Drama musical para jovens
2001
O INFERNO DE BEATRIZ
RESUMO
Beatriz, ao contrário de sua homônima da COMÉDIA (de
Dante Alighieri), busca nas drogas o paraíso, mas acaba visitando o purgatório
do estremecimento de suas relações familiares e encontrando o inferno na
contravenção e no crime, juntamente com seus amigos e colegas. Peça para
jovens.
SBAT
1421
FBN
217.984
livro 381
folha 144
PERSONAGENS PRINCIPAIS
(Jovens, na idade entre 18 e
22 anos)
BEATRIZ (BIA)
DANTE
LUCAS
PATRÍCIA (PATY)
PERSONAGENS SECUNDÁRIAS
ü PAI DE BEATRIZ
ü MÃE DE BEATRIZ
OUTRAS PERSONAGENS
(Só aparecem nas “viagens” das
personagens principais e devem ser feitas pelos mesmo atores)
PAI DE DANTE
MÃE DE DANTE
PAI DE LUCAS
MÃE DE LUCAS
PAI DE PATRÍCIA
MÃE DE PATRÍCIA
MÉDICO
HOMEM
AUTOR
ISAIAS EDSON SIDNEY
RUA DOS BURITIS, 251 – JABAQUARA,
SÃO PAULO – SP
CEP – 04321 – 001
Telefone: (11) 5011-9628
Cena de
abertura: um videogame. Os atores cantam “A canção do videogame 1” e dançam:
é jogo, é vida
eu jogo a vida,
vidas, vidas, vidas
muitas vidas eu tenho
para jogar
eu jogo, eu jogo
vida? é nada
vencer o fogo
vencer o vento
vencer a espada
vencer o fosso
a fossa, o monstro
vencer é só
um sonho bom
eu abro portas
eu pulo rios
eu corro mais
que o inimigo
eu atiro mais
que o inimigo
a arma que eu jogo
é minha vida
sou labirinto
sou só o que sinto
sou vida
não minto
Casa de
Beatriz. A mãe arruma a mesa para o café da manhã. Entra Beatriz, ainda meio
sonolenta.
MÃE:- Tão cedo? Caiu da cama?
BIA:- Preciso estudar... O pai já saiu?
MÃE:- Foi bom você ter levantado
mais cedo... seu pai tem uma surpresa para você...
BIA:- Odeio surpresas.
MÃE:- Não seja malcriada, Beatriz!
BIA:- Por que isso, agora? Meu aniversário é só no mês que vem...
MÃE:- Uma coisa que você sempre
quis...
BIA:- Ih! Aí tem coisa... Só espero que não seja uma bíblia...
MÃE:- ... até eu gostaria de
receber esse presente...
BIA:- Por que você não conta logo e pára com esse suspense? Você não agüenta
mesmo guardar segredo...
MÃE:- ... se a gente pudesse, eu
iria com você...
BIA:- Se é o que estou pensando...
Entra o pai de
Beatriz, todo animado, escondendo algo.
PAI:- Surpresa! Surpresa! Bom dia,
querida... Bom dia, Beatriz...
Beija a ambas
e procura fazer algum suspense com o presente. Depois entrega o envelope para
Bia. Ela fica por uns instante olhando aquilo, meio atônita.
PAI:- Vamos, abra... tchan...
tchan... tchan...
Beatriz abre o
envelope e encontra uma passagem aérea. Fica sem entender.
BIA:- Uma passagem aérea...
MÃE:- ... para onde?
PAI:- ... para onde?
Bia tenta
descobrir.
BIA:- Para os Estados Unidos?
PAI:- Olha, olha direito... Mais
que Estados Unidos... muito mais... para ORLANDO!
BIA:- Orlando?
PAI:- SIM! ORLANDO! DISNEYLÂNDIA!!!
BIA:- Disneylândia, pai? Disneylândia?
PAI:- Claro... Desde os sete, oito
anos você sempre sonhou em ir para Disneylândia...
BIA:- E agora, com dezenove anos nas costas, eu
vou tirar foto com o Mickey na Disneylândia...
PAI:- Eu sabia... eu sabia que você
ia ficar feliz... Deus me ajudou e preparou essa surpresa para você... Deus
seja louvado... Bom dia, querida... Estou atrasado...
MÃE:- Mas... e o café?
PAI:- Estou sem fome e atrasado...
Bom dia para as duas...
Sai. Beatriz canta “A canção de
Beatriz”:
tenho em mim o
sonho de ser feliz
e vou seguir sempre
adiante:
amo um garoto
chamado Dante
e por isso sou de
Dante a Beatriz
minha personalidade
é forte
e fui sempre a
primeira de qualquer jogo
sempre fui aquela
que põe fogo
e não teme da vida
a sorte
faço o que quero do
jeito
que quero, não
importa
pai, mãe ou avó
torta
sigo em frente e me
ajeito
tenho em mim o
sonho de ser feliz
e vou seguir sempre
adiante
amo um garoto
chamado Dante
e por isso sou de
Dante a Beatriz
sou dona de minha
vida
meu destino está
traçado
sempre por mim
estipulado
não serei nunca
conduzida
faço o que quero do
jeito
que quero, não
importa
pai, mãe ou avó
torta
sigo em frente e me
ajeito
tenho em mim o
sonho de ser feliz
e vou seguir sempre
adiante
amo um garoto
chamado Dante
e por isso sou de
Dante a Beatriz
Tempo. Uma festa
de jovens. Luzes coloridas, rock em alto volume. Todos dançam e se divertem.
DANTE:- Toma... toma um
pouco... é vodka!
BIA:-
Não... eu não tomo álcool... me dá enjôo...
DANTE:- Tô te achando baixo
astral...
Beatriz faz um gesto desanimado e continua dançando.
Depois de algum tempo, fica somente um
foco sobre Dante e Bia, enquanto todos os outros vão-se retirando, até que eles
ficam sozinhos e a música cessa. Dante acende uma bagana e oferece a Bia.
DANTE:- Esse é do bom...
Vai levantar o seu moral...
BIA:- Moral, Dante? Moral? Depois
dessa do meu pai, você quer que ainda tenha moral?
DANTE:- Você traz uma foto
sua com o Mickey para mim, traz?
BIA:- Não enche, tá... Me passa logo
essa bagana... Olha, eu quero mais, ouviu! Eu quero mais... eu quero tudo...
DANTE:- Cuidado, Bia...
isso ainda vai acabar mal...
BIA:- Que acabar mal, cara... tá
me estranhando?
DANTE:- Você tem pouco
tempo nessas... nessas viagens... pode acabar... ou melhor, pode não conseguir
parar depois...
BIA:- Até parece que você não me
conhece, Dante. Lembra que no colégio, sempre fui a melhor e serei a melhor
quando eu quiser, em qualquer profissão...
DANTE:- Vai mesmo fazer medicina?
BIA:- Duvida?
DANTE:- Claro que não... se é o que você quer...
BIA:- É tudo o que eu quero... apesar de meu pai...
DANTE:- Seu pai... sempre seu pai...
BIA:- Você não vai falar de meu pai! Eu posso falar, porque sou filha dele e
o amo...
DANTE:- Ama?
BIA:- Às vezes, odeio... quando ele quer que eu faça teologia, por exemplo...
DANTE:- Você é osso duro, Bia... Teimosa!
BIA:- Eu não sou teimosa... eu apenas sei o que quero e faço o que quero, por
isso é que te digo: eu paro quando quiser, ouviu? Paro a hora que eu quiser...
