ISAIAS
EDSON
tel.(11)5011-9628
SBAT – 34.000
O POÇO
RESUMO
Uma comédia que “homenageia” o quinto
centenário do descobrimento do Brasil. Chatim e Velasco, famintos e
maltrapilhos, chegam ao País do Fundo Poço. Velasco torna-se rei, mas não
governa, o que não impede de tentar ser “comprado” pelos poderosos de plantão:
o presidente, seu filho e seus ministros, que estão no poder desde que existe o
País, eternos que são. Além de tentar sair do País do Poço, Chatim ainda tem
que resolver uma antiga pinimba com seu amigo Velasco. Acaba contando com a
ajuda da Zarolha, ministra do Reino do Poço que caiu em desgraça e tem sua
cabeça a prêmio.
PERSONAGENS
1. CHATIM E VELASCO: dois
andarilhos; amigos de peripécias, mas não muito.
2. ZAROLHA: ministra de
assuntos materiais do País do Poço. É a ministra que tudo vê. Veste-se de forma espalhafatosa e tem fama de
devassa.
3. PADRE PASTOR: metade
padre, com batina e tudo e metade pastor, com terno normal. O padre tem sotaque
alemão e o pastor, sotaque americano. São ministros dos pobres e dos
miseráveis, no país do Poço. Só se entendem em assuntos financeiros . Pode ser interpretado por um único ator ou
por dois atores num só corpo de duas cabeças.
4. PRESIDENTE: governa o
País do Poço desde a sua existência, eterno que é. Veste-se de forma
extravagante e é extremamente autoritário.
5. ANCIÃO: filho do presidente, também é imortal. Como não
tem o poder, envelhece. Por isso, parece muito mais velho que o pai.
6. CHEFE DE POLÍCIA e
SOLDADO.
SBAT
34.000
AUTOR
ISAIAS EDSON SIDNEY
RUA DOS BURITIS, 251 –
JABAQUARA, SÃO PAULO – SP
CEP. 04321-001
TEL. 5011-9628
1.
LEITURA DRAMÁTICA: 3 DE DEZEMBRO DE
1996, NO TEATRO DA PRAÇA
Elenco (por ordem
de entrada)
MARCELO GALBETTI (narração)
LUÍS SERRA
(Velasco)
ALDO BUENO (Chatim)
FERNANDO NEVES (Padre)
REINÚNCIO NAPOLEÃO DE LIMA (Pastor)
RENATO DOBAL (Ancião)
ALZIRA ANDRADE
(Zarolha)
FRANCARLOS REIS (Presidente)
PAULO POMPÉIA (Chefe
de Polícia)
PAULO JORDÃO (Soldado)
DIREÇÃO: ERALDO RIZZO
(Cenário:
uma charneca com algumas grandes pedras ao fundo. À frente, um poço e um grande
trono. Sobre o poço, uma cabeça humana ensanguentada e coroada. Varas compridas
ostentam na ponta várias outras cabeças humanas. Há vestígios de luta. Escudos,
lanças e espadas estão espalhados pelo chão, mas não há nenhum corpo. Entram
Velasco e seu escudeiro Chatim, ambos maltrapilhos e maltratados. Velasco
cavalga um cavalo de pau).
VELASCO:-
Vamo, sua mula idiota! Vamo!
CHATIM:-
Num dianta! Empacô de novo!
VELASCO:-
Disgraçada! Eu ti mato!
CHATIM:- Oia,
Velasco! Qui lugá isquisito!
VELASCO:-
Tem comida?
CHATIM:-
Cabeça de gente é comida?
VELASCO:-
Cum a fome qui eu tô... Epa! O qui é isso, sô?! (Cai da “mula”).
CHATIM:-
Acho qui é a cabeça de um rei...
VELASCO:-
Cumo é qu’ ocê sabe qui é um rei?
CHATIM:-
Uai! Rei num tem coroa?
VELASCO:-
Tem! Ou rei tem rainha?
CHATIM:-
Qui rainha qui nada! Rainha é qui tem rei!
VELASCO:-
Qui diacho é isso?
CHATIM:-
Uai! Rainha tem o rei na barriga!
VELASCO:-
Num seje burro, Chatim! Quem tem rei na barriga é a sinhora mãe do rei! Ô
xente!
CHATIM:-
Mais num é? E a mãe do rei num é rainha? Ô Velasco! Tu tá ficando de miolo
mole! É fome!
VELASCO:- Uma fome do cão! E o qui aparece pra nóis
cumê é só uma cabeça coroada!
CHATIM:-
Nóis tá é ferrado!
VELASCO:- Fudido mermo!
CHATIM:-
Ocê é o chefe! O qui nóis faiz?
VELASCO:- Cumê cabeça di gente nóis num pode...
CHATIM:-
Inda mais de rei!
VELASCO:- Ô
Chatim! E cadê o corpo dessa cabeça? Será que esse rei era só cabeça?
CHATIM:- E
cumé que ele subiu no poço? Será que um dragão comeu o corpo dele?...
VELASCO
(tremendo):-
Num fale em dragão... eu me cago de medo de dragão!
(Os dois olham ao
derredor, até que Chatim descobre as cabeças nas pontas das varas).
CHATIM:-
Meu amo e sinhô Velasco! Nóis já passou muntcho aperto junto, muntcha aventura
e disventura! Mais, meu amo, nóis nunca viu coisa iguar... é o capeta! Num oia,
meu amo! Num oia!
VELASCO:-
Num oia o quê, seu fio de uma égua! Inté parece um boiola falando desse jeito!
Ficô loprado? Ou tu viu um dragão?!!
CHATIM:-
Pió! Pió que dragão! Eu tô é mi mandano! Passá bem, meu amo sinhô Velasco!
(Chatim ameaça sair
correndo, mas é seguro por Velasco).
VELASCO:-
Seu froxo! Tu fica e me conta o que tu viu! Eu acabo com tua raça!
CHATIM:-
Dispois num diga que num avisei!
VELASCO:-
Fala logo, seu fio de uma mula!
CHATIM:- Ó... ó... oia lá!
(Velasco depara
com as cabeças e solta um berro de
susto. Os dois saem correndo, mas por mais que se esforcem, não conseguem sair do lugar).
VELASCO:-
Corre, sua anta!
CHATIM:-
Tô correndo, minha anta!
VELASCO:-
Ocê me arrespeite...
CHATIM:-
Eu... vô... dismaiá...
VELASCO:-
Num seje... doidjo...
CHATIM:-
Nóis tá correno pru quê?
VELASCO:-
Qui coisa!... As cabeça tão correno cum nóis...
CHATIM:-
Eu... vô... eu vô... dismaiá...
VELASCO:-
Eu... eu... tamém...
(Os dois desmaiam,
caindo um sobre o outro numa posição ridícula. Sai do poço uma mulher e coloca
ao lado deles um prato com frutas e volta para o poço, levando o cavalo de pau.
Eles acordam).
VELASCO (empurrando Chatim):- Sai pra lá, fio de
uma jumenta!
CHATIM
(vendo o prato de frutas):- Minha nossa! Murri... tô no paraíso!
VELASCO:-
Tá vendo coisa, diacho?
CHATIM:-
Oia... oia só, chefe! Cumida!
(Os dois se
engalfinham para pegar as frutas e comem sofregamente. Saciados, tomam
consciência de onde estão).
VELASCO:-
Agora vam’bora... Cadê a mula!
CHATIM:- A
dianha fugiu, chefe!
VELASCO (assobia e recebe de volta um relincho vindo
do poço):- Caiu no poço! Caiu no poço!
CHATIM (imitando):- Caiu no poço! Caiu no poço!
(Recebe uma bordoada de Velasco).
Ai... ai... ai... num mi bate, num mi bate... é qui num guentei... o sinhô meu
amo paricia muié veia gritano... caiu no poço... (recebe outra bordoada e se aquieta).
VELASCO:-
Cumé qui vamo tirá a mula do poço?
CHATIM:-
Premero ocê tira a cabeça...
VELASCO:-
Eu vô é tirá a sua cabeça, seu fio de uma besta!
CHATIM:-
Nonada, chefim... é tirá a cabeça de em riba do poço...
VELASCO:-
Tira ocê! Aqui quem manda sô eu!
CHATIM:-
Sobrô pra mim... eu sabia... (aproxima-se
do poço, examina a cabeça entre mil trejeitos de medo e curiosidade). Oia a
coroa, chefim! É de ouro!
VELASCO:- É
minha!
CHATIM:-
Pois intão pegue!
VELASCO:-
Eu não! Pegue ocê!
CHATIM:-
Si eu pegá, é minha!
VELASCO:-
Uma ova! Ocê é meu! Si ocê pegá a coroa, ela é minha!
CHATIM:-
Tá bem... Qui saco! (pega a coroa com
muito medo e vai se afastando lentamente até chegar perto de Velasco).
Tuma! É sua! O qui qu’eu faço?
VELASCO:-
Lugar de coroa é na cabeça! Vamo! Bota na minha cabeça! Eu vô sê rei!
CHATIM:-
Ocê só pensa em mandá... em ficá rico...
VELASCO:-
E
ocê... só pensa em quê?
CHATIM:-
Liberdade, Velasco: num dianta sê rei... tê ouro... é priciso sê livre como o
vento... como o fogo-pagô... até como os dragão...
VELASCO:-
Bestagem, Chatim... Com os ouro, eu enfrento inté dragão!
CHATIM:-
Ocê inda vai se daná, Velasco...
VELASCO:-
Bota essa coroa aqui no meu bestunto... anda...
(Chatim, a
contragosto, coloca a coroa na cabeça de Velasco. Ouve-se um grande estrondo e
sai do poço uma nuvem de fumaça. Quando tudo clareia, a cabeça sumiu e estão
presentes:
1.
Padre Pastor - metade padre, com batina e tudo e metade pastor, com terno normal. Também o
rosto é duas cores e quando fala o padre, tem sotaque alemão; quando fala o
pastor, seu sotaque é americano. As duas personalidades não se entendem muito
bem, exceto em problemas de dinheiro. São, respectivamente, ministro dos pobres
e ministro dos miseráveis, o que também não é muito claro. Nas rubricas,
aparecerão ora como Padre ora como Pastor;
2.
Zarolha - ministra dos assuntos materiais. Veste-se de forma espalhafatosa e
tem fama de devassa;
3.
Ancião - presidente do conselho do Reino. É meio gagá e, às vezes, não diz
coisa com coisa. Filho do presidente, é imortal.)
CHATIM:-
Sua benção, meu padim! (Beija a mão do
padre).
PADRE:- O
Senhorr te abencoe, querrido filho...
PASTOR:- A
paz de Deus, irmão...
PADRE (para o Pastor): Querr parrarr? Não vê
que ele beijou meu anel?
PASTOR (irritado): Dever ser mais um puxa-saco
de padre...
VELASCO (falando de forma afetada):- Quem são
vocês? O que querem no meu reino?
CHATIM:-
Ih! Acho que o Velasco tá abilolado (faz
um gesto de maluco).
ANÇIÃO:-
Salve, ó Rei dos reis! Somos os seus súditos do País do Poço!
(O
Padre Pastor e a Zarolha olham espantados para o ancião).
CHATIM:-
Rei?!... Súdito?!... País do Poço?!... Que diacho de bestagem é essa?
VELASCO (ameaçando dar-lhe uma bordoada):- Cala a
boca, seu pascácio... seu patureba... seu papa-sururu idiota...
CHATIM (já de longe, todo corajoso):- Posso sê
tudo isso qu’ocê falô... mas papa-sururu, não... que num sô alagoano e ocê sabe
disso... (como seu protesto é ignorado,
permanece longe, tentando ouvir a conversa e fazendo micagem a cada frase do
Velasco).
ANCIÃO (lendo um pergaminho):- Viemos trazer as
boas vindas do povo do País do Poço ao seu novo rei.
VELASCO:-
Então... eu sou mesmo o vosso Rei?!
ZAROLHA:- Não só o nosso Rei, mas senhor absoluto de
tudo quanto existe no País do Poço!
VELASCO:-
Mas onde, ó meus caros súditos, fica esse País do Poço?
ANCIÃO:-
No Poço do Fundo...
ZAROLHA:-
Não... no Poço sem Fundo...
PADRE:-
Querr dizerr, no Fundo do Poço...
PASTOR:-
Quer dizer, no Fundo do Poço...
VELASCO:-
Onde quer que fique, deve ser um belo país... com muitas riquezas...
PADRE:- O
mais rico!
PASTOR:- Riquíssimo!
ZAROLHA:- O mais belo!
ANCIÃO:- O
mais... o mais... o mais... mais!
ZAROLHA (cochicha para o Padre Pastor):- O velho
já era!
VELASCO:- E
é esse vosso... nosso... país, uma terra de abastança?
ANCIÃO:-
Não só de abastança como de grande abundância!
PADRE (cochicha para a mulher):- Tá cada dia
piorr! (Para Velasco). Pode-se dizerr
que lá ninguém lambe embirra...
PASTOR:-
Embira... seu idota... embira...
VELASCO:-
Como?!
ZAROLHA:- Ninguém passa fome... tá todo mundo bem de
vida...
ANCIÃO:-
Nos palácios!
PADRE (cutucando o ancião):- Cala a boca...
PASTOR (para Velasco):- O ancião quer dizer que
todo mundo mora em palácio...
ANCIÃO:-
Explorando o povão! (Recebe um beliscão
da Zarolha). Ai, sua puta!
ZAROLHA (disfarçando, exagera um requebro):- Dançando
um sambão... comendo fruta... muito pão... pouca luta...
VELASCO:-
Quero ir já para esse país... tomar posse do meu trono... governar...
enricar... (procura Chatim). Cadê o
meu escudeiro? Chatim!! Seu tempo de lambe-bosta acabou! Vamos, seu filho de uma
pichorra!
(Chatim se
aproxima, desconfiado. