(Pieter Brueghel - 1525 ? , Breda, Holanda – 1569, Bruxelas: Parábola dos cegos)
OS CEGOS -1 ATO DE MICHEL DE GHELDERODE
uma
releitura de
ISAIAS EDSON
SIDNEY
São Paulo, 2001
A obra original,
Les Aveugles - moralidade de Michel Ghelderode, inspirada pelo quadro de
Brueghel o Velho, constitui uma reflexão sobre a cegueira da alma humana: três
cegos vão em peregrinação a Roma.
Exaustos pela longa marcha, imaginam-se já perto da cidade santa, onde
esperam recuperar milagrosamente a
visão. Lamprido - um indivíduo só com um olho - que vive no cimo de uma árvore,
diz-lhes que eles continuam em Brabant, onde há semanas os vê passar e repassar
e que os sinos tocando são os de Bruxelas. Oferece-se para guiá-los, mas os
cegos recusam acreditar nele e retomam o caminho, acabando por morrer, vítimas
da sua própria cegueira.
« J'ai un ange sur l'épaule et un diable dans la poche. »
Michel de
Ghelderode
NOTA: Esta peça é mais um exemplo de exercício de
dramaturgia. Para que alguém a leve ao palco profissionalmente, creio ser
necessário entrar em contato com os administradores do espólio de Michel de
Ghelderode (1898-1962), na Bélgica, ou aguardar o ano de 2037, quando as obras
do autor cairão em domínio público.
PERSONAGENS:
XANA
CRONO
ZENO
NANDRIQUE, o “vesgo”, presidente do país
dos brejos.
Local:
Uma estrada, perto de uma
cidade, onde há uma placa indicando a direção a seguir (“Grande Cidade”).
Ouve-se um canto. Três
cegos aproximam-se, pela estrada. É bastante animado o canto, se bem que
entoado por dois homens famintos, trôpegos e maltrapilhos, acompanhados de uma
mulher nas mesmas condições. Ela não canta, pois considera ofensiva a música
entoada pelos outros dois. Eles seguem tateando com bastão e segurando-se um ao
outro pela ponta do casaco. Eis seu canto de marcha: “Ti...
ti..tiri...ti...ti.. /Tirei, olhei, usei, chacoalhei, guardei no mesmo
lugar.../ Tornei tirar, olhar, usar, chacoalhar, guardar no mesmo lugar...”.
CRONO (cantando as
últimas palavras):- “...
chacoalhar, guardar no mesmo lugar...” (Falando). E agora? Por mim eu
paro! Se essa porra de musiquinha não atrai ninguém...
XANA:- Essa porra de
musiquinha é muito machista... Que bosta!... Não vai atrair ninguém!... Se eu
mostrasse meus peitos...
ZENO:- Ah! Ah! Ah! Se ocê
mostrá essas muxiba, aí é que tu vai espantá quarquer
vivente... Ah! Ah! Ah!
CRONO:- (Tentando dar
uma bordoada em Zeno e acertando Xana, que solta uma enxurrada de palavrões):-
Cala a boca, desinfeliz, você só sabe dizer asneira, nesse seu linguajar porco
de ignorante... E você, sua chorona fedida, fecha essa latrina... só fala
merda!
Os dois se calam, fazendo
gestos feios para Crono e depois amuando-se.
CRONO:- Agora que paz se
restabeleceu... como eu ia dizendo, é preciso parar... quando eu paro, todos
devem parar... quando eu ando, todos devem andar... Entenderam?
Os dois fazem gestos que
sim.
CRONO:- Entenderam?
Os dois fazem novos gestos
que sim.
CRONO:- Eu não vi nem ouvi
nenhuma concordância. Vou perguntar de novo... se não ouvir, vou moer o lombo
dos dois de pancada! Entenderam?
ZENO E XANA:- Sim... sim... nós
entendemos! (À parte). Que porra! Que merda! Sujeito maldito!
Desgraçado! Ainda te pego, fedaputa...
CRONO:- Por acaso, ouvi
protestos? Ouvi?
ZENO E XANA:- Não... não...
Trombam com a placa de
sinalização e tateiam buscando ler o que está escrito.
CRONO:- É o primeiro sinal
de que estamos no caminho certo...
ZENO:- Tá...
tá... caminho certo... mas o que está iscrito na praca?
XANA:- Você não enxerga,
Zeno? O Crono já não disse que estamos no caminho certo?
ZENO:- O caminho certo é
o caminho da praca ou o caminho dos óios do Crono?
XANA:- Não enche! Você vê
pra onde vai a estrada que a placa aponta, Crono?
CRONO:- Não. Não consigo
enxergar o fim dessa estrada. Você está vendo alguma coisa, Xana? E você, Zeno?
Está vendo? Então, proponho que comecemos a gritar e gemer, com todas as nossas
forças. Talvez alguém nos ouça... Vamos!
OS TRÊS:- Socorro! Me
ajudem! Ai! Ui! (Etc., totalmente desafinados).
CRONO:- Aqui del rei!
CRONO:- Aqui del rei??!!!
Que merda é essa, Crono?
XANA:- Que coisa mais
antiga... Credo! Arreda! Sai fora!
CRONO:- Seus ignorantes...
A VOZ (ao longe):-
Seus ignorantes...
CRONO:- Vocês ouviram? (Silêncio,
ouvindo). Que merda, mais nada...
ZENO:- Parecia que tava
ouvino... É a fome e a sede, a sede que atrapaia nossos sintido...
CRONO:- Pois eu ouvi. Sabem
o que é? O eco. Vou experimentar de novo; ou é o diabo que faz troça de nós e
não responderá, ou então é o eco, que não mente e responde. Porque vou
provocá-lo religiosamente.
XANA:- Sim, Crono, cante a missa para ele, você que é
metido a religioso...
CRONO:- Metido, não! Eu
sou profundamente religioso... Já lhes contei que fui criado num mosteiro?...
XANA:- Já... já... um
milhão de vezes... Vai, canta logo a missa para esse eco idiota... Vai...
CRONO (canta) :- Kyyyyy...
OS TRÊS:- Vamos escutar.
A VOZ (ao longe, concluindo o
cantochão):- Kyyyrie eleison...
CRONO:- Está se vendo que
não é coisa do diabo! É o eco, um eco de verdade, na certa o eco de um
convento!
ZENO:- Ah! Se esse mardito
eco quisesse dá uma esmolinha pra nóis... ou pelo menos um
canecão de cerveja, ansim, ó... bem gelada!
XANA:- Essa tua mania de
igreja não vai levar a nada...
CRONO:- Não percam a
esperança! Nosso sofrimento, nossa fome, nossa sede vão acabar, eu sei. Querem
ouvir a boa notícia? É que nisso eu enxergo melhor que vocês.
XANA:- Mentiroso duas
vezes! Você nasceu tão cego como nós.
ZENO:- Mentiroso três
vezes! Você é o mais cego de nós três!
CRONO:- Amigos de minha
dor, fiquem sabendo: já não estamos longe de nosso destino!
ZENO:- Oh! Oh! Oh! Oh!
Caminham, cantando “Ti...
ti..tiri...ti...ti.. /Tirei, olhei, usei, chacoalhei, guardei no mesmo
lugar.../ Tornei tirar, olhar, usar, chacoalhar, guardar no mesmo lugar...”
e voltam ao mesmo ponto
onde está a placa.
CRONO:- Vejam! Outra placa
de direção...
ZENO:- Tem certeza que
num é um poste? Ocê anda ficando cada dia mais...
CRONO:- Não sentiram que o
sol ficou mais quente? Faz sete semanas que andamos. Vejam, ainda agora ouvimos
um eco que canta missa... Lá em cima, na nossa terra, para falar a verdade, não
existe eco: tudo é chato, tudo é plano... Nas montanhas, sim, existem ecos.
Estamos nas montanhas! Lembram aquele pintor holandês que nos pintou?
ZENO:- Ei, Crono,
acorda... isso faz séculos! E foi num outro lugá, distante léguas e
léguas daqui... num outro tempo... Acho, inté, que noutra peça de um
outro autor... Ocê tá ficando véio, muito véio, seu
Crono...
CRONO:- ... ele... ele
esteve na Itália... ele disse que devíamos atravessar as montanhas! Como se
chamava o pintor? Aquele esquisito, que nos deu um florim?
ZENO:- Num falei qu’ocê
tá véio? E gagá? Florim? Que merda é essa?
XANA:- Acho que era um tal
de Brueghel.
DE STROP:- Esse mesmo,
Brueghel! Ele disse que, passando as montanhas, já não estávamos longe de nosso
destino.
ZENO:- Oh! Oh! E ocê
tamém, hem Xana... tá mais véia que sua xana enruguenta...
Oh! Oh!
XANA:- Disse também que a
gente podia andar sem medo nem receio, que de qualquer jeito acabava chegando
na Grande Cidade...
CRONO:- Aleluia! Aleluia!
E quando a gente chegar, ouviu, seu Zeno, está ouvindo? Nós vamos poder ver de
novo... nós vamos ter de volta nossos olhos... porque lá, aonde nós vamos, a
Grande Cidade, é a terra onde tudo é possível...
XANA:- Aleluia! Vamos ver
um montão de maravilha... Ou então não veremos nada! O certo é que a Grande
Cidade é a cidade mais fodidona de todo o mundo... e que lá beberemos até não
poder mais, comeremos à beça, e dormiremos e dançaremos... Sei, de gente que
não mente, que os habitantes da Grande Cidade
são alegres e amigos dos prazeres. E nunca mais voltaremos pr’aquela
terra de fome, de dor... de onde nós viemos. Eu me planto nos degraus de um
teatro qualquer, e acabo meus dias, ao sol.
ZENO:- Dando o rabo
murcho, ocê qué dizê, num é mesmo, Xana?
XANA:- Eu te mato,
desgraçado... Eu te mato...
CRONO:- Eh! Maus cidadãos!
Que isso? Vamos viver como gente de bem... trabalhar... ganhar nosso pão... sem
brigas...
ZENO:- Sabe o que ocê
é, Crono, sabe? Um idiota... que crerdita em tudo... Num vai tê
nunca moleza pra gente como nóis... e trabaiá? Trabaiá,
como, se nóís é uns merda... uns porras... uns ninguém... que nem os caminho
nóis inxerga?...
XANA:- Quem sabe, depois
de a gente aborrecer eles bastante... fazendo uma grande confusão...
cantando... dançando... falando muito palavrão, eles não nos dão algum dinheiro
e nos mandam de volta pra nossa terra?
Caminham e cantam “Ti...
ti..tiri...ti...ti.. /Tirei, olhei, usei, chacoalhei, guardei no mesmo
lugar.../ Tornei tirar, olhar, usar, chacoalhar, guardar no mesmo lugar...”.
Voltam ao mesmo ponto da placa. Desta vez é Zeno quem tateia.
ZENO:-
Eu leio mió que ocê, Crono... aqui tá dizeno que nóis pode ir adiante...
XANA:- Você é um ignorante, Zeno... Nem
sabe ler direito.
ZENO:- Meus óios, não...
mas minhas mão sabe lê quarquer
coisa, ouviu? Sabe lê até os caminho de seus peito murcho...
CRONO:- Silêncio! Abram
depressa os ouvidos!
Ouve-se uma música
distante.
ZENO:- Agora sim! Música!
Música da Grande Cidade! Eu conheço... (Dança, grotescamente, em círculos,
até quase cair).
XANA:- Você está doido! E tão idiota quanto o Crono!
É música que eu conheço... que em nossa terra se toca nas feiras... nos bailes
de roça...
CRONO:- Vou dizer a vocês
a verdade. É musica de boas-vindas... os habitantes da Grande Cidade souberam
que nós estávamos chegando e mandaram tocar essa maravilha em nossa honra...
Vejam só!
OS TRÊS (dançando e
cantando a música):- La-la... la... bing... bong... (Gritando).
Tocai, músicos benditos! Tocai para os que vêm de longe! Aqui estamos! Viva a
Grande Cidade e suas mil possibilidades! Viva!
CRONO:- Como dói ouvir, em
terra estranha, as músicas de nossa velha terra!
XANA:- Até parece o som dos mugidos de bois da roça
onde nasci.
ZENO:- Ou mais mió
ainda, os ronco... ronc... ronc... dos porco da pocilga onde
minha mãe me fez vê o sor pela premera veiz...
XANA (imitando a risada
de Zeno):- Oh! Oh! Oh! Essa é boa... “me
fez vê o sor pela premera veiz...” Oh! Oh! O desgraçado já nasceu assim... ó...
que nem morcego...
ZENO:- Um dia eu inda te
mato... mardita... eu inda te mato...
CRONO:- Escutem! Sonhem
comigo! Vamos… É tal e qual o som da minha cidade, onde eu vi a luz do dia... é
tal e qual o som da infância… da infância de cada um de nós…
Choram os três sem nenhuma
harmonia.
A VOZ (ao longe, rindo às
gargalhadas):- Ah! Ah! Ah! Ah!
XANA:- Escutem! Estão rindo no horizonte! Que cidade
maravilhosa essa! Enquanto choramos, os ecos riem para os anjos. (Riem).
CRONO:- Esse humor é que é
admirável! Contemplem estas altas montanhas de belas florestas! Logo veremos as
cúpulas das igrejas, o alto dos arranha-céus, as luzes, as luzes e o brilho de
suas casas, de seus bancos, de seus teatros e lojas!... É a Grande Cidade, meus
amigos... é a Grande Cidade! ,
ZENO:- Sei, não... sei,
não... tô sintindo um chêro istranho... uma catinga de merda de
porco... Sei, não...
XANA:- Ei... ei... olha lá
o sol... que maravilha... Ele nos diz que já é tempo de caminhar!... Vamos...
Caminhemos e cantemos. Quem vai à frente? Eu! Quero ser a primeira a entrar na
Grande Cidade!
ZENO:- Serei eu! Nisso
vejo mió qu’ocês!
CRONO:- A ordem tem de ser
mantida! Aqui, quem enxerga mais sou eu... por isso eu mando! Ou querem levar
mais bordoadas? Meu cajado é o mais longo e o mais duro...
ZENO:- Tá bom! Tá
bom! Nóis vai... onde ocê nos guiá... Mas que ocê num inxerga
mais que eu, num inxerga mesmo...
Crono dá umas cajadadas a
esmo, que não acertam ninguém.
XANA:- Cala a boca,
estropício... Fica aí resmungando feito um velho cego e depois quem apanha sou
eu... Vamos... Segura a ponta do meu casaco... que a gente não se perca mais em
picuinha... Vamos... A Grande Cidade nos espera...
Caminham e cantam “Ti...
ti..tiri...ti...ti.. /Tirei, olhei, usei, chacoalhei, guardei no mesmo
lugar.../ Tornei tirar, olhar, usar, chacoalhar, guardar no mesmo lugar...”.
Voltam ao mesmo ponto da placa.
A VOZ:- “Um ceguinho
incomoda muita gente... dois ceguinhos incomodam, incomodam muito mais... Três
ceguinhos incomodam, inocomodam, incomodam muita gente...”
XANA:- Ué! O eco mudou de voz!... E de onde ele tá
vindo agora? Num tô entendendo esse eco!
XANA:- Vou ler a placa,
já que vocês dois não deram conta do recado até agora...
Xana tateia a placa.
ZENO:- Fala logo,
muxibenta... fala logo o que ocê viu...
XANA:- Ué, gente, que
placa mais estranha... Aqui não está claro se é pro sul ou pro norte... Parece
que apagaram umas letrinhas...
CRONO:- Será que, em vez
de irmos pra frente, pra Grande Cidade, nós estamos voltando pra nossa terra?
Serão os meus olhos traidores de nosso destino?
ZENO:- Que merda! Bem que
eu disse qu’ocê é cego... além de cego, é burro... E num dianta querê
me batê... só vai acertá mesmo a Xana, que gosta de apanhá...
Oh! Oh! Oh!
XANA:- Se o Crono me
acertar de novo, eu te mato, Zeno... eu te mato! Ai! Para, caralho! Só sabe dar
cacetada! Que merda! Que porra de vida! Nascer cega já foi uma bosta, mas virar
saco de pancada de um cego burro é o cu do mundo... Ai! Ai! Para, Crono! Bate
no Zeno, que é boquirroto, queixo-duro e teimoso como uma mula...
ZENO:- Ocê para
com essa ingresia, que eu vô preguntar pro eco se ele sabe o caminho...
Ei, seu eco... seu eco... O excomungado num responde... Onde ocê tá, seu
eco? Responde, caraio!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Caraio! Aio... aio... aio. É isso o que você tem na boca, seu
Zeno? Ah! Ah! Ah!
ZENO:- Ocê num me
provoque, dianho... Onde ocê tá? Diga logo, pra qu’eu te encare ansim,
ó... com esses óio que a terra há de comê...
A VOZ DE NANDRIQUE:- A terra não
vai comer o que as trevas já comeram, seu morcegão! Veja: eu estou bem aqui, na
sua frente... Eu sou uma voz que tem pernas pra chegar até vocês e braço pra
lhes dar uma surra, se preciso for...
XANA:- É homem! É homem! Bem que eu sentia o
cheiro... É homem!
ZENO:- Tá no cio,
cabra véia?
XANA:- E vai nos dar uma
boa esmola... Estou vendo, ele tá chegando... é um grandão com chapéu
redondo...
ZENO:- Num é não! Ele bem
baixinho e usa um chapéu de aba caída.
CRONO:- Calem a boca, seus
palermas idiotas! Eu é que estou vendo: ele é homem grande que ficou pequeno,
porque é corcunda... nem mais nem menos... e o chapéu dele não passa de um
chapéu de cangaceiro, cheio de medalhas!!!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Aqui estou,
seus bocós.
OS TRÊS (tomando ares
de mendigos e salmodiando em falsete):- Bondoso cidadão, tem piedade
de pobres ceguinhos, grandes pecadores! Piedade de necessitados peregrinos,
peregrinando neste vale de lágrimas! Tem piedade de nós!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Ah! Eu
tenho, sim, tenho muita piedade de pobres ceguinhos, peregrinando seus pecados
por esse vale de lágrimas! Pois, sim! (Ri).
ZENO:- Ocê tá rino
de quê, dianho? Tá rino de quê? Nóis é pobre, sim... nóis é
ceguinho, sim... sem rumo nesse mundão de Deus... (Furioso). Quem é ocê?
Fala, fio do cão! Quem é ocê?
A VOZ DE NANDRIQUE:- Sou
Nandrique, o Sábio, presidente do país dos brejos! Sou um homem tão sábio, que fico na minha, aqui no meu querido
brejão, sentado em minha cadeira presidencial, tomando uísque, curtindo a paz e
a tranqüilidade de meu país... que não tem furacão, não tem terremoto... Fico
na minha, em vez de caminhar como três idiotas para uma Grande Cidade... aonde
vocês jamais chegarão. Estão pedindo esmola? Vou lhes dar um pouco de arroz,
feijão, carne seca e farinha.
ZENO:- Carne seca e
farinha!?? Que bosta! Se fosse ao meno uma cachacinha!...
CRONO:- Nada disso!
Queremos dinheiro!
XANA:- E nada de cheque,
dinheiro vivo! Aqui, na nossa mão! Que eu tenho um anjo em meu ombro...
A VOZ DE NANDRIQUE:- ... e eu um
diabo em meu bolso! Querem tutu? Grana? Arame? Bufunfa?
Dinheiro vivo? Não aceitam cartão de crédito, pois não? Pois dinheiro é o que
não terão! Posso lhes dar conselhos – sou muito bom nisso! Posso lhes dar a
minha ajuda – também sei como ajudar os amigos e os amigos dos amigos! É disso
que vocês precisam, com certeza!
XANA:- Olha aqui, seu...
seu Nandrique... A gente é tudo cego, isso é fato, mas os três juntos
enxergamos muito bem, ouviu? Não precisamos nem de ajuda nem de conselhos!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Orgulhosos!
Sabem em que lugar estão?
XANA:- Mas é claro que
sabemos! Estamos nas altas montanhas, na periferia da Grande Cidade!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Pois, sim!
Então escutem!
ZENO:- Sim, sim... Nóis
é cego, mas nóis escuta muito bem... É as musiquinha da
Grande Cidade... onde todos vivem felizes... cantano e dançano...
A VOZ DE NANDRIQUE:- Imbecis!
Vocês estão no país dos brejos. Vocês têm de acreditar em mim. Está certo, eu
sou meio vesgo! É... é... o que dizem...
Mas, mesmo sendo vesgo, vendo tudo meio esquisito, eu ainda tenho a vantagem de tudo ver... e isso é o
que basta. Há muitos cegos no país dos brejos, onde sou o líder, o presidente!
Eu, o vesgo que tudo vê!
OS TRÊS:- Hii! Hii! Um
aleijado! Há! Há! E diz vê tudo! Hi! Hi!
Idiota! E acha que não estamos perto da Grande Cidade!
ZENO:- Vai embora, seu
vesguinho besta! Nóis num qué nada de gente de sua laia! Ocê é um paiaço
mentiroso... e esse seu país dos brejo num ixiste... País qui num tem furacão
nem terremoto, num ixiste... Óia... óia bem pros nossos cajado... Eles são
cumprido e têm os óio que nóis num tem... são eles que nos guia pelas floresta
e pelas montanha... Sai daqui ou nóis vamo te dar uma sova qu’ocê num vai esquecê
nunca mais!
OS DOIS OUTROS:- Vamos dar nele,
sim! Vamos! Pau nele! Pau nele!
Os três dão cajadadas em
todas as direções.
CRONO:- Ai! Ai! Quem me
bate?
ZENO:- Assassino!
Desgraçado! Ocê tá é bateno ni mim!
XANA:- Ai, ui! Estão me batendo! Socorro! Socorro!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Batam!
Batam à vontade, meus ceguinhos! (Canta: “um ceguinho incomoda muita
gente... dois ceguinhos incomodam, incomodam muito mais...”). Isso,
mesmo... pau no lombo de cego é refresco no país dos brejos... Seus orgulhosos!
Mas... o quê? Pararam? Querem a paz, não é mesmo? Agora escutem! Vou fazer-lhes uma caridade.
OS TRÊS (em coro):-
Tem piedade, piedade dos pobres ceguinhos condenados a peregrinar pelos
seus pecados.
A VOZ DE NANDRIQUE:- Nem um
vintém! Nem um tostão furado! Ih... que cheiro... bafo de pinga pura... bafo de
onça velha! De pinga vagabunda! Ouçam! Como sou um cara legal, vou evitar que
vocês façam a maior besteira de suas vidas... Estão ouvindo? (Silêncio. Os
três escutam boquiabertos). Já é tarde... olhem: a primeira estrela já está
surgindo no céu... Olhem mais: lá... lá ao longe... Estão vendo? São os gases
podres do país dos brejos que começam a subir! Aqui, do meu trono, quer dizer,
da minha cadeira presidencial, tenho visto vocês passarem... e passarem... e
passarem... sempre por esses mesmos caminhos... que não levam a lugar nenhum...
muito menos à Grande Cidade. Vocês não deixaram o país dos brejos... A música
que ouvem são as mesmas de sua infância... Os cheiros que sentem são os mesmos
de toda a sua vida... Olhando assim bem de lado, avisto daqui os campos
enormes, a terra plana, os brejos... brejos e mais brejos... onde chafurdam os
porcos do Zeno... onde pululam as feiras fedorentas da Xana...
ZENO:- Ocê tá caçoano
de nóis... isso não se faz, seu... seu... Nandrique... é sacanage...
gozá ansim de três ceguinho tão bonzinho... tem piedade!
XANA:- Mentiroso! Muitas
vezes mentiroso! Não é noite, ainda... e nós estamos longe, muito longe do país
dos brejos!... Está mentindo para
nós. Eu estou vendo o topo dos edifícios da Grande Cidade, não é, Crono?...
