIMÃO:- Isso são sonhos, Teresa!

 

TERESA:- São sonhos, são; mas eu nunca sonhei nada que não acontecesse...

 

SIMÃO:- Adeus! Antes, um beijo...

 

TERESA:- Não, Simão... é preciso que nosso amor permaneça puro como nasceu... Adeus!

 

 

Focos de luz destacam Teresa e Simão, que trocam mensagens por computador.

 

 

SIMÃO:- Dize-me a noite e a hora em que devo esperar-te...

 

TERESA:- Não me desampares, Simão...

 

SIMÃO:- Onde estás?

 

TERESA:- ... convento rigoroso... é preciso, para que não me forcem a falar de ti...

 

SIMÃO:- És minha! Não sei de que me serve a vida, se não a sacrificar a salvar-te...

 

TERESA:- Vem, Simão... NÃO... NÃO VENHAS... Armadilhas te esperam...

 

 

Teresa desliga o computador. Levanta-se, anda de um lado para o outro, ansiosa.

 

 

TERESA:- A Teresa de Albuquerque de Camilo não escreveria isto: “não, não venhas...” Seu amor por Simão, presa naquele convento por um pai tirânico que preferia vê-la morta, sim, morta, como Mariana Alcoforado, enterrada viva nos votos, no hábito de freira... seu amor a levaria a fugir, se tivesse oportunidade. Ou não? Qual Teresa eu quero encontrar? A virgem abúlica ou a Teresa guerreira que penso ser? Qual Teresa eu sou, afinal? Terei a coragem de meu pai? Terei? Terei a coragem de enfrentar o mundo por um amor louco e sem razão?

 

 

Batidas à porta. Teresa faz Simão entrar. Ele traz alguns papéis e livros.

 

 

SIMÃO:- Veja... o resultado de minhas pesquisas... Há muito, muito material sobre a tua Teresa e sobre todas aquelas mulheres que a senhora... que você pediu que eu pesquisasse... Mas há coisa melhor, que eu trouxe... Veja: é de primeira. Vai-nos dar ânimo, vai-nos dar brilho para...

 

TERESA:- Simão!... Cale-se... não fale! Eu sei que é loucura, mas eu sou Teresa  de Albuquerque e da sina desse nome não posso fugir...

 

 

Beijam-se. Armam, no chão, a carreira de pó. Cheiram e amam-se.

 

 

TERESA:- Estamos procurando encrenca, encrenca das bravas... Não! Não fale! Sou sua professora e você... você é tão jovem... meu querubim... Nossas orgias de sexo e droga, nunca pensei... Você me leva para o paraíso que Julietas e Dianas nunca tiveram...

 

SIMÃO:- Jura que morrerá por mim... Vamos, jura... Você é uma nova mulher... e eu te batizo (despejando o líquido de uma garrafa sobre Teresa) com o álcool que nos envenena... eu te faço mulher... sou eu o teu homem... Vamos morrer juntos... vamos...

 

TERESA:- Julieta! Eu sou a tua Julieta... numa cripta escura, eu estou morta... Assim... esticada... por obra e graça de um padre louco... não, não estou morta de verdade... eu finjo... mas você, Romeu... você acredita... você acredita que morri... Você se matará? Jura? Você se matará por mim?

 

 

Às gargalhadas, eles brincam e rolam pelo chão. Tempo. Teresa escreve ao computador.

 

 

TERESA:- Temos o mesmo nome e a mesma paixão: Teresa de Albuquerque, ainda tão jovem, 16 anos, e tão terrivelmente apaixonada! Não sou tão jovem, mas o meu coração ainda é puro... Meu pai... Lembro meu pai alucinado por uma... uma qualquer... nunca o entendi... Talvez agora o encontre dentro de mim... depois de morto, morto por uma paixão que o consumiu, em noites de orgia e drogas e bebidas... Um amor... um amor de perdição! Talvez compreenda meu pai nesse amor louco da Teresa de Camilo... Ei-la, ei-la que surge de meus sonhos e não tem um pai como eu tive... o MEU pai me apontou o caminho da liberdade... num amor bandido... num amor de fúria!... O pai da Teresa de Camilo apontou-lhe o caminho da submissão... da tristeza...

