Isaias
Edson Sidney
SBAT
– 1346
FBN
– 214.048 – livro 373, folha 208
1999
PERSONAGENS
Lucas e Sara
(irmãos)
Espencer
(detetive brasileiro)
Tracy (detetive
inglês...)
Delegado
Homem e mulher
(vítimas/testemunhas)
Capangas de
Espencer
Bloco
carnavalesco
J.O.:- Puta-que-o-pariu!
Que droga! Odeio esse cheiro... Seu miserável! O que é que você comeu... heim!
O quê?
Sacode Lucas, que esperneia grotescamente, sem poder
falar.
J.O.:- Perdeu a língua?
Lucas sacode negativamente a cabeça
J.O.:- Então, fala,
maldito... Ou você quer morrer?
Lucas continua fazendo esforços para falar.
J.O.:- Eu vou arrancar a
sua língua, desgraçado...
Aproxima um pouco a cabeça em direção de Lucas, mas logo
a afasta. Vem outra ânsia de vômito. Com isso, larga o pescoço de Lucas, mas
continua comprimindo-o com a mão sobre o peito. Lucas tenta recuperar-se.
J.O.:- Eu não agüento
essa... esse... o que você comeu, mortal filho-da-puta?...
Lucas tartamudeia.
LUCAS:- Pi... pi... eu...
co... co... comi... u... u... uma... pi... pi...
J.O.:- Que diabo de
pi... pi... é esse? Você comeu foi...
LUCAS:- ...pi... pi...
pizza...
J.O.:- Pizza?!!
LUCAS:- É... é... uma... pi... pizza... uma pizza de alho!
J.O.:- Arhg!!! Tinha que ser alho? Tanta gente que come pizza de... de
muzzarella... de atum... até de escarola! Esse desgraçado, não... tinha de
comer pizza de alho...
LUCAS:- Mas eu adoro
pizza de alho...
J.O. volta-se para o público. Seu rosto é excessivamente
branco. Os olhos, injetados. Sua fúria amaina-se pouco a pouco.
J.O.:- Eu odeio alho...
não posso nem chegar perto que me dá urticária... desde menino... há dois
mil... Por que você tinha que comer alho?
LUCAS:- Você... você...
quem é você? Quer o meu relógio? Minha carteira? Pode levar... tem aí uns dois
passes de ônibus e um vale refeição de três reais e cinqüenta... Pode levar...
Ah! e tem também uma camisinha...
J.O.:- Cala a boca,
miserável comedor de alho... se não...
LUCAS:- Se... não, o quê?
Vai me matar, vai?
J.O.:- Estou pensando no
que eu vou fazer com você...
LUCAS:- Que tal começar
tirando essa mão do meu peito... Caramba! Que mão pesada!
J.O.:- Se você tentar
fugir...
LUCAS:- ... vai tentar
morder o meu pescoço como agora há pouco?
J.O.:- Cala a boca...
você não sabe o que está falando...
LUCAS:- Olha... eu não
tenho nada... Sou só um pobre diabo... você escolheu o cara errado pra
assaltar... só tenho isso aí comigo... Minha vida...
J.O.:- Sua vida não vale
nem esses trecos aí... e pára de falar... Argh! Esse fedor... misturado com
cachaça... isso me mata...
LUCAS:- Eu sei que não
devia ter bebido tanto... mas não sou tão fedido assim... eu tomei banho, viu,
seu assaltante?
J.O.:- Fecha essa boca!
LUCAS:- Se eu fechar a
boca, como vou falar?...
J.O.:- Não fale!...
Maldito cheiro de alho!...
LUCAS:- Hum!... Isso está
me cheirando... tem coisa aqui...
J.O.:- Seu sangue... seu
sangue fede... fede a cachaça... fede a alho...
LUCAS:- O garçom... era
meu amigo... Eu pedi pra ele caprichar e ele caprichou...
Lucas bafeja sobre J.O., que se afasta com nojo.
LUCAS:- Alho... alho do
bom... Sente, seu ladrão...
J.O.:- Vou te dependurar
pelo pé numa árvore até você secar... seu... seu...
LUCAS:- Tá pensando que
eu sou bacalhau, é? Sente... sente o meu cheirinho... seu vampiro!
J.O.:- Como? O que você
disse?
LUCAS:- Vampiro! É isso
mesmo: vampiro! Vampiro é que não gosta de alho...
J.O. tenta agarrar Lucas, mas este bafeja de novo em sua
direção, com toda força. J.O. afasta-se com nojo.
LUCAS:- Está com medo,
agora, está? Pensou que podia vir com esse papo de vampiro... e levar toda a
minha grana...
J.O.:- Grana!!! Um vale refeição e dois passes de ônibus?
LUCAS:- Não interessa! É
pouco, mas é meu!
J.O.:- Olha aqui... esse
papo já foi longe demais...
Lucas ameaça-o com outro bafo.
LUCAS:- Nem tenta... nem
tenta...
J.O. se senta, enrola-se na capa e fica pensativo. Lucas
senta-se a seu lado, juntando suas coisas.
LUCAS:- Não fique
assim... você vai encontrar outro com mais dinheiro pra assaltar... é
carnaval... a gente sai com dinheiro contado... nunca se sabe onde a gente
acaba dormindo... Teve um ano, sabe, que na terça-feira gorda eu bebi tanto,
que acordei no dia seguinte num galinheiro... não sei até hoje como fui parar
lá... e acabei preso... eu, Lucas dos Santos Neves, o mais honesto dos filhos
de meu pai, preso como ladrão de galinha... Já pensou?
J.O.:- Seis meses...
seis meses de abstinência... e o primeiro que encontro, além de comedor
compulsivo de alho, é um boquirroto...
LUCAS:- Olha aqui, seu...
seu... seu vampiro... posso ser muita coisa, mas isso aí, não... bo... bo...
bo... o que foi mesmo que o senhor disse?
J.O.:- Deixa pra lá...
Meu nome é Judas... mas todos me chamam de J.O....
LUCAS:- J.O.?
J.O.:- É! J.O.! E não me
pergunte por quê...
LUCAS:- Tá bom... tá
bom... Lucas... E você é mesmo um vampiro?
J.O.:- Que fixação você
tem em vampiro... Acho que você é que é um...
LUCAS:- Deus me livre e
guarde, seu J.O. Mas... seu jeito, assim... sei lá... Sabe: eu sei tudo de
vampiro... já vi todos os filmes... já li tudo quanto é gibi...
J.O.:- O que o faz
pensar que eu seja um vampiro?
LUCAS:- O senhor... você
não tentou morder o meu pescoço?
J.O.:- Tentei... Lucas,
tentei... E vou tentar de novo... Depois que passar esse... esse teu cheiro de
alho...
Ouve-se
uma voz ao longe, gritando. É Sara, irmã de Lucas.
SARA:-
Lucas! Lucas! Onde você está.
LUCAS:- É minha... mãe...
quero dizer, minha irmã... É que desde que minha mãe morreu, há quase cinco
anos, ela é que toma conta de mim...
J. O. :- Um marmanjo como
você... a irmãzinha é que toma conta... que lindinho que ele é!
LUCAS:- Não enche, tá...
te dou um bafo...