Diga que você está vendo também... diga! É nossa vida que está em jogo,
Crono... nossos sonhos... nosso futuro... Vamos, Crono, olhe e veja, uma vez na
vida, Crono! Nosso passado foi só humilhação e dor, Crono... então, deixe que seus olhos vejam e teçam nosso
futuro, um futuro com... com... dignidade, Crono... por favor...
CRONO:- Tenho dó, muito dó,
mesmo, de quem é vesgo e nem assim
enxerga como um cego. Você é mau, Nandrique, muito mau. Vamos entregar você
para a polícia... não deve ficar impune quem achincalha assim três pobres
cegos... Se a justiça dos homens não o alcançar, que Deus tenha piedade de sua
alma... Fique quieto em seu canto, facínora!...
Xana, Zeno, cuidado! Ele deve ser um seqüestrador de estrada, tentando
nos prender pra pedir resgate...
A VOZ DE NANDRIQUE:- Pela última
vez lhes digo: estão no país dos brejos e a estrada é toda cheia de pântanos e
prados inundados. Um passo em falso e... puf! desaparecerão! Dentro em pouco descerão as trevas. Vou tomá-los pela mão e
conduzi-los a um albergue público, onde passarão a noite. Temos muitos
albergues no país dos brejos... E posso lhes arranjar também alguns vales para
refeições... No país dos brejos, somos especialistas em vales –
vale-transporte, vale-médico, vale-remédio, até mesmo vale-puta, pra sair com
as prostitutas do país dos brejos... Eis uma oportuna caridade, e a única que
posso fazer.
XANA:- Vamos acabar logo
com essa lenga-lenga! Pra frente é que se anda, meus amigos! Só faltava essa:
acreditar nesse idiota com seus disparates! Onde já se viu: vale! Não somos
gente de viver de vale, seu Nandrique... Temos o nosso orgulho em pedir
esmola... pode enfiar os seus vales...
CRONO:- A Xana tem
razão! Acha que vamos aceitar auxílio de
um vesgo? Vamos entrar na Grande Cidade ainda esta noite!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Ah! é?
Então, vão... andem... vão para a Grande Cidade, seus cabeças duras... seus
orgulhosos...! Desprezam um conselho amigo por vir de um vesgo... mas quem avisa...
vocês sabem...
ZENO:- Esse cara é um
pentelho... um chato... não enxerga um parmo na frente do narigão
dele... sai, narigudo... vai cheirá os fedô dos pântano donde ocê
veio... e donde nunca devera de ter saído... vai...
A VOZ DE NANDRIQUE:- ... eu estou
avisando: se não me ouvirem, que Deus tenha piedade de suas almas... que o
inferno não os tente... Eu, Nandrique, o sábio, presidente do país dos brejos,
decreto: cem vezes cegos são aqueles que não querem acreditar em quem enxerga,
mesmo que meio torto...
CRONO:- E eu, Crono, líder
de todos os cegos asseguro: quem é vesgo em país de cegos, boas intenções não
deve ter!
A VOZ DE NANDRIQUE:- Tolos, malditos tolos: todos os
caminhos levam à morte!
XANA:- Você é que está
morto...
ZENO:- E esqueceu de deitá...
A VOZ DE NANDRIQUE:- Vocês têm
razão: idiota, mil vezes idiota... eu... eu, por querer bem ao próximo! Vamos! Continuem
caminhando, atrás desse sonho louco... (Canta). “Um cego incomoda muita
gente... dois cegos são mais cegos do que um... três cegos...”
OS TRÊS:- Chega! Pára! Vamos em frente.... vamos para a Grande Cidade!
ZENO:- Quem vai na
frente?
CRONO:- Eu vou na
frente... como sempre... eu guio, vocês me seguem...
XANA:- Segura a ponta do
meu casaco, estropício!...
ZENO:- Já segurei... já
segurei... quem vai na frente? Quem vai na frente?
CRONO:- Para o alto...
para as montanhas!
NANDRIQUE (aparecendo; é tão
cego quanto os outros):- Vocês estão indo para o brejo... direitinho para o brejo... para a lama
fétida, para o nada! Isso mesmo.... vão em frente!
OS TRÊS:- Nossos
cajados são nossos olhos... e três cajados enxergam mais que um vesgo, que vê
tudo torto!
Avançam, afastando-se, e o canto
ressoa alegremente: “Tin... tin... tin... tin..
tiriritintin… Tirei, olhei, chacoalhei, usei, guardei no mesmo lugar... Tornei
tirar, olhar, chacoalhar, usar, guardar no mesmo lugar...” Voltam ao
mesmo ponto, por outro caminho. Crono tropeça no cajado de Nandrique e os três
caem, interrompendo o canto.
OS TRÊS:- Socorro!
Não me empurrem! Ai minha cabeça! Que diabo, machuquei a mão. O que está
acontecendo?
NANDRIQUE:- Eu
não disse que era perigoso? Sem minha ajuda, não há como sair do país dos
brejos...