 

 

Teresa levanta-se e começa a dançar com alguém invisível, já como a heroína de Camilo. Entra Simão e contempla-a de longe.

 

 

TERESA:- Sim, meu pai... a noite está maravilhosa... Este baile, os convivas... Sim, meu pai, estou feliz... Mas sinto... sinto uma dor... preciso respirar... O ar está um pouco abafado... Com vossa licença, meu pai...

 

 

Teresa faz uma pequena reverência ao pai invisível e corre até Simão, que a espera. Não se tocam, embora manifestem, por gestos, o anseio de se abraçarem.

 

 

TERESA:- Vai-te embora; vem amanhã às mesmas horas... Vai, vai!

 

 

Separadamente, sem se tocarem, cada um simula um longo beijo. Simão sai e Teresa caminha arrastadamente até o computador. Senta-se e, com os braços pendentes ao longo do corpo, cabeça baixa, fica por alguns instantes pensativa. Ergue-se, de repente.

 

 

TERESA:- Era isso o amor? Era isso o amor? Sofrimento! Separação? Impossibilidades? ERA ISSO O AMOR ou É ISSO O AMOR?

 

 

Recompõe-se, toma um jornal e lê, para a platéia, algumas notícias.

 

 

TERESA:- Belo Horizonte: marido ciumento surra até a morte a esposa, porque desconfiou que ela mantinha um caso com o seu professor de piano. Na delegacia, em meio à confusão, o tal professor confessou que era... homossexual. Bombaim, Índia: jovem apaixona-se por rapaz de uma casta acima da sua e, rompendo os rígidos códigos que regem as relações entre castas, a ele se entrega. Foi apedrejada até a morte pela multidão enfurecida. Isso ocorreu numa distante cidadezinha do interior. Ah, bom... numa distante cidadezinha do interior da Índia, pode! São Paulo, capital: polícia prende a menor M.R.S. que, cega de ciúmes de seu companheiro, com quem vivia há dois anos, ateou-lhe fogo, enquanto ele dormia tranqüilamente em seu barraco na favela... Em conseqüência de seu ato, oitenta barracos foram destruídos pelo fogo. O jovem, internado no hospital, não resistiu às queimaduras... etc., etc. A heroína de Camilo Castelo Branco, Teresa de Albuquerque, no início do século dezoito... Mas esta é a história a que estão assistindo, não preciso contar, não é mesmo?

 

 

Volta-se e dá de cara com Simão que, parado um pouco atrás, esperava que ela terminasse o monólogo. Traz nas mãos uma pasta.

 

 

TERESA:- Simão! Meu querubim... Pensava em você, meu amor!

 

 

Abraçam-se.

 

 

SIMÃO:- Teresa, escuta... Você me ama mesmo, de verdade?

 

TERESA:- Que provas você quer de meu amor, querido? Que eu me mate?

 

SIMÃO:- Matar-se? Não... matar-se, não... Mas...

 

TERESA:- Então? O que você quer? O que você tem aí, nessa pasta? Alguma surpresa? Vamos sair? O que nós vamos fazer?

 

 

Ela gira em torno dele, dançando, feliz. Ele fica atordoado e aborrecido.

 

 

SIMÃO:- Pára! Pára com isso, Teresa! É sério: preciso de você...

 

 

Ela toma-lhe a pasta da mão e abre-a desajeitadamente. Cai um revólver. Teresa se assusta.

 

 

TERESA:- Um... revólver? Isto é... um... revólver?

 

 

SIMÃO:- Não, idiota... é uma cenoura! Desculpe... desculpe... não queria magoá-la... Vem, me abraça... você é o único amor de minha vida... Não chore... vamos, isso... Agora me beija...

 

 

Depois de alguns instantes, em que ele a abraça, beija e consola, Simão, procurando ser o mais natural possível, pega a arma no chão, coloca-a dentro da pasta e deixa-a em algum canto.