J. O. :- Você não vai
responder à sua irmãzinha?
LUCAS:- Ela me encontra...
ela sempre me encontra...
J. O. :- Acho que você
está com medo...
LUCAS:- Medo o caralho...
e eu vou ter medo de mulher?
De novo a voz de Sara.
SARA:- Responde,
Lucas... onde você está? Eu vou te encontrar, seu safado...
LUCAS:- O pior é que ela
sempre me encontra...
J.O.:- Que lindinho! Está
com medinho da irmãzinha....
LUCAS:- Qual é, cara...
tá me estranhando? Sou muito macho pra lhe dar umas porradas...
Lucas ameaça J.O. com um bafo, leva um safanão, cai e J.O
imobiliza-o facilmente.
J.O.:- A “donzela” não
me ameaça... que eu esqueço que teu sangue está sujo...
LUCAS:- Su... su...
sujo? Que porra é isso agora?...
J.O.:- Pois é... seu
mortalzinho de merda: eu sou um vampiro... E daí...
LUCAS:- Que legal,
cara... Me solta... Eu sempre quis conhecer um vampiro... Não: você está brincando
comigo... Não é verdade... vampiro é coisa de literatura... Não existem
vampiros...
J.O. mostra-lhe as presas e ameaça mordê-lo.
LUCAS:- Não... pelo amor
de Deus, não... eu acredito... eu acredito... Ai meu são Judas, me protege...
J.O.:- Tá bom... não vou
te morder... perdi o apetite...
Solta Lucas. Encontra algo caído de seu bolso. É uma
foto. Olha-a e fica apavorado.
J.O.:- Que... que...
diabo é isso... Quem... quem... quem é essa mulher?
LUCAS:- É minha mãe...
quero dizer, minha irmã... A que está me procurando...
J.O.:- Oh! Não!
Não pode ser verdade... por todos os deuses de todos os tempos... Não é
possível... Minha memória... depois de tantos séculos... está me traindo... Não
pode ser verdade... Eu morro de saudade de você, minha mãe... dois mil anos...
não esqueci nunca... é você, mãezinha...
LUCAS:- Ih! O cara
pirou... De que hospício será que ele veio? A gente vê cada coisa no
carnaval...
J.O.:- A única lembrança
que eu tenho... da minha infância... me atormenta... nem sei mais... é esse
rosto... o rosto de minha mãe... não é possível... devo estar louco... essa
mulher não existe... não está acontecendo...
LUCAS:- Olha aqui...
cara: não tenho nada com suas neuras... Me dá a foto...
J.O.:- Não! É a foto de
minha mãe!
LUCAS:- Que sua mãe, que
nada... seu merda... É a minha! Quero dizer, minha irmã...
Lucas percebe que J.O. está chorando. Comove-se.
LUCAS:- Tá bom... tá
bom... Saco! Não posso ver homem chorando... eu fico besta... vou me arrepender
disso... mas... Olha aqui, seu J.O., senta aqui, vai... vamos conversar...
Sua... sua mãe... ela já morreu há muito tempo?
J.O.:- Você nem imagina
quanto...
LUCAS:- Eu posso entender
isso... Eu também perdi minha mãe... faz cinco anos... Se não fosse essa daí...
minha irmã... eu teria sofrido muito, também... ainda sofro... sofro, sim...
uma baita saudade...
J.O.:- A minha tem dois
mil anos...
LUCAS:- Não entendi...
sua mãe tinha dois mil anos?
J.O.:- Não, seu
idiota... desculpe... é que nunca imaginei passar por um constrangimento
desse... nessa minha longa existência... já passei por tudo quanto você possa
imaginar... só não poderia pensar que um dia eu, J.O., o imortal... o
poderoso... fosse acabar chorando nos braços de um... de um...
LUCAS:- Olha o que você
vai dizer, cara... Sou pobre, sou ignorante, mas sou orgulhoso pacas...
J.O.:- Desculpe...
desculpe, meu amigo... Posso chamá-lo assim, não posso? Meu único amigo...
LUCAS:- Tá bom... tá
desculpado... Toque aqui... Me diga uma coisa, já que somos amigos, você é
mesmo um vampiro? (J.O. confirma com a cabeça).
Daqueles que chupam sangue? (J.O. confirma). Daqueles que não morrem nunca? (J.O.
confirma). Meu santo são Judas, tô fodido...
Desculpe, meu santinho... O que eu fui arrumar: ser amigo de um vampiro! Ai,
meu santinho... tô condenado...
J.O.:- Não seja
imbecil... Desculpe. Não devo falar assim com um amigo...
LUCAS:- Amigo? E vampiro
tem amigo? Você vai me morder...
J.O.:- Não, Lucas, eu
não vou mordê-lo... Os vampiros têm por ética nunca morder um amigo... um verdadeiro
amigo... porque eles nunca têm amigos... Só que agora eu tenho um... e não vou
mordê-lo... Senta aqui... vou te contar toda a minha história...
J.O. narra sua história a Lucas. Passagem de tempo, por
efeito de luz ou outro qualquer. Lucas está boquiaberto, olhos arregalados,
completamente imóvel. De repente, a voz de Sara faz-se ouvir de muito perto.
Lucas tenta levantar-se para correr, é
surpreendido por Sara, que praticamente salta sobre ele e subjuga-o com o pé,
numa pose de caçador que matou a presa. Lucas, a contragosto, aquieta-se
medrosamente.
SARA:- Safado! Pensou
que escapava, não é? E ainda te encontro com essa fantasia ridícula... Com
calcinha de rendas, ainda por cima, não é seu Lucas?
Lucas, vexado, tenta baixar o vestido, para esconder a
calcinha.
SARA:- Seu desgraçado...
eu me mato de trabalhar e você na farra! Quanto custou essa fantasia horrorosa!
Quanto? E esse bafo nojento... Encheu o caco com o salário do mês, não é, seu
desgraçado.
LUCAS:- N... n... não...
Eu não bebi... Juro! Foi... foi... só um golinho!
SARA:- Levanta logo daí
e vamos pra casa... Anda... Vou te dar um banho frio pra curar essa
bebedeira... pra você ir trabalhar amanhã...
LUCAS:- Não... não...
posso...
SARA:- Como? Não pode ir
trabalhar? É claro que pode... Pode e vai!
LUCAS:- Não... não...
não... posso... é... me... levantar... Seu... pezinho...
SARA:- Ah! Seu
desgraçado! Não pode se levantar... Vai levantar pra apanhar!
Sara tira o pé de cima de Lucas, que se levanta e tenta
se recompor, mas começa a levar alguns sopapos da irmã. J.O. sai da imobilidade
catatônica em que estava.
J.O.:- Me
bate, também... me bate, também...
Sara encara J.O., prestando atenção nele pela primeira
vez.
SARA:- Quem o senhor
pensa que é para se meter em briga de família, heim... seu... seu... seu cara
de vampiro?
J. O. :- Eu não sou
vampiro...
LUCAS:- Ele não é
vampiro... só não gosta de alho...
SARA:- Você já andou com
melhores companhias, seu Lucas...
LUCAS:- Minha irmã,
Sara... ela... ela é assim, mesmo... mas é boa pessoa...