DANTE:- Tá bom... tá
bom... Pode fumar... esse fumo é dos bons...
BIA:- Você sempre diz isso... e sempre me dá palha pra fumar.
DANTE:- Exagero, seu,
gata! Exagero. Até a minha palha é de boa qualidade...
BIA:- Dante... me diz uma coisa...
DANTE:- Você não vai
começar com aquela história de novo, não é, Bia!?...
BIA:- Pô, cara, baixa a
guarda...
DANTE:- Seu pai já anda meio cabreiro comigo...
BIA:- Porque você é muito folgado...
Se meu pai ao menos desconfiasse de... de uma lasquinha assim... do que
fazemos... eu não estava aqui com você.
DANTE:- Seu velho é foda,
Bia... não dá uma folga... E depois dessa viagem pra Disneylândia, ele
extrapolou...
BIA:- Esquece o pai. O que eu tenho
a lhe pedir...
DANTE:- Senta... senta um
pouco... o fumo e tudo o mais... já estou um pouco... bodeado... bateu o
maior bode...
Ambos sentam-se no chão, com as pernas cruzadas, voltados
um para o outro.
BIA:- Você prometeu...
DANTE:- Tá bom... gata,
o que eu prometi... diz... o que eu prometi...
BIA:- Uma viagem... uma viagem das
boas...
DANTE:- Eu não te
entendo... pra que isso? Você tem tudo... não é como eu, que precisou batalhar
desde cedo...
BIA:- Sermão, Dante? Qual é, cara!...
Pai já chega o que eu tenho em casa...
DANTE:- Tá bom...
não está mais aqui quem falou... Mas dá um tempo...
BIA:- Tempo, Dante ? Tempo? Quanto?
Eu tô fissurada, Dante... eu quero tanto... Não agüento mais esse fuminho
vagabundo que você me traz...
DANTE:- Não vem tirando,
não, Bia... eu nunca dei furo com você...
BIA:- Mas isso, Dante!? Isso aqui é xaxim...
por isso que você fica aí meio que mareado... é só amoníaco o que tem
aqui dentro... Isso faz mal! A gente precisa de coisa melhor, Dante...
DANTE:- Já te disse que é
meio complicado... Não quero confusão com sua família, que já não gosta de
mim... Tá bem, tá bem... Eu vou descolar umas festas da hora... lá tem de
tudo...
Eles se beijam, levantam-se e dançam, enquanto Dante
canta “A Canção de Dante”:
de família simples
eu venho
de lutas e muito
sofrimento
um grande orgulho
eu tenho
sou honesto e nunca
minto
vibra como a chuva
e o vento
na minha guitarra o
que eu sinto
sonho sempre
acordado
e não choro jamais
se por Beatriz sou
amado
basta isto e nada
mais
sou honesto e nunca
minto
vibra como a chuva
e o vento
na minha guitarra o
que eu sinto
como o poeta Dante
me chamo
toco o meu rock-and-roll
e meu amor a todos
proclamo
faça chuva ou faça
sol
sou honesto e nunca
minto
vibra como a chuva
e o vento
na minha guitarra o
que eu sinto
O dois se abraçam e se beijam. Tempo. Porta da casa dos
pais de Bia. Ela procura na bolsa a chave e não a encontra.
BIA:- Não acho a chave, Dante...
Caralho!
O pai de Bia sai da sombra, de onde estivera esperando o
casal.
PAI:- Vai lavar essa boca suja...
BIA:- Pai! Eu..
DANTE:- Boa noite...
PAI:- É só isso o que você aprende
andando com esse... esse...
BIA:- Desculpe!
PAI:- Senhor, meu Deus, o que eu fiz
para ter uma filha assim? Já para dentro, filha de satanás... e você, seu
moleque, vai embora... anda... vai embora e não volte... Se eu te pego
novamente com minha filha, que Deus me proteja, mas sou capaz de...
BIA:- Não, meu, pai... Por favor,
não... Me perdoa... eu não falo mais... perdoa...
PAI:- Já para dentro... depois
conversamos...
Com a ameaça do pai de Bia, Dante se afasta. Bia entra
com o pai.
PAI:- Beatriz, minha filha... Esse
menino é muito boca suja... não é companhia para você, minha querida... O
Senhor seja louvado, mas ainda faço uma besteira... se você não parar com
isso... Tudo bem, um baile de vez em quando... uma festa de aniversário... mas
esse namoro, Deus não preparou um rapaz sem rumo como esse para casar com minha
filha...
BIA:- Casar, meu pai, casar?! Quem
está pensando em casar?
PAI:- Você já tem dezenove anos,
minha filha... Na sua idade, eu e sua mãe já tínhamos você...
BIA:- Tá bom, pai... tá bom...
Depois a gente conversa... Me deixa dormir... Boa noite...
Bia retira-se. O pai abre uma Bíblia e lê o versículo 15,
capítulo 2 do Gênesis:
PAI:- “E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar
e o guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do
jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não
comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”.
Entra a mãe e ambos
cantam “A Canção dos pais”:
proteção, proteção,
proteção
sempre a Deus
estamos pedindo
proteção para nós e
nossa família
proteção para a
filha Beatriz
nós te amamos, ó
Deus, senhor,
nós te amamos,
também,
ó Beatriz, anjo e
pecado,
nós te perdoamos, ó
filha amada,
nós a Deus pedimos
sempre
proteção, proteção,
proteção
é sempre a fé que
nos move
Deus, do coração de
Bia remove
a tentação, a
tentação, a tentação
a ti pedimos
sempre, ó senhor,
proteção, proteção,
proteção
Tempo. Bia, em seu quarto, fala ao telefone.
BIA:- Numa boa, cara... Meu pai
viajou... foi pregar numa nova igreja não sei aonde... só volta na segunda...
Minha mãe? Que nada... fica frio... Pode vir... Já te disse... numa boa... tá
legal!
Coloca um som, a “Canção de Beatriz” em ritmo techno e
começa a dançar. Logo chegam seus amigos, Patrícia, Lucas e Dante. Trazem
comida (pizza ou qualquer outro prato de fast-food). Cumprimentam-se com
beijinhos e todos entram no ritmo, dançando por alguns momentos. O som diminui.
BIA:- E então, cara... quando vai
ser?
DANTE:- Eu te pedi um
tempo, gata...
BIA:- Já faz uma semana... Tu tá me
enrolando...
PATY:- Que é isso, Bia...
o Dante é gente boa...
BIA:- Fica na sua, Paty... é assunto
meu...
PATY:- Tá bom... não está
aqui quem falou... que coisa... parece porco espinho...
LUCAS:- Você não pode
ficar calada, não é Paty?
PATY:- Não enche... E sai
pra lá, que teu bafo tá bodeado... só falta cuspir fogo...
DANTE:- A Bia tá me
cobrando um...
BIA:- Não, não fale... é só... entre
nós...
DANTE:- Não, Bia... não
pode ser só entre nós... Um lance desse tem que ter mais gente... Pode
ser perigoso...
LUCAS:- Que é isso, Bia,
querendo nos tirar de alguma jogada... Que amiga, hem?...
BIA:- É... que... eu... que
merda!... Tá bom.... desculpem... Eu o Dante... nós...
PATY:- Desembucha logo, cara... Qual
é o lance?
DANTE:- É coisa da
pesada... não sei se vocês topam...
LUCAS:- Uma suruba! Todo
mundo nu... oba! Todo mundo nu... oba!
PATY:- Não seja imbecil,
Lucas... parece que bebe... só pensa nisso... Vai acabar botando fogo pela
boca...