 

 

SIMÃO:- Veja que coincidência, meu amor... Estava eu, esta sua pessoinha aqui, saindo da... da biblioteca... que... você me pediu para ver se tinha aqueles livros sobre Camilo... pra sua tese, sabe?... quando topei com um velho amigo meu, o Tonhão Maneta, isto é, o Antônio... Antônio Cruz... e ele, sabe, me convidou para um lance aí, sabe... um negócio daqui... a gente pode amarrar o burro na sombra, é coisa de muita grana...

 

TERESA:- Mas, Simão... isso não vai atrapalhar os seus estudos, vai?

 

SIMÃO:- Que isso, Teresa? Querendo bancar a “tia” pra cima de mim?

 

TERESA:- Não fale assim... não gosto...

 

SIMÃO:- Nós vamos ficar ricos, Teresa... Ricos! Ricos!

 

 

Simão sai.

 

 

TERESA:- Trabalho... ao trabalho, antes que esse menino tome conta de minha vida, do meu ser! Preciso pensar no dilema de Camilo: o amor como perdição ou como salvação... E o que tem a ver sóror Mariana Alcoforado com o amor de ambos? Mariana amou e não foi amada. Mas Camilo tem uma outra personagem apaixonada: por coincidência, outra Mariana, que ama Simão, que morre por Simão e depois morre com Simão, mas não é amada por ele... Eu devia chamar-me Mariana... Não, não... Teresa pelo menos foi amada e eu sou amada. Ah! Meu querubim... tu me amas e eu te amo... e nosso amor não é de perdição... apesar de tudo... apesar de tudo... Sóror Mariana do Alcoforado, a freirinha do século dezessete tem as mesmas preocupações das teresas do século vinte e um?

 

 

Teresa, lentamente, vai-se deitando na posição fetal, como se houvesse em torno dela a jaula da primeira cena. Só um facho de luz ilumina-a. Fala lenta e pausadamente, ao som de ruídos de mar.

 

 

TERESA:- “Não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo... Mil tormentos contrários me despedaçam!...Quem poderá imaginar um estado mais deplorável?... Amo-te como uma perdida, e modero-me ainda assim contigo, até não ousar talvez desejar-te as mesmas tribulações, os mesmos transportes que me agitam... Matar-me-ia, ou a não fazê-lo, morreria de dor, se estivesse certa que nunca tinhas repouso, que a tua vida era uma contínua desordem e perturbação, que não cessavas de derramar lágrimas, e que tudo aborrecias...”

 

 

Teresa levanta-se e volta ao “normal”.

 

 

TERESA:- Amor e morte... amor e morte... Atribulações... Amor e atribulações... Abandonada num convento, pela família, pelo homem de sua vida, pela sociedade... Santa Mariana Alcoforado, devias ser a santa protetora de todas as abandonadas... e serias do altar a santa de maior prestígio...

 

 

Dirige-se ao computador.

 

 

TERESA:- Ao trabalho, que a outra Teresa me espera... também num convento... excluída do mundo por causa do amor...

 

 

Escreve.

 

 

TERESA:- A pesquisar: terão as mulheres do meu tempo a mesma capacidade de entrega? E os homens? Também se apaixonam e se entregam através de bate-papos virtuais, o coração pulsando em bits e bytes? (Pausa). O Simão de Camilo é um assassino... matou Baltasar por ciúmes de sua amada... Meu pai não matou... morreu por amor... E eu? E eu, meu Deus? Qual a minha sina? Morrerei ou matarei por amor? Ai, meu Simão... meu amado Simão... tu me enlouqueces e não sei se te entregas a mim, como o herói de Camilo que se perde por amor de sua Teresa... Cumprirei, sim, o teu destino, meu amado Simão, não com o amor que consome e mata por inanição, de fome, mas com o amor que mata e faz matar pela saciedade... Meu corpo tem as carnes cheias de quem deseja o mundo... de quem ama com suor, com lágrimas, com saliva, com todos os líquidos e sólidos de que sou feita... não como essa... essa heroína miserável do romantismo abúlico de Camilo... a chorar pelos cantos de um convento a separação de seu amado...

 

 

 

 Depois de alguns instantes de silêncio, aos poucos, transforma-se na Teresa de Camilo. Dirige-se ao centro do palco com uma bacia de água, com que começa a lavar-se.

 

 

TERESA:- Simão... meu amado... Se esta água fossem as lágrimas que por ti já chorei, eu teria a certeza de que são puras... puras como pura eu me guardo para ti, meu amado...

 

 

Um foco sobre Simão, sentado a uma enxerga, na prisão.

 

 

SIMÃO:- Eis-me aqui, Teresa... eis-me aqui, homicida e sem remorsos. A insânia do crime aturde a consciência; não a minha, que não temo as escadas da forca...

 

TERESA:- O primo Baltasar... o primo Baltasar cavou a sua sepultura e a minha...  Morrerei... morrerei, Simão... morrerei... Perdoa, meu amado, ao meu destino... Já te perdi... Não posso, nem poderei jamais resgatar-te..

 

SIMÃO:- Se teu pai quisesse...

 

TERESA:- Meu pai... meu pai guarda de ti e de todos de tua família somente ódios antigos...

 

SIMÃO:-  ... eu me arrastaria aos pés de teu pai para te merecer... beijaria os pés de teu pai, Teresa... Se tu me mandasses morrer para te não privar de ser feliz com outro homem, eu morreria, Teresa...

 

TERESA:- Se podes, vive; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares...

 

SIMÃO:-  O travor de meu cálice, Teresa,  tem sobre a amargura as mil amarguras de tuas lágrimas...

 

TERESA:- Estou tranqüila, Simão, vejo a aurora da paz...

 

SIMÃO:- A felicidade é a morte, Teresa...

 

TERESA:- Não! Não! Vive, Simão, vive... Aceita a prisão em troca da forca... Dez anos! Dez anos... Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua esposa... Irei pedir ao rei que te perdoe...

 

SIMÃO:- Esquece-te de mim! Esquece-te de mim! Adormece no seio do nada... Quero ver o céu no meu último olhar...

 

 

O foco sobre Simão apaga-se. Teresa termina suas abluções e veste algo que lembra o hábito de uma freira. Ergue-se lentamente com a bacia de água e caminha para fora de cena. Tempo. Simão, o Simão de hoje, entra aos berros, procurando Teresa por todos os lugares, sob vários focos de luz que não conseguem acompanhá-lo.

 

 

SIMÃO:- Teresa! Teresa! Onde você está? Que diabo! Preciso de você, mulher... Preciso de você! Teresa! Teresa! Porra, Teresa... Quando eu mais preciso de você, você não está?! Que merda essa? Que lugar é esse? Onde eu estou? Teresa! Estou lúcido, Teresa... estou lúcido... não cheirei... não bebi... não fumei... Eu sei o que faço, Teresa! E preciso de você!

 

 

Ofegante, pára um pouco, despe as roupas de prisioneiro do Simão que estava na cadeia e começa a vestir roupas inteiramente negras (meias, calças, camiseta), que estavam em algum lugar do palco. Por fim, coloca um gorro, também negro, que lhe cobre todo rosto, menos os olhos, e pega a arma. Brinca de atirar por alguns instantes e sai às gargalhadas e gritando “Ricos, Teresa... Ricos... Ricos!” Tempo. Teresa volta lentamente e vai apanhando uma a uma as roupas de Simão espalhadas pelo palco e dobrando-as cuidadosamente, como uma dedicada dona de casa. Depois despe o hábito de Teresa e dobra-o também, cuidadosamente.

 

 

TERESA:- “O homem, esse desconhecido”. Uma vez eu vi esse livro na biblioteca de meu pai... O homem, esse desconhecido! Nós lavamos suas calças e suas almas... passamos a ferro suas camisas e suas dores... engomamos seus egos... alimentamos suas fantasias com nossos desejos... abrimos nossas pernas para gerar seus filhos... às vezes gozamos... às vezes mentimos... às vezes choramos... mas, sempre, nós os criamos... sempre... nós os construímos... pensando que são nossos... que os teremos para sempre... e para sempre os perdemos... Teresa era virgem... morreu virgem... perdida num amor proibido... Fico, às vezes, pensando... será que uma virgem entende tanto assim de amor? Será que uma virgem podia amar tanto assim um homem?  (Pausa.) Tenho em mim o sangue quente de meu pai... a decisão da entrega... sem medir conseqüências... E só encontrarei a mim mesma, se cumprir esse destino... se arrebentar os muros do convento da Teresa de Camilo... sem julgamentos... sem julgamentos... que nem eu mesma me julgue... A trilha de Simão é o meu destino... A TRILHA DE SIMÃO É O MEU DESTINO... sem medir conseqüências... sem... medir... conseqüências... eu estou pronta... pronta... À merda todas as convenções... Eu, Teresa, professora?!... que porra!... sou apenas uma mulher que ama... que se entrega a esse amor... sem... sem... medir conseqüências...

 

 

Empilha as roupas a um canto. Entra de repente Simão, todo de negro.

 

 

SIMÃO:- Teresa! Você está pronta? Vamos, vamos, meu amor! A fortuna nos espera!

 

 

Beijam-se rápida e apaixonadamente. Simão coloca sobre os ombros de Teresa uma capa negra e em suas mãos uma arma. Saem ambos correndo, de mãos dadas. Luzes que se acendem e apagam, acompanhadas de ruídos de carros, gritos de pessoas, tiros, buzinas, sirenes, enfim uma grande confusão. Quando tudo se acalma, Teresa e Simão reaparecem com uma mala, exaustos, as roupas sujas, mas alegres e felizes. Sentam-se ao chão, abrem garrafas de bebidas, abrem a mala, jogam algum dinheiro sobre si mesmos, abraçam-se, numa festa a dois regada a droga e bebida.

 

 

SIMÃO:- Você viu... você viu a cara do guarda?

 

TERESA:- E do gerente, então? Ele nunca podia acreditar que eu... eu, aqui, uma mulher gostosa e bonita... pudesse enfiar uma metranca na cara dele!

 

SIMÃO:- Você precisava atirar naquele caixa, Teresa, precisava?...

 

TERESA:- Folgou! Folgou! Eu atiro mesmo...

 

SIMÃO:- E se sujar!

 

TERESA:- Se sujar, sujou! Ora, Simão, deixa de ser panaca...

 

SIMÃO:- Panaca... Teresa... panaca! Isso, não!

 

TERESA:- Veja! Estamos ricos...

 

SIMÃO:- Eu prometi... eu cumpri...

 

TERESA:- Porra que VOCÊ cumpriu... eu também ajudei...

 

SIMÃO:- Ajudou, não... você foi a mais importante no esquema... a mais importante, ouviu?

 

TERESA:- Menos, Simão... menos... tá certo, eu dei uns tirinhos ali... outros tirinhos mais adiante... mas você... você foi foda, Simão!...

 

SIMÃO:- É! Comigo num tem tempo quente... eu sou o Rambo... eu sou foda!

 

TERESA:- E agora?

 

SIMÃO:- Agora o quê?

 

TERESA:- Ora... o que vai rolar?

 

SIMÃO:- Nada, ora... Bebe... bebe... vamos comemorar...

 

TERESA:- E só?

 

SIMÃO:- Não estou te entendendo!

 

TERESA:- Porra, Simão... você é burro?

 

SIMÃO:- Mulher nenhuma me chama de...

 

TERESA:- Chamo, sim... chamo... Burro! Ouviu? Burro! Nem terminou o segundo grau...

 

SIMÃO:- E você, sua... sua piranha! No primeiro lance já tá querendo dar uma de doutora? Eu tenho de crime o que você não tem escola, tá ouvindo?

 

TERESA:- Até parece!... um franguinho da sua idade!...

 

SIMÃO:- Não me provoca, porra! Não me provoca!

 

TERESA:- Tá bom... tá bom... vamos nos portar como civilizados... se isso é possível depois... depois do que fizemos...

 

SIMÃO:- Teresa... Teresa... eu te amo... a gente não pode brigar...

 

TERESA:- Desculpe... eu... eu acho que me excedi... fiquei muito excitada com tudo isso...

 

 

Amam-se apaixonadamente.

 

 

TERESA:- Nunca imaginei melhor afrodisíaco!...

 

SIMÃO:- Que porra é essa que você está falando?