J. O. :- Sara... minha
mãe! ... meu nome é...
SARA:- Não interessa...
deve ser mais um vagabundo a querer roubar meu irmão...
LUCAS:- Ele é rico,
Sara...
J. O. :- Pela declaração
de renda que ele fez há pouco, eu é que devia ter medo de ser assaltado...
LUCAS:- Também não precisa
ofender...
SARA:- O desgraçado já
gastou o salário todo... por isso é que não tem dinheiro...
J. O. :- Dinheiro...
vocês, mor... digo, vocês humanos...
SARA:- E por acaso você
não é humano? Tá certo que essa cara...
J. O. :- Desculpe... é só
uma maneira de falar...
SARA:- Olha aqui, seu...
seu... seu cara de...
LUCAS:- Ele não é
vampiro...
J. O. :- Eu não sou
vampiro! Só não gosto de... do bafo do irmãozinho aí...
SARA:- Olha aqui seu...
J. O. :- J.O...
SARA:- ... seu Jotapó...
LUCAS:- J.O.... Jó...
ta... ó...
SARA:- ... J.O. , o
senhor...
J. O. :- Você, por favor,
minha mã... digo, senhora...
SARA:- Você não sabe o
que é ter confiança num irmão... criar... não, criar, não... mas confiar, entende...
estou procurando emprego, mas tá difícil... os tempos são bicudos... só temos o
salário desse... desse safado... Quando mamãe morreu... que Deus a tenha num
bom lugar... esse desgraçado prometeu se regenerar... cuidar de mim... Sabe,
seu J.O.... a única coisa que a gente tem... é nossa casa... a casa em que a
gente mora... e agora, esse desgraçado torra todo o dinheiro da hipoteca...
amanhã é o último dia... se a gente não pagar, ó: adeus... adeus casa... nós
vamos morar debaixo da ponte... no meio da rua... eu dei um duro danado pra
manter a nossa casa... enquanto trabalhava na fábrica, eu conseguia pagar as
promissórias...todo mês... tudo direitinho... mas a fábrica fechou, seu J.O.!
Nesses anos todos... o Lucas, seu J.O., vivia às minhas custas... eu mantinha
ele... dava tudo... Sabe o que ele é, seu J.O.? Sabe? Lucas é um vampiro!
J. O. :- Um vampiro?!!!
SARA:- É, sim, seu
J.O.... Ele sugou o meu sangue inteirinho... nesses anos todos... E agora nós
vamos perder nossa casa!... A hipoteca vence amanhã... e Lucas gastou todo o
dinheiro da hipoteca na farra... na farra, seu J.O.!...
J. O. :- Nós vamos achar
uma solução... nós vamos achar uma solução...
Sala de delegacia. Escrivaninha desarrumada. Atrás dela,
o delegado. À sua frente, o detetive Espencer.
DELEGADO:- Não.
Mil vezes, não!
ESPENCER:- Só
algumas horas por semana...
DELEGADO:- Com
tanta merda acontecendo por aí, é impossível... preciso de todas as suas porras
de horas aqui... Veja: crime na favela... crime no bairro elegante... crime no
clube de bocha dos velhinhos... essa cidade enlouqueceu! E você tem a coragem
de me pedir para investigar isso? Olha aqui, detetive Espencer: se eu souber
que o senhor deu cinco minutos de seu tempo para esse caso, eu te suspendo,
ouviu? Eu te dou cadeia...
ESPENCER:- A
INTERPOL é que...
DELEGADO:- Eu
quero que a INTERPOL vá o pro raio que a parta. Agora saia, vai cuidar dessas
encrencas que eu te passei...
O detetive Espencer sai. Vai até um telefone, verifica
que não há ninguém por perto. Disca.
ESPENCER:-
Alô... É o Espencer... Vou pegar o caso... Esse desgraçado não escapa, dessa
vez... Nem que eu tenha de... Não!... Não!... Sim!... Ok!... o endereço é esse
mesmo... Até lá, então...
É noite. Casa de Sara e Lucas. Sara está arrumando a mesa
para o jantar. Coloca três pratos na mesa. Titubeia. Olha para cima. Retira um
dos pratos. Entra Lucas, com roupa de operário e uma marmita na mão. Coloca
tudo na pia. Senta à mesa, em silêncio. Sara serve-lhe uma sopa. Lucas toma-a
em silêncio, com ar contrariado. Sara serve-se também e senta-se do lado oposto
a Lucas. Toma a sopa, olhando de vez em quando para cima.
LUCAS:- Perdeu alguma
coisa lá cima?
SARA:- Dormiu o dia
todo...
LUCAS:- Pagou a hipoteca?
SARA:- Claro... e
ainda...
LUCAS:- Ainda o quê?...
Já sei: você arrancou um pouco mais... Cadê o dinheiro? Eu também quero um
pouco...
SARA:- Vê se te
enxerga...
LUCAS:- Nem pra comprar
uma carne pra colocar nessa merda de sopa! Olha aqui, minha irmã: não me faça
de trouxa... Eu sei que...
SARA:- A única coisa que
você sabe é farrear... Vai pedir dinheiro pras suas negas...
LUCAS:- Enquanto você
pede dinheiro pra ele, não é, sua vagabunda...
SARA:- Pela alma de nossa
mãe... você me respeita...
LUCAS:- Alma de nossa
mãe! Lave a boca, pra falar naquela santa... sua... sua...
SARA:- Não fale... não
fale... que eu te arrebento...
LUCAS:- Assassina!
Sara ameaça jogar o prato em Lucas e pára de repente ao
dar com a figura de J.O. ao pé da escada.
J.O.:- Não quero
atrapalhar o colóquio amoroso dos dois... Já estou de saída...
Antes que qualquer dos dois irmãos conseguisse falar
alguma coisa, J.O. desaparece pela noite.
SARA:- Aceita um pouco
mais de sopa, meu irmãozinho?
LUCAS:- Claro, querida...
Essa sopa está uma delícia... Vou até lhe dar um beijinho...
Sara aproxima-se para servi-lo. Lucas beija-a
sensualmente, no rosto e depois nos lábios. Passa a mão em suas pernas, sob o
vestido.
LUCAS:- Ah! Minha irmã...
minha querida irmã... A gente devia...
SARA:- Não, Lucas...
Ainda não estou preparada... Eu também queria... espere um pouco mais... ainda
não...
Sara afasta-se de Lucas, olhando-o com certo ar de
sensualidade, e ambos continuam a tomar a sopa silenciosamente, por alguns
segundos. Foco sobre J.O. numa esquina escura, em pose de espera. Acende um
cigarro e traga-o com prazer. Ouve ruído de passos. Apaga rapidamente o cigarro
e, assim que o vulto se aproxima, atira-se sobre ele. É uma mulher.
MULHER:- Valha-me,
Senhor...
J.O. segura a mulher de modo que ela possa ver sua expressão
amedrontadora, com os caninos salientes.
MULHER:- O senhor quer me
roubar? Olha, moço: não tenho nada. Só essa bíblia e uns trocados...
J.O.:- Não sou ladrão.
MULHER:- O que o senhor
quer? O que eu tenho que possa atrair um homem como o senhor?