DANTE:- É coisa séria: uma
viagem... uma viagem da pesada... A Bia quer experimentar coisas...
PATY:- Você não acha que
está indo depressa demais, Bia? Tem coisa que a gente não consegue largar
depois...
BIA:- Pára com isso, meu... eu entro
no que eu quero e largo quando quiser, tá bom? Você nunca vai me ver chapada
por aí... Eu sou forte...
PATY:- Então, fala logo,
cara...
DANTE:- Ácido... gente!
Ácido...
Os quatro se abraçam, dançam e festejam, com a música “A
Canção da turma”:
eis nosso lema:
viver e brincar
brincar e cantar
pai, não tema,
não tema o nosso
grito
se pode ser aflito
nunca será de medo
viver e brincar,
sonhar e amar,
se a vida é droga,
droga de vida
sonhamos e amamos
sorrimos e
brincamos
qual é a sua, cara,
qual é a sua,
amigo,
a vida é pedra –
rara
vem brincar comigo
na veia, cara, na
veia,
sonhe e brinque e
não tema
para aquele mar,
sereia,
para aquela dor, o
lema
viver e brincar
brincar e cantar
pai, não tema,
não tema o nosso
grito
se pode ser aflito
nunca será de medo
Enquanto dançam e cantam, Lucas prepara, às escondidas,
uma cena de pirofagia para assustar Paty. Quando ele “vomita” o fogo,isso
encerra a cena, com todo mundo saindo correndo e xingando Lucas. Tempo. Bia, em
seu quarto, lê um livro. Entra a mãe.
MÃE:- Toma, filha... trouxe um leite
com chocolate e bolachas pra você... Estou te achando cansada esses dias...
Você está estudando demais...
BIA:- Uma viagem, mãe... estou
precisando de uma viagem...
MÃE:- Não estou te entendendo... seu
pai já não lhe deu a passagem para Disneylândia?
BIA:- Disneylândia, mãe!
Disneylândia!
MÃE:- Teu pai é tão bom, minha
filha... você não vai contrariar o sonho dele...
BIA:- Ah! Mãe... eu sei, o pai é
correto... temente a Deus, até demais... mas... e eu? E eu, minha mãe? E meus
sonhos? Isso não conta?
MÃE:- Deus quis que tivéssemos uma
filha...
BIA:- Vocês queriam um homem, não é?
MÃE:- ... para prosseguir a obra de
seu pai...
BIA:- Mãe, escuta: tô fora... não é
isso o que eu quero para mim...
MÃE:- ... é tudo o que o seu pai mais deseja... a
obra de sua vida... a obra de Deus...
BIA:- Deus não tem nada com isso,
mãe... eu não posso, ouviu? Eu não posso...
MÃE:- Teu pai, filha, teu pai é um
homem bom... ele prometeu a Deus que você...
BIA:- Mãe, eu não vou casar com a idade que você casou, pra ser... ser...
rainha do lar! Aliás, nem sei se quero casar um dia...
MÃE:- Não diga isso, filha... eu e seu pai somos muito felizes...
BIA:- Essa felicidade de vocês eu estou fora... quero outra coisa pra minha
vida...
MÃE:- Que outra coisa, Bia? A mulher tem de seguir o homem... está na
Bíblia..
BIA:- É isso que não quero... os tempos são outros, minha mãe... não tem essa
de mulher ser aquilo que o homem quer... não tem essa de “seguir o marido”...
Eu quero ser livre, minha mãe... livre, entendeu?
MÃE:- Não entendo você... não entendo a juventude de hoje... Nós te demos
tudo: conforto, carinho, ensinamentos... Deus é testemunha disso... tudo o que
fizemos até hoje foi pensar na sua felicidade... dar condições para que você
estudasse, para você encontrar um homem bom, casar, nos dar netos e seguir a
palavra de Deus... Seu pai quer tanto que você estude teologia... que você
continue a obra dele...
BIA:- Me escuta, mãe... eu queria te
dizer uma coisa...
MÃE:- Quero ser sua amiga, minha filha...
BIA:- Amiga, minha mãe, amiga! Estou precisando de uma mãe, não de amiga...
MÃE:- A cada um conforme a sua hora, minha filha... se você quer assim...
BIA:- É uma roubada... eu não sei o que fazer... preciso de sua
ajuda... Mas só entre nós duas, mãe... só entre nós duas...
MÃE:- Eu e seu pai não temos segredos...
BIA:- Você nunca soube guardar segredo... Não vai ser agora... E eu precisava
tanto! Mas pelo menos, por amor de seu Deus, me escuta: eu não posso cumprir o
que meu pai prometeu...
MÃE:- É tudo o que ele mais espera
na vida: que você siga os passos de Jesus...
BIA:- Não adianta! Não adianta eu
falar... vocês são surdos... para mim. Só têm ouvidos para o Deus de vocês...
Bia aumenta o volume do som e canta um trecho da “Canção
de Beatriz”, enquanto a mãe se retira com a bandeja de leite e biscoitos, como
uma autômata, murmurando para si mesma palavras ininteligíveis, como se
rezasse. Tempo. Bia reencontra seus
amigos, agora numa rave, com música techno, luzes etc.
LUCAS:- E aí, meu, cadê o bagulho?
DANTE:- Cala a boca, idiota! Quer todo mundo manjando nossa jogada?
LUCAS:- Pô, cara! Aqui todo mundo tá nessa... não é
segredo pra ninguém...
DANTE:- Não é isso, cara... É que eu arrumei um lance especial... só para nós...
LUCAS:- Tá legal... afinal é uma grande
estréia... legal...
BIA:- Depois da festa... depois da festa a gente
se fala... tá ligado?
Lucas se afasta um pouco, dançando.
DANTE:- Sei não, sei não... isso já tá virando
clube...
BIA:- Você mesmo é que colocou o Lucas e a Paty na
jogada.
DANTE:- Já começo a me arrepender desse troço...
BIA:- Relaxa, cara... sem stress... sem stress...
Lucas e Patrícia se aproximam.
PATY:- Uma boa pra quem? Eu acho que vou cair
fora...
LUCAS:- Que porra,
Paty... qual é? Vai dar uma de fresca, agora? Entrou tá entrado... não tem dessa, não... é um por todos...
BIA:- ... e todos por um... Uau! Vamos nessa,
turma!
Eles saem pulando, dançando, cantando a “Canção da
turma”. Reúnem-se num local “descolado”: almofadas, luzes coloridas e música,
talvez um telão com imagens psicodélicas e/ou relaxantes.
BIA:- Que da hora, Dante! Que da hora!
DANTE:- O paraíso, Bia... o paraíso! A primeira vez
tem que ser assim... Pra curtir uma viagem sem rebordosa!...
LUCAS:- Profissional, cara, profissional!
PATY:- Tudo da hora, mas só quero saber de uma
coisa...
TODOS:- Fala, dona crica!
PATY:- Pô, cara... tá bom... não vou falar mais...
LUCAS:- Se começou, termina... O que é, agora... Tá
com medo? Se tiver com medo, passa a mão aqui no
bilau que o medo passa...
PATY:- Você é um escroto, Lucas... Sai pra lá,
sai... O que eu quero saber é de quem é esse apê
assim... todo decorado...
DANTE:- De uns caras aí... não importa...
PATY:- ... e outra coisa...
LUCAS:- Já tá
enrolando... que mina mais cheia de querer saber!
PATY:- Dá um tempo, Lucas... que cara chato! Quero
saber ainda se o que você trouxe, Dante, é realmente ácido...
TODOS:- OH! AH! UH! (Riem muito).
DANTE:- Você acha o quê, garota? Que eu ia descolar todo esse cenário pra curtir porcaria? Fique sabendo que o papai aqui é foda, ouviu? Não tem essa de “realmente ácido”. É
ácido, sim, e de primeira... Meus manos não iam furar comigo, ouviu?
LUCAS:- É isso, mesmo... Para uma viagem da hora, é
preciso um sitting da hora...
DANTE:- Virou entendido o nosso Lucas...
LUCAS:- Eu... eu... eu li... na internet... Os caras
contam uns lances que me deixaram pirado...
DANTE:- Não me venha com literatura, cara... Não vai
nessa. Tem muita truta nisso... Cada um viaja o que
pode. Mas vejam bem, nada de fissura... é preciso relaxar, ficar
calmo, mesmo... Esvaziar a cabeça, deixar a droga te levar... Por isso esse
lugar, assim... Vamos lá... Sentem-se... relaxem... música suave... Primeiro um
fuminho, para relaxar.
Todos se acomodam. Dante coloca uma música new age ou
algum som com guitarras distorcidas, lembrando música indiana, diminui as
luzes, enrola um cigarro de maconha, acende, traga e passa para cada um. Todos vão
ficando relaxados. Dançam um pouco, fecham os olhos e entregam-se aos seus
sonhos.
DANTE:- Tudo bem, galera? Vamos ao paraíso, agora... Olhem: eu trouxe 4 hits para cada um... mas não é bom tomarem todos
na primeira viagem... Demora um pouco o efeito... Cada um toma um... depois
outro... Só tomem o terceiro... e o quarto... se realmente estiverem numa
boa... Sem fissura, hem... Combinado?
Dante distribui os papéis com a droga para cada um. Eles
tiram o primeiro hit e colocam debaixo da língua, imitando os gestos de Dante.
Fecham os olhos, sentam-se, concentrados. Entra música “Canção da turma” em
ritmo techno, em volume alto, misturada com luzes negras, com todos dançando
alucinadamente, até um clímax. Tudo pára de repente. Alguns segundos de silêncio.
BIA:- Eu vi... eu vi!
DANTE:- Sou
uma águia... nos Andes... as neves eternas, cara... Uau!
BIA:-
Deus... eu estou vendo Deus... Eu sou Deus...
DANTE:- Um
pássaro negro... a neve branca... o sol dourado...
LUCAS:- Um
túnel... uma nave espacial... duendes... que da hora... bichos...
PATY:-
Socorro... eu... eu... (chora). Me ajudem! Estou saindo... estou saindo...
Ai! Minha mãe, me ajude...
DANTE:- ...
as neves se mexem, cara... estão vivas... querem me abraçar... uma abraço de
neve...
BIA:-
Senhor, senhor... eu sei... eu não peco mais... senhor... Misericórdia,
senhor... eu quero, sim... eu quero ver o paraíso... Eu estou vendo! Eu estou
vendo!
PATY:- As
luzes... minha mãe... luzes brancas... gente de branco, minha mãe... me
ajude... não enxergo direito... tá muito claro... me ajude minha, mãe, eu não
quero... eu não quero... eu não quero sair...
LUCAS:-
Duendes... no jardim... na mesa... duendes... o mundo está cheio de duendes...
belos... feios... lindos... horríveis... eu sou um duende também...
Em papéis trocados, dois fazem
os pais de um. Primeiro Paty e seus pais.
PAI DE PATY:- Patrícia, minha
filha... você já escolheu o que você quer de Natal? Uma boneca ou um vestido?
PATY:- Ai,
Paizinho, eu queria tanto um piano...
MÃE DE PATY:- Filhinha, sai da
água... sai... está esfriando... Ah, essa menina é tão frágil...
PATY:-
Deixa, mãezinha, um pouquinho mais... deixa...
PAI DE PATY:- Patrícia, minha
filha... você já escolheu o seu presente de formatura? Você quer uma viagem aos
Estados Unidos ou um carro?
PATY:-Os
dois, paizinho, os dois!
MÃE DE PATY:- Só tive você,
minha querida.... e Deus sabe como foi difícil o seu parto... nós te amamos
tanto, Patrícia... nós te amamos, viu?
Paty abraça os pais. Agora dois
atores fazem o papel de pais de Lucas.
LUCAS:-
Pai, eu quero uma guitarra no meu aniversário...
PAI DE LUCAS:- Guitarra é coisa
de marginal... toma uma calculadora...
LUCAS:-
Mãe, eu não vou vestir essa roupa ridícula...
MÃE DE LUCAS:- A festa é na casa
da Glorinha, e você sabe como ela repara nessas coisas... Vamos, veste logo
esse terno... que já estamos atrasados...
LUCAS:- O
que eu faço com esse taco, pai?...
PAI DE LUCAS:- É um taco de
baseball, filho... coisa de homem... vou te ensinar a jogar...
MÃE DE LUCAS:- Vê se não suja a
roupa... vê se não suja essa roupa!
Lucas empurra com raiva os
pais, que caem. Agora dois atores fazem o papel de pais de Dante.
DANTE:- Eu
não gosto de sopa de legumes... eu não gosto de sopa de legumes!
PAI DE DANTE:- Coma,
desgraçado... (Faz o gesto de enfiar a cabeça do menino no
prato). Tá pensado o quê? Que
podemos jogar comida fora? Todo mundo se mata de trabalhar pra esse vagabundo
dizer que não gosta de sopa de legumes! Pois, sim...
MÃE DE DANTE:- Olha que bonitas
essas flores, meu filho... eu mesma que plantei... você não gosta?
DANTE:- Eu
não quero ser engraxate, pai... Eu quero estudar!
PAI DE DANTE:- Nenhum de seus
irmãos estudou... tem que trabalhar... tem que trabalhar...
MÃE DE DANTE:- Acho que vou fazer
um assado para o jantar... seus irmãos adoram carne assada... você também, não
é, Dan... você também...
DANTE:-
Pai, tá aqui
o convite para minha formatura... Você vai, não vai?...
PAI DE DANTE:- Formatura? Que
bosta é esta? É só um pedaço de papel que você vai receber! Não vale de nada. Cadê o dinheiro da
casa? Vamos, cadê o dinheiro? Só sabe transar com essas
riquinhas que vêm aqui... e mais nada... Vagabundo!
MÃE DE DANTE:- Tão bonita aquela
sua amiguinha... como ela se chama, mesmo? Beatriz? Chama ela para almoçar com a
gente um domingo desses... chama...
DANTE:- Só
você me segura, minha mãe... Se não, já teria feito uma besteira...
Olha com ódio para o pai e sai.
O grupo se desfaz. Tempo. Casa de Beatriz. Ela ouve música – a “Canção de
Beatriz” – com ar alheado, como se estivesse longe, sonhando. Seu pai entra de
repente, desliga o som e, com a bíblia nas mãos, lê de forma alucinada os
versículos 18 a 21 do capítulo 21 de Deuteronômios, ante o olhar cada vez mais
espantado da garota.
PAI:- “Quando alguém
tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de
sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvido, então seu pai e sua mãe
pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; e
dirão aos anciãos da cidade: este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá
ouvidos à nossa voz: é um comilão e beberrão. Então todos os homens da sua
cidade o apedrejarão com pedras, até que morra. E tirarás o mal do meio de ti,
para que todo o Israel o ouça e tema”.
BIA:- Que
é isso, meu pai... que é isso?... Ficou louco?
PAI:- Louco!? Eu sou
louco!? E você, filha de Satã? O que anda fazendo por aí, hem?
Tira o cinto e ameaça
bater-lhe. Enquanto ela foge, entra a mãe.
MÃE:- Por Deus, não, meu
marido! Tenha piedade! Tenha piedade!
PAI:- Piedade? Eu lhe
ensinei a vida toda a palavra de Deus e o que recebo de volta? Isso!
Atira um pedaço de papel no
rosto da Mãe.
MÃE:- O que é isso? (Pega
o papel, lê aterrada e começa a chorar). Eu não estou entendendo direito... Isso é...
PAI:- Entendeu! Você
entendeu direitinho... Essa miserável está fazendo coisa muito feia por aí...
Que dinheiro é esse que o seu amiguinho está querendo, hem? Me diz, filha de
Satã! No que o Diabo fez você se meter! Vamos, me diz!
Beatriz consegue pegar o papel
e lê o que está escrito. Procura disfarçar o medo.
BIA:-
Calma, pai... Calma... Eu explico... Não é nada disso... Não fiz nada demais...
É só... é só uma... uma dívida à toa...
PAI:- Uma dívida à toa?
Você tem coragem de dizer que isso é uma dívida à toa? Quase o preço de uma...
uma... uma geladeira!
MÃE:- Deixa a menina
falar, meu marido... deixa a menina falar...
PAI:- Cala a boca,
mulher... “Bem-aventurado é o homem a quem tu repreendes, ó Senhor, e a quem
ensinas a tua lei”. (Salmos, 94:12). Fala, maldita...
Convença-me de que não está metida com algo muito feio!
BIA:- Eu
vou explicar... pai, mas por favor, tenha calma... Olha o seu coração... não
precisa ficar assim, paizinho... Eu vou explicar... Sabe ... o Dante?...
PAI:- Aquele vagabundo!
BIA:- Ele
não é vagabundo, pai... Só porque é... é mais pobre que a gente...
PAI:- Pobreza não é
crime, mas não gosto dele... não tenho boas referências...
BIA:-
Referências, meu pai? Referências? E desde quando a gente pede referências a um
amigo? Escuta: ele é boa gente... um pouco perdido, eu sei... mas bem
intencionado... Ele comprou uma guitarra, contando que podia pagar a
prestação...
PAI:- A velha lengalenga... dar um
passo maior que perna...
BIA:- Só que ele não contava perder o emprego...
Mandaram ele embora da firma... Corte de despesas, sei lá... Você sabe como
é... Não, você não sabe... Deus não costuma mandar embora os seus pastores, não
é mesmo?
PAI:- Não blasfeme, filha de
satanás...
BIA:- Ele é músico, pai... a guitarra podia lhe
dar a oportunidade de um bico... tocar em festas... ele
apenas me pediu uma ajuda...
MÃE:- Tá
vendo, senhor meu marido... tudo tem explicação... é só ter confiança em nossa
filha...
PAI:- Não estou totalmente
convencido dessa história... Dessa vez passa, só dessa vez...
BIA:- Então o paizinho vai me arranjar o dinheiro,
vai?
Bia abraça e beija o pai, que se desvencilha e cita
Salmos, 94:22.
PAI:- “O Senhor foi o meu alto
retiro; e meu Deus a rocha em que me refugiei”. Não!
Videogame. Todos cantam e dançam “A canção do videogame
2”:
eu jogo, é vida
eu jogo a vida
vidas, vidas, vidas
algumas vidas tenho ainda
tenho ainda pra jogar
eu jogo, eu jogo
compulsão do fogo
matar, morrer
que importa a vida?
eu sonho, eu sonho
eu brigo, eu chuto
eu fujo, eu sujo,
eu perco rios,
eu perco vidas,
sou quase herói
sou só o que minto
sou só o que sinto
no labirinto
Tempo. Bia sozinha, pensativa por alguns instantes. Pega
o telefone e liga para Dante. Não consegue completar a ligação, pois o telefone
só dá sinal de ocupado.
BIA:- Aquele
desgraçado... não atende ao telefone...
Pega uma bolsa e sai.
Encontra-se com Dante.
BIA:- Seu
maldito, por que não ligou... em vez de mandar aquele bilhete escroto...
DANTE:- O
que aconteceu, Bia, você está...
BIA:-
Puta! Estou puta da vida... Meu pai pegou o seu bilhete...
DANTE:-
Cortaram nosso telefone... e eu precisava falar com você... Só você pode me
ajudar...
BIA:-
Podia, podia! Mas agora, miou, cara, miou... Meu pai não vai
me dar nunca aquela grana...
DANTE:- Os
caras vão me matar, Bia... Estou fodido... Só resta você...
BIA:- Uma
roubada,
cara... uma roubada... A gente devia ter parado...
DANTE:-
Cadê o Lucas e a Paty? Eles podiam dar uma mão, cara...
BIA:- Esquece. A Paty tem uma
família careta pra caralho... e o Lucas, bem... não sei, só falando com ele...
DANTE:- Mas os dois chegaram juntos em todas as
viagens... com tudo quanto é tipo de merda que a gente cheirou, fumou, picou,
tomou... Eu vou na captura dos dois. Eu quero os dois aqui, com a gente... que porra!
Casa da Patrícia. Ela está sentada no chão, sobre uma
almofada, com as pernas cruzadas e as mãos sobre os joelhos, em posição de
ioga. Um incenso queima à sua frente. Tem o olhar e a fisionomia alheados.
Balança o corpo de um lado para outro, entoando um mantra.
PATY:- Um bicho... eu sou um bicho... quero entrar
na terra... eu sou um bicho... uma minhoca... (Ri).
Canta “A canção da loucura”:
eu sou um bicho
quero entrar na terra
me sinto um lixo
a minhoca que erra
ah! ah! ah! um bicho eu sou
vejo duendes no ar
sai, sai, sai pra lá,
seu duende mau, sai,
o sonho é meu, vai,
pro sonho do Lucas, vai,
ai, Luquinhas, seu bilau,
seu bobo, você é mau,
ai mãe, me ajude, pai,
seu duende mau, sai,
não quero mais, meu pai,
eu quero morrer, mãezinha,
um pico, um pico, um sonho
para não voltar mais
eu quero ir pra terra do jamais
eu quero morrer, meu pai,
eu juro que vou, meu pai,
eu juro que não vou mais
ai, seu duende mau,
me mostra o bilau,
Lucas, você não é mais
você não sonha mais
eu vou pra terra do jamais
PATY:- Mais um pico,
mãezinha, só mais um... a última... a última viagem... Eu vou sair dessa,
mãezinha, eu juro... eu não faço mais...
Entra um médico, acompanhado dos pais de Patrícia. O
médico aplica-lhe uma injeção.
PAI DE PATRÍCIA:- Ela...
ela tem cura, Doutor?
MÉDICO:- Ela é jovem e o problema foi
detectado no começo... e vocês souberam agir com rigor e carinho. Um bom
programa de desintoxicação poderá salvá-la. Mas o apoio de vocês será
fundamental. Nunca a deixem sem o apoio de vocês. Vai ser uma dura viagem de
volta, mas ela voltará...
Saem todos, com o médico amparando Patrícia, que diz
palavras ininteligíveis. Tempo. Bia e Dante vagam à procura de Lucas. Estão
cansados e desorientados.
BIA:- Vem... mais um clube... eu sei que ele gosta
de freqüentar esse clube... Vamos lá...
DANTE:- Já fomos em tudo quanto é festa de mauricinho... Eu não agüento mais... Me deixa...