 

 

Rindo, ela o toma de novo nos braços e rolam pelo chão.

 

 

TERESA:- Meu querubim... você é o meu tesão... É isso o que eu estou dizendo... Vem cá... e o que você vai fazer com tanta grana?

 

SIMÃO:- Vou gastar tudo em roupa, disco... e acho que vou comprar um carro...

 

TERESA:- Mas é muita grana, Simão... Você não tem família? Pai... mãe...

 

SIMÃO:- Não quero falar sobre isso... não interessa!

 

TERESA:- Mas você tem mãe... pai...

 

SIMÃO:- Que bosta, Teresa! Pai e mãe todo mundo tem... só não quero falar sobre isso! E chega, tá bom?! (Pausa). E a minha professorinha... como vai torrar a grana? Me conta... sem neura... me conta...

 

TERESA:- Acho que vou fazer uma viagem...

 

SIMÃO:- Você vai cheirar tudo isso?

 

TERESA:- Não seja bobo... viagem, mesmo... pra Portugal... terminar minha tese sobre Camilo Castelo Branco... lá nos lugares onde a história aconteceu...

 

SIMÃO:- Posso ir com você? Posso?

 

TERESA:- Escuta, Simão, você acha que uma virgem... uma mulher que nunca teve homem... pode amar realmente?

 

SIMÃO:- Que merda é essa de virgem?... E eu sei lá... nunca vi uma!

 

TERESA:- Sabe, quando a gente transou a primeira vez, eu cheguei a pensar que você era virgem...

 

 

Simão rola de rir, fazendo micagens e gestos de incredulidade e de escárnio.

 

 

SIMÃO:-  Eu?! Virgem? Acho que já nasci trepando...

 

TERESA:- Não seja grosseiro, Simão... Assim você me magoa... Deixa, deixa eu pensar que você era virgem, meu querubim... Sabe, a Teresa do livro que estou estudando, ela morreu virgem... e morreu de amor, Simão, morreu de amor... Já a freirinha de um outro livro...

 

SIMÃO:- Freira, Teresa? Você nunca me falou de porra de freira nenhuma...

 

TERESA:- Deixa pra lá... Vamos aproveitar a grana que ganhamos... vamos morrer... nós dois... de tanto trepar, cheirar, beber... tudo... tudo o que você quiser, meu querubim... meu amor... A entrega total, Simão, sem sofrimentos... sem arrependimentos... sem o choro da desgraça em conventos negros, sem o desespero a brotar do fundo de um navio que leva ao degredo...

 

 

Tempo. Teresa e Simão como personagens de Camilo. Ela, em sua cela no convento, mostra serenidade, relendo as cartas de Simão e ele, num navio, sofrendo quase alucinadamente. Ruído de mar.

 

 

SIMÃO:- Que trevas, meu Deus! Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar, ou matai-me, que este sofrimento é insuportável! Teresa! Teresa! Não quero ouvir a notícia de tua morte, meu amor! Eu te matei, Teresa, eu te matei! Não sou digno de ti... eu te matei... e nem chorar consigo por essa desgraça...

 

TERESA:- Obrigada, meu Deus... obrigada por haver tido a oportunidade de tão grande amor... E vós, minhas amigas (para freiras invisíveis), que procurais consolar-me... eu me despeço de vós... Deus vos há de recompensar a paciência, as doces palavras que me dissestes...

 

 

Senta-se e desamarra um maço de cartas, lendo trechos de uma a uma.

 

 

TERESA:- Simão, meu amado, aqui me dizias... “Creio em ti, Teresa, creio. Ser-me-ás fiel na vida e na morte”... “Não me fujas ainda, Teresa. Já não vejo a forca, nem a morte. Meu pai protege-me, e a salvação é possível...”

 

 

Simão anda de um lado para outro, como louco, cambaleando.

 

 

SIMÃO:- Eu não me suicido! Eu não me suicido!... Se eu morrer... se eu morrer no mar... atirem fora meu papéis... e as cartas... as cartas de Teresa!... Tanta gente desgraçada que eu fiz... Meu pai, minha mãe... meus irmãos...

 

 

Deita-se numa enxerga, já delirando.