J.O.:- Quero o seu
sangue!...
MULHER:- O senhor vai me
matar...
J.O.:- Vou.
MULHER:- Por favor, espere
só um minuto...
J.O.:- Um minuto? Que
merda é essa? A senhora está pedindo um minuto para não morrer?
MULHER:- Para minhas
orações... assim poderei morrer em paz e Deus também ficará contente em colher
minha alma...
J.O.:- Não está com
medo?
MULHER:- O verdadeiro
cristão só pode ter alegria quando vai ao encontro do Senhor...
J.O.:- Merda! Sangue de
covarde... sem adrenalina...
Torce o pescoço da mulher, esconde o cadáver, acende um
cigarro e volta à posição de espera. Apartamento do detetive Espencer, que anda
de um lado para o outro, ansioso. Toca a campainha. Espencer corre a abrir a
porta. Um homem vestido à moda dos detetives ingleses permanece extático à
porta. Fala com um pouco de sotaque.
ESPENCER:-
Trouxe tudo, Mr. Tracy?
TRACY:- Yes... sim... está
tudo nesta caixa...
ESPENCER:-
Ótimo!... vamos analisar tudo... Estou morrendo de curiosidade...
TRACY:- Por que o senhor
está parado aí?
ESPENCER:-
Esperando que me convide a entrar...
TRACY:- Ora, senhor
Tracy, no Brasil não existem tais formalidades...
ESPENCER:- O
senhor me convida ou não?...
TRACY:- Está bem: queira
entrar, por favor, Mr. Tracy...
TRACY:- Obrigado.
ESPENCER:- Os
documentos...
TRACY:- São documentos do
início do século até hoje...
ESPENCER:- Antes
de examinarmos os documentos, veja este jornal...
TRACY:- É... o estilo é o mesmo... parece ser ele... Não pode ser
coincidência...
ESPENCER:- E não
é o primeiro, Mr. Tracy... não é o primeiro... Só que a imprensa ainda não
ligou os fatos... ainda bem... Vamos aos documentos...
J.O. apaga o cigarro ao
ouvir passos. Salta sobre a vítima e domina-a da mesma forma que na vez
anterior. É um homem. Grita desesperado ao ver o rosto de J.O.
HOMEM:- Não... não... por
favor, não me mate... eu não quero morrer...
J.O.:- Não é cristão?
HOMEM:- Sou... sou...
eu...
J.O.:- Sabe que vai
morrer?
HOMEM:- Por favor... não
me mate... eu tenho muitos pecados... não me arrependi ainda... se eu morrer
vou direto pro inferno...
J.O.:- Tem medo do
inferno? Tem?
HOMEM:- Te... te...
tenho... tenho medo de morrer... não me mate... Ai! meu Deus do céu...
J.O. aperta o pescoço da vítima, que pára de gritar e
aguarda alguns segundos para que o terror da morte transpareça em seu rosto.
Com um sorriso, aproxima os caninos de sua jugular. Casa de Lucas e Sara. Batidas de relógio, ao longe,
indicam a meia-noite. Sara costura e Lucas ouve o rádio de pilha, com
comentários sobre futebol.
SARA:- É melhor ir
dormir, meu irmão...
LUCAS:- Quero ver a cara
dele, quando chegar...
SARA:- Às vezes ele
chega pouco antes do amanhecer... quando chega...
LUCAS:- Enquanto estiver
pagando...
SARA:- E vai pagar muito
mais... Você vai ver... Me disse que pretende comprar uma casa nova... para
nós... Já imaginou?!... É só o tempo do
banco liberar a grana... Ah! Meu irmão... vamos sair desse miserê... Não
importa que ele seja estranho... que durma o dia inteiro... Que quase não coma
nada... vamos sair dessa vida de merda...
LUCAS:- Eu não vejo a
hora de deixar aquele emprego... Hospital é o cu do mundo, minha irmã... só
desgraça... mexer com o lixo do lixo... é humilhante...
SARA:- Ele disse que vai
te arrumar um serviço bom... serviço, não: emprego... Para disfarçar, sabe?
Para as pessoas não colocar reparo que ninguém trabalha nesta casa... nesta,
não... na nova... na nova, se Deus quiser...
J.O. entra de repente.
J.O.:- Não
vai ser preciso que ele queira... Basta eu querer... E eu quero...
SARA:- Quer dizer... Oh!
que ótimo!... Vem, vem jantar... Guardei um prato no forno pra você, J.O....
J.O.:- Obrigado... não
podia ter amigos melhores... Já me alimentei...
SARA:- Você não gosta de
minha comida?
J.O.:- Gosto... gosto,
sim... mas encontrei restaurante que serve pratos típicos de minha terra e
resolvi jantar... Nos próximos dias, poderemos jantar juntos...
LUCAS:- Você chegou
cedo...
J.O.:- É... como vocês
dizem, a noite ainda é uma criança... Mas amanhã pretendo aproveitar um pouco
do dia, para tratar de negócios... de negócios de interesse de todos... Vou dormir cedo... Boa noite, meus caros
amigos...
J.O. sobe e desaparece. Um instante de silêncio com ambos
olhando embevecidos J.O subir as escadas.
SARA:- Já não mandei
você ir dormir? De manhã vou ter de jogar água fria pra você acordar...
LUCAS:- Não enche o
saco... Acho que não vou trabalhar amanhã...
SARA:- Ah! Vai
trabalhar, sim... não vou te agüentar o dia inteiro dentro de casa... Vai nem
que seja amarrado...
LUCAS:- Olha aqui,
Sara... Já estou cheio de suas implicâncias... Qualquer hora eu perco a cabeça!
SARA:- E vai me bater
como fez com a mãe, vai?
LUCAS:- Eu... nunca...
você é que...
SARA:- Não fala... não
fala nada, se não...
LUCAS:- Olha: eu não te
cubro de porrada porque...
SARA:- ...não quer
perder a boquinha do nosso hóspede... eu sei...
LUCAS:- ... mas um dia
ele vai embora...
SARA:- ... e nós vamos
voltar pra merda? Você endoidou... de vez...
LUCAS:- Tá bom... tá
bom... eu vou trabalhar... Me acorda... Boa noite!...
Lucas também sobe para dormir. Sara segue-o depois de
alguns instantes. Apartamento de Espencer.
ESPENCER:- Como
vamos destruir essa criatura?
TRACY:- Vamos, não. Eu
vou. Nem você nem toda a sua polícia têm o poder para destruí-lo.
ESPENCER:- Se
você pensa que vou ficar fora dessa, pode ir tirando o seu cavalinho inglês da
chuva...
TRACY:- O poder dessa
criatura cresceu enormemente durante este século, quando matou vários outros de
sua espécie... Os meios convencionais não o atingem...
ESPENCER:- E
daí? Se estacas no coração... nem decapitação... nem bala de prata... o
atingem... pode deixar: de alguma forma eu, o detetive mais durão do
quadragésimo distrito, acharei um modo de pegar esse desgraçado... sem precisar
de gringo nenhum...
TRACY:- Há uma lenda...
uma lenda não comprovada... só poderia destruí-lo alguém que o amasse muito...
ESPENCER:- Como
pode alguém que ama destruir a criatura amada?