XANA:- Você nos deu uma
rasteira, desgraçado! Vou quebrar o seu pescoço...
ZENO:- Deixa comigo... xa
comigo! Eu é que vou acertá as conta com esse mardito...
CRONO:- Calma, amigos,
vocês se esqueceram de que ele enxerga, e nós não? Vamos pedir uma trégua...
ele pode nos ajudar a sair dessa enrascada...
Depois de se levantarem e
se ajeitarem de acordo como possível, os três confabulam um instante.
CRONO:- E então, concordam
com uma trégua?
ZENO:- Sei, não... sei,
não... esse cretino é mitido a esperto... ele vai querê nos passá
a perna de novo...
XANA:- Por mim, tudo
bem... eu até que gosto da voz dele...
ZENO:- Ocê é muito
das assanhada, não é Xana?
CRONO:- Então está
resolvido... vamos dar uma chance pra ele... Ei, seu Nandrique... fale alguma
coisa pra que eu possa chegar até você...
NANDRIQUE:- Estou
aqui... isso... isso, mesmo...
Crono e depois os outros
chegam até Nandrique e apalpam-no, tentando reconhecê-lo.
CRONO:- Ué, cadê a
corcunda?
XANA:- E o chapéu?...
Você não tem chapéu?
ZENO:- Eu pensei que ocê
era mais baixinho, sô!
CRONO:- E esse cajado???
ZENO:- O disgracento
também usa cajado?
NANDRIQUE:- Não
é um cajado de cegos, como o de vocês, meus amigos... Posso chamá-los assim,
não é mesmo?... É o cajado símbolo do meu poder no país dos brejos!
XANA:- Ah bom! Mas já que
você enxerga... apesar de vesgo... onde eu devo ficar pra você me ver melhor? À
direita? À esquerda? E então, como eu estou... estou bonita... minha maquiagem
está direita? E meus vestidos, não estão muito amassados, não... não é mesmo?
Quer que mostre os meus peitos pra você ver se são bonitos? (Levanta a blusa)
E então, não são lindos os meus seios, Nandrique?
ZENO:- Ô cachorrona...
que é isso? Ocê num pode mostrá os peitos ansim, pra quarquer um, não...
XANA:- Ora, Zeno, não
seja bobo... Ele só tá olhando... Eu deixo você passar as mãos neles, porque
você só enxerga com as mãos, não é mesmo? Mas o Nandrique aqui não precisa
tocar neles, não... E então, Nandrique? O que você me diz? Fala?
NANDRIQUE:- É...
é... eles... os seus peitos... eles... são bonitos, sim... empinados...
ZENO:- Que conversa é
essa, seu Nandrique? Ocê tá querendo agradá a Xana? Tá?
Oh! Oh! Oh! Os peito dela pode de sê tudo... menos impinado...
Oh! Oh! Oh!
XANA:- Cala a boca,
cretino... Que sabe você da beleza de uns seios como os meus? Eles são
empinados, sim... E fim de papo!
CRONO:- Vamos parar com
essa leréia?!!! Nós precisamos de ajuda para chegar à Grande Cidade e não ficar
discutindo... discutindo... isso aí! Nós concordamos em aceitar sua ajuda,
porque achamos que... Bem, não importa o que achamos... Você nos indica o
caminho e eu guio todo mundo até o nosso destino...
NANDRIQUE:- Perderam
o orgulho, não é mesmo? Pois, bem... Eu ajudo... Mas eu serei o guia até a
Grande Cidade!
CRONO:- O quê? Você, o
guia?
ZENO:- Mas ocê num
é o presidente do país dos brejo?
NANDRIQUE:- Calem-se!
E ouçam minha proposta. Eu enxergo...
XANA:- Mas é vesgo!
NANDRIQUE:- Eu
enxergo e vocês, não! Portanto, estou apto a comandá-los na longa caminhada até
a Grande Cidade!
CRONO:- E você deixa de
ser presidente do país dos brejos?
NANDRIQUE:-
Quem é rei nunca perde a majestade.
ZENO:- Conversa fiada...
conversa fiada... O quê ocê tá querendo, hem, seu Nandrique?
NANDRIQUE:- Só
quero o prazer de ajudar uns amigos...
ZENO:- Amigo? Nóis nem
se conhece!
NANDRIQUE:- Apesar de tão pouco
tempo, sinto-os como meus irmãos... Posso confiar em vocês...
CRONO:- Olha, aqui... seu
Nandrique... Na minha tropa mando eu... E não vou deixar que um estranho venha
tomar o meu lugar!
XANA:- É isso, mesmo...
Crono sempre nos guiou e deve continuar nos guiando.
ZENO:- Sei, não... sei,
não... Só aceita o Crono como guia quem gosta de apanhá... e eu não
gosto!
XANA:- Tapa de amor não
dói...
ZENO:- Não dói o caraio!...
Vem cá, pr’ocê vê se a minha porrada nas tuas fuça vai doê ou
não!...
CRONO:- Vamos fazer uma
votação... Eu voto não... A Xana também vota não... Pronto, ganhei... Eu
continuo no comando.
ZENO:- Ei... péra
aí... ocê é parte interessada... Ocê num vota...
CRONO:- Mas eu sou o voto
de minerva...
ZENO:- Que merda é essa?
CRONO:- A Xana está
comigo. Você está contra. Um a um. É preciso desempatar. O comandante dá o voto
final. E eu sou o comandante.
NANDRIQUE:- Esperem... vamos
decidir de outra forma... Quem oferecer mais vantagens ganha... Eu, por
exemplo, ofereço a vantagem de meus olhos...
CRONO:- E eu a vantagem da
minha experiência de longos anos por esses caminhos...
NANDRIQUE:- Eu ofereço a
vantagem de ser um líder no meu país e, portanto, sei lidar com as pessoas...
CRONO:- E eu ofereço a
vantagem de já conhecer os meus comandados e saber exatamente o que cada um
deles quer!
CRONO E NANDRIQUE:- E então? O
que decidem?
XANA:- Eu fico com o
Nandrique!
ZENO:- Eu fico com o
Crono!
CRONO:- Empatou de novo.
Eu decido.
NANDRIQUE:- Nesse caso, como
presidente do país dos brejos, eu também tenho o direito de decidir!
CRONO:- Se eu decido para
um lado e você decide pelo outro, fica tudo empatado de novo. E quem é que vai
decidir?
NANDRIQUE:- Proponho uma disputa
entre nós dois... Quem acertar uma maçã a quinze metros com um tiro, ganha...
CRONO:- E na bundinha, não
vai nada? Vai se foder, Nandrique... Já sei muito bem de suas intenções... Você
é um falso: está querendo o meu lugar para alguma coisa de muito ruim... Pra
sacanear os meus amigos, aqui... E isso eu não vou permitir... Eu sou cego, mas
sou muito capaz de lhe dar uma boa surra... E não vai ter ninguém que vai
impedir...
Crono dá cajadadas a esmo e
acerta Zeno e Xana, sem logra atingir Nandrique.
XANA E ZENO:- Ai! Ui! Quem me
bate? Quem me bate?
CRONO:- Se vocês apanharam,
foi o Nandrique quem bateu... Eu só bati no Nandrique e ele, para se vingar,
bateu em vocês... Querem um líder assim? Querem?
XANA E ZENO:- Não! Não! Você é
nosso líder!
NANDRIQUE:- Como? Eu não bati
em ninguém... eu não bati em ninguém... Que aconteceu? Que aconteceu?
CRONO:- Acho que o
vesguinho estava olhando pro outro lado... ou então as porradas que lhe dei lhe
tiraram o juízo...
ZENO:- Eu bem que tava
disconfiado das artimanha desse dianho...
XANA:- Eu nunca confiei
nele...
CRONO:- Chega de
lenga-lenga. Vamos embora! Eu guio. Vocês me seguem.
XANA:- Segura em mim,
estropício...
CRONO:- Adeus, vesguinho!
E obrigado pela ajuda!
ZENO:- Adeus, rei dos brejo...
e rei das rã e dos batráquio!
XANA:- Adeus, eco
asneirento! Fica aí em sua cadeira de presidente e prega seu desejo em mandar
em nós no cu de cada um que mora no país dos brejos! É a nossa vez, amigos.
Para diante! E segura meu casaco, Zeno!...
Avançam, afastando-se, e o canto ressoa alegremente: “Tin... tin... tin... tin.. tiriritintin… Tirei, olhei, chacoalhei,
usei, guardei no mesmo lugar... Tornei tirar, olhar, chacoalhar, usar, guardar
no mesmo lugar...”
NANDRIQUE:- Pra onde eles
foram? Pra onde eles foram? Já sei... sem mim, eles vão direitinho para o
brejo... Ouçam!
O canto se interrompe.
OS TRÊS-: Socorro!Não
me puxem! Nandrique! Socorro! É a água! Misericórdia! Cadê a terra! Estamos
afundando... Eu me afogo! Jesus, salvai-me!
Gritos ainda ofegos, e as vozes se
extinguem.
NANDRIQUE:- Nada posso fazer por eles! Os brejos são tão
profundos! Não cantarão mais os cegos! Acabou-se o seu caminho... Descansem em
paz, meus irmãos, no velho barro de que todo mortal é formado! A noite avança.
Vou para meu trono, isto é, para minha cadeira de presidente... de onde
colecionarei mais conselhos... sou mesmo um incorrigível... colecionarei mil
conselhos para outros mil ceguinhos que buscam a sorte na Grande Cidade!
Adeus... adeus... rezarei por vossas almas cegas, pobres ceguinhos. Adeus!
Nandrique tateia a placa e
sai na mesma direção em que foram os cegos.
FIM
26 de setembro de 2001
Isaias Edson Sidney
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