BIA:- Não... precisamos achar o Lucas... Ele... só
ele pode nos salvar... Ouça, a música que ele gosta... é ele, só pode ser
ele... Vamos.
Chegam a uma festa rave. Luzes, som etc. Encontram Lucas,
dançando como um louco. Bia e Dante esquecem o cansaço, ao aceitar o fumo de
Lucas e entram na dança com ele. Após algum tempo, saem os três.
LUCAS:- Mais uma viagem? Vamos?
BIA:- Você está louco? Nem pensar...
DANTE:- Estamos sem grana, cara... e tem uns caras
aí que...
LUCAS:- Vocês são uns frouxos...
DANTE:- Já te falei, cara... tão na nossa cola... querem apagar a gente... não dá mais...
LUCAS:- Eu pago... eu pago...
DANTE:- Você tem dinheiro, seu puto? Você tem dinheiro?
LUCAS:- Tinha... tinha... uma boa grana... olha
aqui...
Tira os papelotes de droga do bolso e mostra para os
amigos.
DANTE:- O filho-da-puta... ele tinha grana...
BIA:- E comprou mais droga...
LUCAS:- É isso aí, meu irmão... uma viagem... uma
grande viagem... patrocinada pelo Luquinhas aqui... Vamos nessa...
BIA:- Mas, Lucas, os caras para quem nós
devemos... O que vamos fazer?
LUCAS:- Esquece... esquece eles... vamos nos
divertir... Olha: um amigo meu tem um chalé na praia... um lugar descolado pra caramba... Vamos pra lá... é um sitting legal... tenho aqui cinco hits pra cada um... é pra botar pra foder, camaradas... Vamos nessa!
DANTE:- Não, cara... chega! A gente não pode dar
bobeira... os caras que estão atrás de nós são barra pesada... eles não
aliviam... Temos que arrumar grana... de qualquer jeito...
LUCAS:- Porra, cara... virou maricas... Eu
já disse que grana não é problema: quando a gente voltar, a gente arruma...
BIA:- Arruma como, cara? Tá maluco? O Dante perdeu
o emprego... meu pai trancou o cofre... e que eu saiba você não é nenhum
riquinho que anda queimando verdinha por aí...
LUCAS:- Aí é que o bicho pega... Achei uma mina...
BIA:- Mulher, Lucas! Você
está explorando mulher?!
LUCAS:- Sai fora, Bia, que mulher que
nada... Eu falei mina, mas mina de ouro... grana fácil... tá ligada? Grana!
DANTE:- Você tá é pirado...
LUCAS:- Vocês são a minha tribo... meus irmãos...
acham que eu ia entubar vocês, acham? Pois eu juro...
juro pela minha mãezinha que tá tudo sobre controle...
BIA:- Sob controle... sob...
LUCAS:- É... isso aí... numa boa, irmãzinha...
sobre... sob... é tudo a mesma merda e pra você não encher o meu saco... sobre
um monte de grana... É só eu querer.
BIA:- Então me diz: onde está essa porra de mina que você falou... que nós vamos lá
pegar a grana e pagar os caras...
LUCAS:- Calminha, calminha... Primeiro, a fé e
depois o trampo... Vamos dar um rolê
nessa praia... a gente fica lá uns dois dias... espera a barra aliviar por aqui
e depois a gente volta, passa a mão na grana, paga os caras e...
DANTE:- Liberdade! Estaremos livres... você jura?
BIA:- Eu não sei, não...
DANTE:- O que a gente tem a perder? Estamos fodidos mesmo...
BIA:- Tá bem, mas é a última, hem?
Tempo. Quarto de Bia. Ela acorda e se olha ao espelho.
BIA:- Quem merda... olheiras! E uma
espinha... quando vão acabar? Como eu queria que essas espinhas acabassem...
meu tempo acabasse... o mundo acabasse... Estou uma bosta...
Canta “A canção do espelho”:
uma moça não deve nunca
olhar-se ao espelho de manhã
uma moça não pode nunca
murchar como uma maçã
sentir-se feia na mocidade
espinhas no rosto, nariz torto,
boca grande, nunca é tarde,
nunca é cedo para um porto
onde está minha juventude
onde estão os meus sonhos
já fiz tudo o que pude
sinto-me feia, no espelho,
de manhã, de manhã,
um bicho, um escaravelho,
cara murcha de maçã
onde estão os meus sonhos
onde está minha manhã
BIA:- Eu estou perdida... perdida...
o que eu faço, meu Deus? O que eu faço?
Começa a arrumar uma mochila. Entra o pai. Como sempre,
tem uma bíblia nas mãos.
PAI:- O que você está fazendo?
BIA:- Não vê? Arrumando minha mochila.
PAI:- Cada dia pior, meu
Deus! Até onde vai essa menina, meu Pai?
BIA:- Não
enche, pai... Vou dar um tempo...
PAI:- Dar um tempo...
dar um tempo... Vê lá aonde você vai... e o que vai fazer...
BIA:-
Desculpe... desculpe, meu pai... Ando um pouco... estressada... estudando
muito... o vestibular está aí, e eu não sei mais o que quero...
PAI:- Não tenho visto
você com livros... A melhor aluna da classe... você sempre foi a melhor, Bia...
e agora... o que está acontecendo, minha filha? Você sabe que pode sempre
contar com seu pai... já esqueci a teologia... você pode fazer medicina... se é
a vontade de Deus... e a sua... Mas você precisa estudar, filha... estudar
muito...
BIA:- Mas
eu tenho estudado, sim... Você não vê porque não larga essa... porque não pára
em casa... ocupado com seus fiéis...
PAI:- Você tem razão,
filha... Os caminhos de Deus têm tomado muito de meu tempo... mas agora estou
aqui... Podemos conversar, resolver
todos os problemas, voltar a ser amigos...
BIA:-
Amigos, pai? Amigos? Eu preciso de um pai, não de um amigo...
PAI:- Mais uma vez você
tem razão... tenho sido ausente, mas ainda há tempo...
BIA:-
Você me dá a grana de que eu preciso?
PAI:- Já empenhei minha
palavra com o Senhor... nada de dinheiro...
BIA:-
Então o que estamos fazendo aqui? Brincando de pai e filha? Não. Não há mais
tempo, meu pai... Sem grana, não há mais tempo.
PAI:- Você só pensa em
bens materiais... vamos à igreja, como nos velhos tempos... você se abre com
Jesus. Você sabe que Ele é o caminho... a vida toda eu lhe ensinei que Cristo é
o caminho, a verdade e a vida...
BIA:- Vida. Que vida,
meu pai? Você algum dia perguntou se era essa a vida que eu queria? Perguntou?
Eu sei que você procurou me dar tudo o que você achava que eu precisava... E aí
está o problema... você nunca me deu opção... Sempre o seu jeito... sempre o
seu caminho... sempre a sua palavra... sempre... sempre... Olha, eu queria
fazer medicina, meu pai... ajudar os outros... não está fora do que você queria
que eu seguisse... na sua igreja... mas do meu modo... Médica, meu pai... Uma
medicina social, voltada pra quem realmente precisa... Mas não sei mais...
estou confusa... Não sei mais... Agora é tarde... Acho que a vida me levou para
outro lado... Tchau! Bye...bye...
Hasta la vista...
Bia sai. O pai fica um instante
em silêncio, cabisbaixo. Abre a Bíblia e lê o versículo 13 do capítulo 21 do
Livro do Apocalipse.
PAI:- “E deu o mar os
mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e
foram julgados cada um segundo as suas obras.”
Entra a mãe.