TRACY:- Você não é o
tal... o bamba do quadragésimo distrito? Quem sabe você não se apaixona por
ele?...
ESPENCER:-
Gringo filho da puta... tá me estranhando? Eu sou é macho. E vou encontrar esse
maldito nem que eu tenha de passar por cima do seu cadáver, ouviu... senhor
Tracy? Por cima de seu cadáver!
Lucas e Sara, com roupas elegantes, em sua nova casa.
LUCAS:- Não sei se vou me
acostumar com essa vida de rico...
SARA:- Você é mesmo um
imbecil... quem nasce pra lamber embira nunca chega a...
LUCAS:- ...a quê? A essa
merda de emprego como assessor de deputado?
SARA:- Assessor de merda
nenhuma, você quer dizer... Assessor fantasma... Olha aqui, meu irmãozinho
idiota... se você não gosta dessa vida... o problema é seu...
LUCAS:- Eu não disse que
não gosto, Sara... tá é difícil de acostumar... e não é nem com o luxo, o
conforto, as roupas caras... não me acostumo é com a idéia de você e aquele
cara...
SARA:- Seu ciúme é
doentio, meu irmão Lucas... meu caro irmãozinho... doentio e totalmente
inútil... Enquanto “aquele cara” me tratar como a mãe dele... achar que eu sou
igualzinho a mãe dele... nada pode haver entre nós... Embora...
LUCAS:- ...bem que você
gostaria, não é, sua...
SARA:- ... Stop! Stop! Não quero brigar com você, agora... estou saindo para uma
vernissage... e não quero uma só ruguinha de contrariedade em meu rosto... Good night, my dear... By... by...
Lucas fica só.
LUCAS:- Que raio de
vida... já nem sei mais quem sou eu... sei quem eu não sou... não sou mais o
velho Lucas das farras... do carnaval de rua... tô perdido... tô fudido...
tô perdendo a Sara... pareço um palhaço
nessas roupas... não faço nada... e ganho um dinheirão... Antes eu trabalhava
como escravo pra ganhar salário mínimo... nesse jogo do J.O. com Sara, eu sou o
curinga... o curinga que não cabe no jogo...
Entra J.O., sem que Lucas perceba. Fica ouvindo por um
instante.
J.O.:- Falando sozinho,
seu Lucas?... Arrependido? Deixa de ser idiota... Você tem tudo graças a mim...
Eu sou o teu senhor! Vem cá... beija os meus pés... Isso... Agora limpa a boca
e beija minha mão... Você era escravo? Ah! Ah! Ah! Você
não conhece o inferno... você não conhece o inferno... Sai daqui... me deixa
só... preciso pensar... preciso pensar!
Detetive Espencer e Tracy, com mais alguns capangas.
TRACY:- Eu lhe disse que
você não tinha competência para chegar ao maldito... Quase um ano e nada...
ESPENCER:-
Consegui uma testemunha... uma, não: duas! Ouviu, seu inglês de merda? Vou
arrancar delas toda a história... Você vai ver como trabalha um policial
brasileiro... Traga a primeira testemunha!
Os capangas trazem um homem, meio arrastado.
ESPENCER:- O que
o senhor sabe?
TESTEMUNHA:-
Nada... eu não sei nada...
ESPENCER:- Levem
esse cara daqui... já sabem o que fazer!
Os capangas arrastam o homem para fora, sob porradas.
ESPENCER:-
Tragam a segunda testemunha!
Os capangas trazem uma mulher.
ESPENCER:- O que
a senhora sabe? Fale.
MULHER:- Por favor, não me
obrigue... Eu não posso... eu não posso falar...
ESPENCER:- Levem
essa mulher daqui... Já sabem o que fazer...
Os capangas levam a mulher, sob porradas. Ouvem-se os
gritos das testemunhas sendo torturadas.
TRACY:- No meu país, nós
não torturar testemunhas...
ESPENCER:- No
meu país, nós torturamos
testemunhas...
TRACY:- Isso é idiota...
não leva a nada...
ESPENCER:- E
como vocês fazem, heim, sua bicha sabichona?... Dão chá com torradas para as
testemunhas?
TRACY:- Nós não torturar
testemunhas... elas falam no tribunal e nós, ó... Nós torturar a família da
testemunha... Se ela tem mãe... ótimo, se tem filhos... mulher, melhor ainda...
ESPENCER:- País
de primeiro mundo é outra coisa... tudo muito arrumadinho... Isso aqui não
funciona... Esses filhos-da-puta aí venderiam a própria mãe... e comeriam os
próprios filhos...
TRACY:- Você acha que
pega maldito com duas testemunhas... Bichona sabichona é você... e metida a
besta... Quando for jantar, ele já terá almoçado você...
ESPENCER:- Eu só
queria saber por que esse desgraçado veio parar aqui... com tanto lugar no
mundo pra se alimentar... principalmente em certos lugares que têm mais
tradição...
TRACY:- Então não vê?
Você é burro, mesmo... Nessa terra morre gente a toda hora... vida não ter
valor... Além disso, ainda tem caixinha...
ESPENCER:- O que você está querendo dizer, heim, seu
gringo... que aqui só tem ladrão?
TRACY:- Você é quem está
dizendo...
Um dos capangas, com um maço de papel na mão. Entrega
para Espencer.
ESPENCER:- Aqui
está tudo o que precisamos para pegar aquele safado...
TRACY:- Precisamos
estudar a nossa estratégia de ação...
ESPENCER:-
Estratégia... isso é coisa de boiola... Comigo estratégia é porrada, seu
gringo, porrada!
Consulta os papéis.
ESPENCER:-
Parece que é isso mesmo... O que você acha?
TRACY:- Confere com a
história do animal... Vamos ficar de campana para confirmar... Eu fico
primeiro...
ESPENCER:- Não,
senhor... quem fica sou eu...
TRACY:- O senhor já ter
feito muita burrada... todo cuidado agora ser pouco... eu ficar primeiro, e
pronto... o senhor obedecer... eu queixar superiores... queixar bispo...
queixar puta-que-pariu... ok? Did you understand me?
ESPENCER:- Tá
bom... tá bom... raio de gringo mais filho da puta... Mas olha aqui: se você me
ferrar, eu...
TRACY:- O senhor não
fazer nada... ficar na sua... que agora quem manda nesta porra de investigação
aqui sou eu... it’s me... it’s me! Sheet!
Tracy sai, com os capangas. Spencer fica só e pensativo.
Procura algo entre os papéis e pega o telefone.
ESPENCER:- Bom
dia!... Com quem estou falando, por favor?... Ah! Ótimo: é com o senhor,
mesmo... Aqui é o detetive Spencer... sim, ele mesmo... do Distrito... Sim, o
senhor é uma pessoa bem informada, pelo que vejo... Gostaria, sim... Não... não
é uma intimação, claro... é um convite... Estarei esperando... Por gentileza,
queira anotar o endereço..
Espencer acende um cigarro e aguarda. Toca a campainha.
Ele abre a porta e depara com J.O., extático.
ESPENCER:-
Fico-lhe grato por ter vindo, Senhor J.O....
J.O.:- O senhor não me
convida a entrar?