 

 

SIMÃO:-  A casinha... a casinha de Coimbra... eu vejo... as árvores... as flores... as aves... E tu, Teresa, meu amor, tu... estás comigo... Vem, dá-me o teu braço... passeemos à margem do Mondego... Veja, Teresa... a lua no rio reflete nossa felicidade...

 

TERESA:- “Ontem, vi as nossas estrelas, aquelas dos nossos segredos nas noites da ausência. Volvi à vida, e tenho o coração cheio de esperanças. Não morras, filha da minha alma... não morras!” Tu escreveste isso, Simão... Tu escreveste! E eu estou aqui, Simão... Abençoado sejas! A manhã já rompe... vou ver minha última aurora...

 

SIMÃO:- Veja, Teresa... nossas estrelas... elas nos acompanharam... e agora esmaecem à luz da aurora... É a vida... Teresa... é a vida de nosso amor na nossa última aurora...

 

TERESA:- ... a última aurora de meus dezoito anos... Deus te livre de uma agonia longa, meu amado...

 

 

As luzes vão baixando lentamente e, antes que se apaguem totalmente, voltam a acender de repente. Simão e Teresa se levantam e correm um para o outro e se abraçam.

 

 

SIMÃO:-  Teresa... vamos, rápido... Sujou...

 

TERESA:- O que você está dizendo, Simão?...

 

SIMÃO:-  A polícia... estão na nossa pista... É preciso fugir...

 

TERESA:- O dinheiro!

 

 

Enquanto tentam juntar algum dinheiro que está espalhado pelo chão, ouve-se ao longe o som de sirenes.

 

 

TERESA:- Tem certeza de que estão nos procurando?

 

SIMÃO:-  O Tonhão... o Tonhão foi preso. Ele nos entregou.

 

TERESA:- Não tenho medo de polícia...

 

SIMÃO:- Você não está pensando..

 

TERESA:- Tenho medo de te perder, Simão... Jura... jura que, haja o que houver, você não vai me abandonar...

 

SIMÃO:- Que bobagem, Teresa! Estamos juntos nessa... somos parceiros...

 

TERESA:- Parceiros!... Parceiros, Simão! Que porra! Somos amantes... um dentro do outro, ouviu...

 

SIMÃO:- Eu não te obriguei a nada...

 

TERESA:- Ouça, ouça bem, meu... meu parceiro... Teresa de Albuquerque, a minha xará do século dezoito, era frágil... uma mocinha de dezesseis, dezoito anos... e ela lutou... lutou até o fim... e venceu... Sabe como ela venceu? Morrendo... morrendo triste e só numa cela de convento... Era a única saída que ela podia ter...

 

SIMÃO:- Você... você... não estou te entendendo...

 

TERESA:- Cala a boca e escuta... meu parceiro!... Escuta: a freirinha que eu te falei, Mariana Alcoforado também lutou... mas ela perdeu, Simão... Ela perdeu a luta... Ela se entregou a um amor impossível, foi abandonada, sofreu... mas sobreviveu... morreu velhinha, murcha, tendo por amante um Cristo morto na cruz...

 

SIMÃO:- Você endoidou de vez... a polícia na nossa porta e você falando de uma porra de freira que nem sei quem é?! Endoidou!

 

TERESA:- Você está com medo da polícia... eu estou com medo é de te perder, seu bosta... seu bostinha... de te perder... Não é de morrer que eu tenho medo... nem de polícia...

 

SIMÃO:- Você só vai me perder, se a polícia nos pegar... Vamos, vamos... Dá tempo... a gente pode fugir...

 

TERESA:- Você não entendeu nada... Deixa a polícia pra lá... Eles vão nos pegar mais cedo ou mais tarde...

 

SIMÃO:- Eu não vou me entregar... EU NÃO VOU ME ENTREGAR!

 

TERESA:- Acho que você nunca se entregou, meu querubim, acho que você nunca se entregou... Vamos!

 

 

Saem correndo. Sirenes. Tiros. Blackout.

 

 

FIM

 

13 de dezembro de 2000

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Isaias Edson Sidney

terça-feira, 5 de dezembro de 2000

 

 

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