MÃE:- Cadê a Beatriz?
PAI:- Não... não sei...
saiu...
MÃE:- Vocês andaram
discutindo de novo...
PAI:- É preciso orar...
orar muito... para que essa menina retome os caminhos do Senhor...
MÃE:- Orações apenas não
bastam, meu marido...
PAI:- Duvida da palavra
do Senhor, mulher?
MÃE:- Não, meu marido,
você sabe que não... Mas nossa filha anda estranha... alheia... agressiva...
Não é a mesma menina... Tem algo de muito estranho acontecendo com ela... Nós
precisamos...
PAI:- Nós precisamos
orar... orar muito... Satanás está rondando nosso lar...
MÃE:- Escuta, meu
marido, Satanás pode estar escondido sob a pele de coisas muito ruins... Eu sou
mãe, eu sinto que estamos perdendo nossa filha... Só orações não bastam, é
preciso que a levemos a um médico, a um psiquiatra... sei lá...
PAI:- Nossa filha não é
louca... não está louca... Só Cristo salva, ouviu? Só Cristo salva!
Som de mar, música suave etc.
Beatriz, Dante e Lucas estão sentados sob uma barraca de praia. Fumam e passam
a bagana de um para o outro.
DANTE:- É melhor você se acalmar, Bia...
senão a viagem não vai ser legal...
BIA:- Não consigo relaxar... depois do que
aconteceu com a Paty...
LUCAS:- Esquece essa mina, cara... ela já era...
muito careta... gente careta não agüenta o repuxo...
BIA:- Por que você não cala essa sua boca e me
deixa em paz, hem Lucas?
DANTE:- Calma, pessoal... é preciso relaxar...
BIA:- Esse cara só abre a boca pra falar
asneira... Que coisa! Eu já falei que faço o que quero e vou parar quando
quiser!
LUCAS:- Irritadinha, a menina, não? Arma barraco lá na casa dela e vem descontar em mim... Tá
bom, o Luquinhas aqui agüenta o repuxo... Vamos, tripudia,
cara, tripudia...
DANTE:- Se vocês não pararem com briguinha idiota,
não vai dar... Tô fora...
Bia e Lucas se olham com raiva, procuram acomodar-se
melhor e voltam a se concentrar. Passam-se alguns instantes.
DANTE:- Agora que tudo se acalmou... estão todos relax, vamos nessa... Mas lembrem: um só hit de cada vez e só tomem...
BIA:- ... o segundo e o terceiro... e o quarto e o
quinto... se estiverem numa boa, sem fissura... Que saco, cara... já ouvimos
essa sua lição uma porrada de vezes... Pára com isso...
DANTE:- Está bem... Cadê os hits, Lucas.
Lucas entrega a Dante o papelote com a droga. Dante
recorta um para cada um dos três.
BIA:- Eu quero a minha parte toda... de uma vez...
Dante titubeia um instante e entrega a ela toda a sua
parte. Bia olha-o desafiadoramente. Num impulso, joga tudo dentro da boca e
engole, sem que Dante ou Lucas tenham tempo para qualquer reação.
DANTE:- Não! Sua louca! Você sabe que não pode fazer
isso... Quer morrer?
BIA:- Desencana, Dante... Você sabe que eu já
tomei mais do que isso... Desencana... Agora é tarde... Me deixa fazer essa
viagem pra valer... Afinal, sempre pode ser a última... E você sabe que...
DANTE E LUCAS:- ... que eu paro quando quiser!
Lucas toma a sua
dose e fica alheio. Dante apenas finge que toma também e fica de olho em
Beatriz. Tempo. Lucas está num canto, curtindo sua viagem. Dante cuida de
Beatriz que, deitada com a cabeça em suas pernas, tem tremores e alucinações.
Somente um foco de luz sobre o casal. Figuras horríveis, com máscaras de seres
estranhos multiplicadas em várias cabeças começam a girar em torno deles, numa
dança alucinada, cantando e dançando “A canção da bad trip”:
foge, Bia, foge, Lucas
foge, Dante, foge, Bia,
a luz, a luz, o fogo, o fogo,
a noite, a noite, o dia,
a morte, o vento, o jogo,
carranca, carranca, o frio
foge, Lucas, foge, Dante,
não vai pra diante,
foge, Lucas, foge, Bia,
o vento, o vento, o rio,
foge, foge, foge,
a morte, o rio, o mar,
foge, foge, Bia,
a noite, o vento, o ar,
louca a vida, louca a vida,
foge, Bia, foge,
vida, vida, vida sofrida
BIA:- O inferno... meu pai... o inferno, Dante...
estou no inferno... eu quero morrer, meu pai... eu quero o paraíso, meu pai...
Tempo. Lucas, em atitude de
espera, consulta várias vezes o relógio, olha para um canto, para outro,
caminha de um lado para outro, impaciente.
LUCAS:-
Aqueles putos...
aposto que estão cagando nas calças... covardes... medrosos...
Dante e Bia chegam apressados,
cansados.
LUCAS:-
Atrasados, seus bostas... Andem... Trouxeram tudo?
DANTE:-
Acho... acho... que... que... sim...
Mostram um revólver e umas
máscaras.
LUCAS:-
Prestem bem atenção... não pode ter furo... a casa é aquela ali. O guarda tá
amaciado...
a gente vai dividir com ele...
BIA:- Então, pra que a arma?
LUCAS:- Tá com medo? Ainda tem tempo de
cair fora...
BIA:- Vou ter medo de quê? Me diga! Se eu já
estive no inferno, vou ter medo de uma droga dessa...
LUCAS:- Tá bem... então presta
atenção...
Os três se abraçam numa roda, por alguns instantes.
Depois colocam as máscaras sobre os rostos, batem as mãos uns nos outros, fazem
sinal de positivo e, no cenário de videogame,
cantam e dançam“A canção do videogame 3”:
é jogo, é fogo
que me consome,
não há dor
não há fome
só o que sinto
um grande dó
um grande dó
de mim!
no jogo, o fogo
que me destrói
vem de mim
vem de mim
viver não basta,
morrer talvez,
tecendo a teia
rompendo a veia
jogando tudo
pra dentro
pra dentro
de mim
de mim
o fogo, o jogo
arrasta a vida
enfim
tão logo o jogo
tão logo o jogo
chegue ao fim
Saem correndo. Black-out. Tiros, gritos, sirene de
polícia, grande confusão. Quando tudo cessa, Dante e Bia se reencontram,
esbaforidos. Tiram as máscaras e se abraçam.
DANTE:- Que merda, Bia... como fomos entrar numa fria dessa...
BIA:- Estamos fodidos, cara... com o Lucas preso...
DANTE:- E ele vai dedurar a gente...
BIA:- Espero que não, cara... o Lucas pode ter um
monte de defeito, mas ele não é mau caráter...
DANTE:- Debaixo de pau, não tem caráter que agüente,
Bia....
BIA:- O pai dele não é pouca merda, não... eles
tiram ele da cadeia...
DANTE:- E nós? O que vamos fazer? Se a polícia não
nos pegar, os caras nos pegam... Estamos sem um puto no
bolso, Bia... O que vamos fazer? Me diz: o que será da gente?
BIA:- Só vejo uma saída... Escuta: eu conheci um
cara... na época eu tive vontade de cuspir nele... Ele me fez uma proposta...
DANTE:- Proposta? Que proposta?
BIA:- Ser garota de programa.
DANTE:- Puta que pariu, Bia! Você está louca?
BIA:- Por quê? Eu não sou bonita? Não tenho um bom
corpo? Qual o problema? Faço uns michês, ganho algum e caio fora.
DANTE:- Michê, Bia? Michê? Você já
está falando em michê?
BIA:- Agora quem está falando igual a mim é
você... Claro, michê, seu bobo, é um programa...
DANTE:- Eu não acredito! Eu não acredito! Você está
falando que nem puta...
BIA:- É que eu não te contei... Olha: já tenho até
uma parte da grana... Toma!
DANTE:- E você ganhou isso...
BIA:- Em duas noitadas, Dante... três caras... A
gente pode ganhar muito mais...
DANTE:- A gente? O que você quer dizer com isso?
BIA:- É uma agência, cara... tudo profissional...
os caras... eles me disseram que trabalham também com rapazes...
DANTE:- Pô, Bia! Você está me achando com cara de
veado?
BIA:- Claro que não... não é isso, seu bobo...
Você pode sair com algumas madames... que são louquinhas para pegar um cara
assim como você... novinho... gostoso...
DANTE:- E eu vou ter que trepar com coroa
muxibenta... cheia de celulite... gorda...
BIA:- Não seja idiota, Dante... E só fechar os
olhos e mandar brasa... Finja... finja que está comigo... são só alguns
momentos... e vale a pena!
DANTE:- Você está fazendo isso para pagar a grana
que a gente deve ou...
BIA:- Já paguei... já paguei... tudo... Fica na
sua...
DANTE:- Então você... você está fazendo isso pra
quê?
BIA:- Ora, Dante... não seja bobo... E nossas
viagens, meu querido?...
DANTE:- Mas você dizia que parava quando quisesse...
BIA:- E paro mesmo... só que eu ainda não quero
parar... entendeu? Eu ainda não quero parar!
DANTE:- Eu tô
fora... e você, também... Pára com isso... Não quero você se metendo com esse
tipo de gente...
BIA:- Está bem, eu não me meto com esse tipo de
gente... mas... sem a grana para as viagens você sabe muito bem que tipo de
gente vai meter duas azeitonas na nossa cabeça, não
sabe?!... É preciso grana, Dante! Grana!
Dante vai-se afastando desolado, enquanto Beatriz repete
a palavra “grana” desafiadoramente. Tempo. Casa de Beatriz. Seu pai lê a bíblia
à luz de um abajur. Toca o telefone. Ele atende.
PAI:- Alô... Sim, ele mesmo... Sim, minha filha se
chama Beatriz... Não, ela não está... Quem está falando, por favor?... Como?
Delegado?... Polícia?...
Longa pausa, entra a mãe e começa a prestar atenção na
conversa.
PAI:- O senhor tem certeza? Mas
minha filha não é... isso o que o senhor disse... Deve haver algum engano... (Pausa). Sim... é isso, mesmo... Mas... tem que ser
engano... não pode ser...... Não é possível... Está... está bem... qual é o
endereço?
Anota e desliga o telefone.
MÃE:- O que houve?... Pela sua
cara...
PAI:- Nossa filha... Beatriz...
ela...
MÃE:- Pelo amor de Deus, homem...
fala logo... o que houve com Beatriz? Quem era ao telefone?
PAI:- A polícia...
MÃE:- Polícia?! Fala logo... o que
houve? Me dá esse endereço...
PAI:- Ela... acho que... ela foi
presa... está presa... como...
MÃE:- Fala logo, homem...
PAI:- ... na rua... como...
prostituta... Não pode ser, deve haver algum engano...
MÃE:- Você não está dizendo coisa
com coisa, homem... Que negócio é esse de... de prostituta?...
PAI:- Não sei! Não sei! Deus meu, o
que fazer, meu Deus?
MÃE:- Temos que ir lá... vamos, me
dê esse endereço... Vamos atrás de nossa filha...
PAI:- Como? Atrás de nossa filha...
na rua? Na polícia?... Eu nunca estive na polícia... Que vergonha, meu Deus...
MÃE:- Não importa... Temos de ir...
e nós vamos!
Saem. Na rua, Beatriz vestida com roupas extravagantes,
procura clientes. Aproxima-se um sujeito mal encarado e aborda-a.
HOMEM:- O que a mocinha pensa que tá fazendo aqui?
BIA:- Não enche, cara... Cai fora...
HOMEM:- Trabalhas pra quem, podes me
dizer?
BIA:- Já disse, cara... Se tá a fim, tudo bem... Se não, cai fora... Me
deixa...
HOMEM:- Acho que a mocinha não está
entendendo... Eu perguntei pra quem que mocinha trabalha... e não estou pra
brincadeira...
BIA:- Vai à merda...
HOMEM:- Olha aqui, garota... Esse
ponto é meu e aqui só trabalha quem eu deixo, entendeu... Vai caindo fora...
Chega Dante e, diante da situação, empurra o homem, que
tentava agredir Beatriz, e derruba-o.
DANTE:- Cai fora, você... seu... seu ... filho da
puta!
BIA:- Não, Dante... não... vai embora...
DANTE:- O que esse desgraçado queria, hem?
Parte pra cima do homem e chuta-o. Beatriz tenta
afastá-lo. O homem se encolhe com o pontapé, tira uma arma e atira duas vezes
em Dante, que cai ensangüentado. O homem foge, Beatriz senta-se, coloca a cabeça
de Dante sobre suas pernas e tenta reanimá-lo.
BIA:- Dante... por quê? Por quê? Não morra,
Dante... você não merece isso...
DANTE:- Bia... estou com sede... me dá água, Bia...
estou com sede... acho que a viagem não vai ser muito legal...
BIA:- Você não pode morrer, Dante... você não
pode... Que inferno, Dante... não morra!
DANTE:- Eu... eu preciso te falar uma coisa...
BIA:- Não fale... você está fraco...
DANTE:- Pode... ser... que... eu... nunca mais...
Bia, escuta:... eu te amo... Bia... eu sempre te amei... eu posso não... ser...
o cara... mais certo... mais certo pra você... mas eu te amo...
Cantam “A canção do fim”:
Bia:
se partir, eu morrerei
se você morrer, eu sofrerei
Dante:
eu te amo, tenho sede,
eu tenho sede e te chamo
Beatriz, Beatriz, adeus
Bia:
fecho os olhos meus
pois não quero ver
você chorar, você sofrer
Dante:
diz, me diz,
minha Beatriz,
você me ama,
você gosta de mim?
Bia:
sempre, sempre, Dante,
antes, muito antes do fim,
eu não perdôo o que me fiz
eu te amo, Dante, eu te amo
Dante:
se me for, irei feliz,
se você... se você jurar
não mais fazer o que fez
Bia:
minha cabeça explode
com a droga que me fode
não farei outra vez
BIA:- Dante, Dante... por favor, não morra...
eu... também... te gosto... eu... eu te amo, seu bobo... eu também te amo...
DANTE:- Você... você é...
forte, Bia... eu sou fraco... me ajude... não deixe que... que... a droga...
que ela coma... que ela coma sua cabeça, Bia... você é forte...
BIA:- Eu nunca fui forte,
Dante... eu nunca fui suficientemente forte, Dante... eu preciso de você,
agora... Dante, não morra, por favor, não me deixe com ela... ela vai comer meu
cérebro, se você morrer... ela vai comer meu cérebro... ela vai comer meu
cérebro...
Beija-o, chorando desesperadamente. Entram os pais de
Beatriz, esbaforidos, abraçam-se a ambos, enquanto Dante morre. Entra “A canção
de Beatriz”.
FIM
Isaias Edson Sidney
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2001
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