ESPENCER:-
Desculpe, senhor... É que aqui no Brasil, somos muito informais... Queira
entrar em meu humilde escritório, que é também a minha casa... Por favor...
J.O.:- Então, o senhor
deseja...
ESPENCER:- Não
quero ocupar o seu tempo... uma pessoa tão famosa... um grande empresário...
afinal, time is money, não é mesmo? Acho que o senhor prefere que eu vá direto
ao assunto...
J.O.:- Sem dúvida...
ESPENCER:- Pois
é, senhor J.O.... Vou tentar ser... desculpe o mau jeito... vou tentar ser
curto e grosso... Curto nas palavras e consistente no conteúdo... Estamos...
isto é, estou... conduzindo uma investigação, o senhor sabe, uma
investigação... vamos dizer... extremamente importante e... é, importante e
sigilosa... isso mesmo, segredo total... nossa equipe, o senhor sabe, é muito
competente... nada nos escapa...
J.O.:- O senhor disse
que iria direto ao assunto...
ESPENCER:- O
assunto... isso mesmo... o assunto... pois, é... nós estamos investigando um
assunto sigiloso... de segurança nacional, sabe? E seu nome, senhor J.O.,
surgiu no meio de um cipoal de denúncias... calúnias, claro... mas apareceu o
seu nome... sabe como é... às vezes, um inimigo desconhecido...
J.O.:- Inimigo?
ESPENCER:- ...
ou um falso amigo... o senhor sabe... uma pessoa influente como o senhor...
J.O.:- Quanto?
ESPENCER:- Como?
J.O.:- Quanto?
ESPENCER:- Ah!
sim... quanto...
J.O.:- O senhor é surdo
ou idiota? Quanto?
ESPENCER:- Coisa
à toa... um homem de posses...
J.O. assina um cheque e entrega para Tracy.
J.O.:- Isto basta?
ESPENCER:-
Nossa, seu J.O... e como basta... Não esperava...
J.O.:- Agora, vamos à
sua história... Tenho certeza de que o senhor não esquecerá nenhum detalhe, não
é mesmo?
Casa de J.O. Sara e Lucas. Sara arruma a sala de forma
nervosa, espanando, tirando uma coisa de um lugar e colocando em outro.
LUCAS:- Assim você se
arrebenta, Sara...
SARA:- Preciso fazer
alguma coisa... se não, o que vai arrebentar é o meu peito...
LUCAS:- Por favor, minha
irmã... nós sempre nos bastamos...
SARA:- Agora é tarde,
meu irmão... agora é tarde... O coração...
LUCAS:- Não fale, eu não
agüentaria...
SARA:- Só temos uma
saída...
Abre o vestido e mostra-lhe uma pistola, escondida no
seio.
LUCAS:- Não, Sara... por
mim... enquanto houver vida... nem pense nisto...
SARA:- Se eu me entregar
a ele... definitivamente...
LUCAS:- Eu morreria
também...
SARA:- Isso não é
vida... Me diz, Lucas... pode alguém continuar vivendo numa prisão dourada e...
LUCAS:- Não prossiga...
eu também me sinto assim...
SARA:- Assim... assim,
como, meu irmão? Me diz: o que você sente?
LUCAS:- Perdi você... e
estou perdendo também a minha dignidade... Não ouso confessar...
Entra J.O.
J.O.:- Silêncio... os
dois... não quero saber de sentimentalismos... Não têm de que reclamar...
Apenas cumpram... a vida que escolheram... E estejam atentos... estarei lá em
cima... Sabem o que fazer...
J.O. sobe. Sara e Lucas correm a limpar uma gota de
sangue que pinga de cima, sobre o assoalho. Toca a campainha. Lucas abre a
porta. É Tracy, que entra precipitadamente. Assusta-se ao deparar com Sara.
TRACY:- Por todos os
demônios... quem é a senhora? Não... não é possível... Estou ficando louco...
não pode ser... (Tenta recompor-se).
Preciso manter minha racionalidade. Isso só pode ser uma grande coincidência...
LUCAS:- O senhor é...
TRACY:- Detetive Tracy...
queira avisar ao seu patrão...
SARA:- J.O. está
repousando...
TRACY:- Não me interessa
o que ele está fazendo... seus... seus... escravos... Vão já avisar que eu
cheguei... se, não...
Do alto da escada, surge J.O., envolto em sua imensa capa
preta.
J.O.:- Um lorde inglês
perdendo a compostura!... Que coisa mais feia, meu irmão... ou devo dizer...
detetive Tracy, da Scotland Yard?
SARA e LUCAS:- Irmão?
J.O.:- Sim, meus
caros... apresento-lhes o meu irmãozinho mais velho... Se é possível dizer,
depois desses séculos todos, quem é realmente mais velho... Está conservado...
elegante como sempre... Travestido de detetive inglês, que Sua Majestade não o
veja...
TRACY:- Sem ironias, meu
irmão, sem ironias...
J.O.:- E com um nome
metido a besta: Tracy...
TRACY:- O que é um nome
se não uma contingência do tempo, não é meu irmão?
J.O.:- Mesmo inglês, entra em casa alheia sem
convite... Já se esqueceu da etiqueta?
TRACY:- Faz cem anos que
te procuro... pra te encontrar neste buraco...
J.O.:- Deste buraco para
o mundo, meu caro...
TRACY:- É o que
veremos...
J.O.:- Velhas cobranças,
meu irmão... ou o acerto de contas... final?
TRACY:- Minhas buscas
nunca são inúteis.
J.O.:- Manda a boa
educação que tratemos bem as visitas... mesmo as indesejáveis... Meu caro
Lucas, sirva ao nosso visitante uma taça de vinho tinto... tinto de... Ou
prefere algo mais forte, meu irmão? Além das emoções do reencontro, é claro...
Todos são servidos. Tracy, durante esse tempo, volta a
encarar Sara.
J.O.:- Notei seu
interesse em Sara...
TRACY:- Como... como você
encontrou...
J.O.:- Assustador, não é
mesmo?
TRACY:- Traz... muitas...
J.O.:- Lembranças...
TRACY:- Dores... ódios...
J.O.:- Temperados ao
longo de dois mil anos...
TRACY:- Não vou te
perdoar, nunca...
J.O.:- Seu perdão é
pó... é nada... E seu ódio não vale o vinho que você está tomando...
TRACY:- Só o sangue pode
apagar o seu crime.
SARA:- Vocês... vocês
são mesmo irmãos?
TRACY:- Mande embora daqui
os seus escravos... Nossa conversa é particular.
J.O.:- Eles não são
escravos e não vão sair daqui... principalmente Sara... Somos irmãos, sim, como
você e Lucas... e temos também uma história complicada no passado...
TRACY:- Complicada? Você
continua o mesmo cínico...
J.O.:- Veja bem o rosto
de Sara... um rosto de dois mil anos... Não é incrível?...
TRACY:- Minha mãe...
J.O.:- Nossa mãe! Sara,
conte... conte para esse imbecil a sua história... Vamos, conte...
SARA:- Não! Pelo amor de
Deus, não... não posso...
LUCAS:- Que história?
Você contou pra ele a nossa história...
SARA:- Não... não posso...
eu não agüentaria...
J.O.:- Olha bem para
mim... vamos, acalme-se... Isso... Agora fale... Talvez Lucas te odeie por
isso... mas não importa...
TRACY:- Vamos parar com
essa pantomima absurda... Esses... esses... aí não têm nada a ver com nossos
ódios...
J.O.:- Cale a boca e
ouça... Vamos, Sara, fale...
SARA:- Que Deus me
perdoe... Éramos jovens – eu e o Lucas – e temíamos que nossos sentimentos...
nosso amor... pudesse atrair desgraças... Morávamos com nossa mãe num
barraco... Um dia, Lucas saiu para beber e reencontrou nosso pai, que vivia há
muitos anos distante de nós... Beberam muito aquela noite... e os dois vieram
para casa... Papai e Lucas são muito parecidos... Lucas desabou e nosso pai
procurou mamãe... os dois discutiram... discutiram feio... Acordei com ele –
não sabia se era Lucas ou papai – no meio da noite – no escuro... ele batia em
mamãe com um objeto qualquer – gritei, ele fugiu... quando Lucas acordou da
bebedeira, eu estava sobre o corpo de mamãe... sem sentidos... com o travesseiro
sobre o seu rosto... não sei... não sei o que aconteceu... Só ficou a imagem de
Lucas batendo... batendo... batendo... e ele, o Lucas, pensou que eu é que
havia matado nossa mãe... Nos acusamos até hoje... nos amamos e nos odiamos até
hoje... Eu nunca acreditei nele e ele nunca acreditou em mim... só ficou nosso
pacto... de não contar nunca essa história pra ninguém... ficou sendo o nosso
castigo...
J.O.:- Está bem... se
acalme... não chore... Há mais de dois mil anos essa mesma história aconteceu...
desse mesmo jeito, envolvendo... você sabe... Você sabe e você guarda até hoje
o seu ódio, detetive Tracy, que acha que sabe tudo... Você não sabe nada...
TRACY:- Fiquei
comovido... muito comovido... com essa palhaçada! Você não me engana, Judas,
meu irmão Judas... que alguém um dia deu a alcunha de O Obscuro... Judas, o
Obscuro... Tão obscura é a sua vida quanto a sua explicação para o crime... E
pensar que um dia... um dia nós nos amamos... que eu te amei... J.O. ... Ah! Ah! Ah! É patética sua tentativa de me comover com alguém
que tem o mesmo rosto de nossa... de minha mãe... Você não me engana... nunca
enganou... E agora eu vou te destruir para sempre...
Tracy e J.O iniciam uma luta de poderes, cada um tentando
morder o outro ou destruir o outro. Essa luta deve ser meio ridícula. Depois de
alguns instantes, com os dois já cansados, Lucas, que havia saído no começo da
luta, volta com um pizza de alho e coloca-a entre os dois. Ambos se afastam
enojados.
TRACY:- Tira essa droga
daqui... odeio cheiro de alho...
J.O.:- Você me paga, seu
Lucas... você prometeu... Argh!
LUCAS:- Não sei por que
esses dois boiolas odeiam tanto alho...
TRACY:- Coisa de
família...
J.O.:- Nossa mãe...
obrigava-nos a comer alho...
TRACY:- Dizia fazer bem
para o sangue...
J.O.:- Tira essa droga
daqui... Nós não vamos lutar mais... É inútil... essa briga...
Lucas joga longe a pizza.
J.O.:- Tenho um presente
para você... Para lhe provar que não guardo ódio... Você está em jejum há muito
tempo... para me enfrentar... guardando suas forças... Veja...
A um sinal de J.O., Lucas desce o corpo de Espencer,
preso pelos pés, ensangüentado, mas ainda vivo. Tira-lhe a mordaça e ele grita.
TRACY:- O que esse
imbecil está fazendo aí, como um presunto?...
J.O.:- Um presunto
apetitoso... Tive de lhe dar uns trancos... Mas ainda tem muito sangue...
Sirva-se...
ESPENCER:-
Socorro, detetive Tracy... só você pode me salvar... Me salve, me tire daqui...
esse monstro quer me matar...
TRACY:- Sangue... um
vinho tinto de sangue... Não, não posso...
ESPENCER:- Pode,
sim... pode...
J.O.:- Tanto pode que
você já está salivando... Vamos, ele é todo seu... E veja como ele está
assustado... o sangue cheio de adrenalina... Um presente de seu irmão... talvez
o último...
TRACY:- O último... presente...
seu, desgraçado... Eu... eu...
Tracy lança-se sobre o corpo de Espencer, que grita e
esperneia. Levanta-se triunfante, ao último suspiro de sua vítima.
J.O.:- Muito bem, meu
irmãozinho... eu sabia que você não resistiria... Satisfeito? Agora enfie sua
mão no bolso do... do seu amiguinho... e veja o que tem dentro...
Tracy tira um cheque. Abre-o, espantado.
TRACY:- O que é isso? Um
cheque... de valor tão alto...
J.O.:- Leia o nome do
beneficiário...
TRACY:- Espencer...
detetive Espencer... e essa é a sua assinatura... Eu não entendo...
J.O.:- O preço que eu
paguei para esse desgraçado te trair, meu irmão... Você se alimentou daquele
que te traiu... do sangue de um traidor... Lembra? O sangue de quem nos ama nos
fortifica, mas o sangue de quem nos trai nos enfraquece... Toda a sua força
acumulada, para me destruir... puf!... virou fumaça... acabou... Você está
derrotado, meu irmão... Como você entrou na minha casa sem pedir licença, e
mais: sem que eu, o dono da casa, permitisse... posso expulsá-lo... ou
destruí-lo... Como somos irmãos, meu caro Tracy, vou apenas expulsá-lo... pois
somos os dois últimos de nossa espécie... não podemos destruir um ao outro...
Vai... Vai embora daqui e agradeça eu ser a favor da preservação das espécies
ameaçadas... agradeça o meu espírito ecológico... Fora! Fora!
J.O. expulsa o irmão. Lucas leva para fora o corpo de
Espencer e Sara coloca a sala em ordem.
J.O.:- Estou fraco...
muito fraco... fogem-me as forças...
SARA:- Você precisa se
alimentar...
J.O.:- O inferno está
cada vez mais forte dentro de mim, perco os sentidos aguçados que tinha...meu
pensamento voa para coisas proibidas... carne... carne humana.. Não mais me
basta o sangue... por mais adrenalina que ele contenha... preciso de carne...
carne fresca... O cheiro do corpo morto... estava me enlouquecendo...
SARA:- Eu me ofereço...
J.O.:- Não, Sara, teu
sangue não me alimentaria... você não me teme...
SARA:- Mas eu te amo!
J.O.:- Ama? De verdade?
Apesar do monstro que sou, você me ama? E Lucas?
SARA:- Lucas
desconfia... mas ele também...
J.O.:- Não fale mais...
eu preciso de você... Talvez, a salvação no seu... amor... Não aqui... vamos
nos encontrar... Lucas está vindo... Vamos nos encontrar longe daqui... Eu...
eu te prometo...
SARA:- Não prometa o que
você não pode cumprir... Vamos nos encontrar, sim...
Sara e J. O. se encontram. Não percebem que Lucas os
seguiu.
SARA:- Eu
te amo, J. O. Mata-me, mas eu te amo...
J. O. :- Pensei
muito: os meus sentidos estão mudando e não quero mais pagar o preço... Você
tem de me esquecer... Eu tenho de te esquecer...
SARA:- Eu pago o preço... já disse... não quero
viver, se não posso ter o seu amor...
J. O. :- Teu
amor é egoísta... não pensa no tanto que vou sofrer se não te esquecer...
SARA:- Sofrimento? Não vê que sou eu que sofro com
seu desprezo? Não vê que a eternidade será breve para tanto amor?
J. O. :- Eternidade... o que sabe
você da eternidade? Sua eternidade dura quanto? Sessenta anos? Oitenta, se você
viver cem anos? O que sabe você do tempo que não passa nunca? Me diz... o que
uma mulher de vinte anos pode entender dos mistérios do tempo?
SARA:- Não importa... Se você não me amar, a
eternidade durará para mim o minuto seguinte de sua recusa... Eu me matarei...
Juro, juro por tudo quanto é mais sagrado: eu me matarei no minuto mesmo que
você disser que não me ama... Vamos, diga que não me ama... Diga...
J. O. :- Nunca
ninguém me obrigou a dizer o que eu não quero...
SARA:- Obrigo eu, agora: diga que você não me ama...
J. O. :- Você só exige que eu
negue porque você não entende de solidão... você não entende da saudade eterna que seres como eu cultivam...
Você não entende das metamorfoses de meus sentidos... do mal que corre em
minhas veias e aumenta a cada gota de sangue que alimenta meu ser... a tal
ponto que o próprio sangue começa a ferver em minhas veias... sempre e
sempre...
SARA:- Eu conheço tudo de você... e seus enigmas não
satisfazem minha paixão...
J. O. :- Paixão... paixão é fogo e fogo se apaga...
Vai... Deixe-me só... Não posso te amar... Meu amor é maldição...
SARA:- Maldição é não ter o seu
amor!
Num gesto de desespero, Sara atira-se aos braços de J.
O. Beijam-se alucinadamente. J.O.
desvencilha-se, a custo.
J. O. :- Não! Não posso trocar
tua curta vida pela eternidade de meu sofrimento...
SARA:- Não te entendo...
J. O. :- Não
é preciso me entender... apenas me deixe...
SARA:- Você me chamou de
egoísta... Quer maior egoísmo do que o seu, J. O. ? Expulsar-me assim? Veja: se
não posso ser sua, você vai sofrer a minha morte...
Sara abre o vestido e tira do seio uma pistola. Aponta-a
para sua própria cabeça.
J. O. :- Não! Não! Mil vezes não!
SARA:- Então... você me ama?
Vai dizer que me ama?
J. O. :- Eu
te amo... eu te amo... E odeio-me por isso... Meu amor, eu me arrependerei de
qualquer forma...
Eles se abraçam. J. O. beija-a, Sara desfalece e larga
lentamente a arma. J. O. dirige seus
dentes pontiagudos para o seu pescoço. O grito e o salto de Lucas na vã tentativa de evitar o beijo não
impede o acasalamento, pois o vampiro, fora de si, com um gesto descomunal,
joga-o longe. Sara está morta. O vampiro solta sua vítima, senta-se a seu lado
e chora .Lucas recobra os sentidos.
LUCAS:- Maldito... seu verme filho da puta... você
matou minha irmã... Eu vou te matar, seu filho da puta...
J. O. :- Se pudesses... se pudesses matar-me...
Lucas, desesperado, pega a pistola da irmã e descarrega-a
no peito de J. O.
J. O. :- Valeu a intenção, meu
amigo, valeu...
LUCAS:- Não me chame de amigo!
Minha irmã... você matou minha irmã... você matou a vida de minha vida... vou
te odiar para sempre... e vou achar um meio de te matar...
J. O. :- Teu sofrimento, meu
amigo, durará o tempo de sua vida... E qual é o tempo da minha vida?
LUCAS:- O tempo de sua vida... o
tempo de sua vida... será o tempo que eu vou levar para te matar...
J. O. :- Com
o quê pretendes matar-me? Diga... com o quê?
LUCAS:- Bala de prata... bala de prata mata vampiros...
J. O. :- Veja...
veja quantas balas de prata eu colecionei...
(tira do bolso um punhado de balas e joga-as para Lucas). Todas elas foram
tiradas por mim mesmo de meu coração... se é que ainda tenho coração...
LUCAS:- Coração... coração... estacas no coração!
J. O. :- Eu mesmo já me atirei
contra estacas... e nada... A pior morte é viver para sempre e esta é a minha
condenação...
LUCAS:- Vírus da AIDS... é isso! Injetarei em teu
sangue uma dose bem grande de sangue contaminado...
J. O. :- Já o fiz... e várias vezes... E nada... o
vírus desapareceu por encanto de meu organismo... Inútil, meu querido amigo...
LUCAS:- Não me chame de amigo...
J. O. :- Você tem sido o único amigo, nesses últimos
duzentos anos... de solidão... Eu sabia que
não podia amar sua irmã... mas foi mais forte o instinto... de
preservação... Só ela podia me salvar... de males maiores... E ela me salvou!... com sua vida!... e quem vai sofrer? Eu! Ouviu? Sou eu quem vai
continuar vivendo... por séculos e séculos... pensando nela... pensando nela...
e pensando em mil outras que eu amei... e lembrando de cada uma... de cada ser
que me foi querido... faz mais de dois mil e duzentos anos... e eu ainda lembro
de minha irmã... de minha mãe... Você sabe o que é ter dois mil anos de saudade
da mãe? Sabe? Você, Lucas, sofre pela sua mãe há cinco... Cinco anos! O que são
cinco anos diante de dois mil... dois mil e duzentos... sei lá!.. E sofro mais:
por dezenas, centenas de pessoas que eu amei... a quem eu quis... amigos... em
todas as épocas... E as mulheres que eu amei!? Cada gozo de amor, um cadáver!
Sou um imenso cemitério de tesões e de amores... E agora, Sara... Sou um monstro, sim... um monstro... de dor,
de sofrimento... que não pode morrer... que não pode morrer nunca... A
eternidade é a minha maldição... Quantas Saras ainda? A minha loucura é tanta
que, se Deus existisse, somente ele poderia me analisar... Entendeu, agora, seu
estúpido, entendeu por que, mesmo que eu quisesse, eu nunca poderia te dar a
eternidade? Adeus. Volto a ser aquilo que sempre fui: o Obscuro. Judas, o
Obscuro.
J. O. ergue-se lentamente, cobre-se com sua capa
negra e afasta-se.. Um efeito de luz
projeta sua sombra imensa. O vampiro desaparece. Lucas ergue o cadáver da irmã,
enquanto um bloco carnavalesco passa e envolve-o. A voz de Lucas, desesperada,
sobrepõe-se à musica alegre.
LUCAS:-
J. O. ! Espere! Espere, J. O. ... não me deixe só...
mesmo que me mate, eu quero ser sua próxima vítima!... Eu quero ser sua próxima
vítima!...
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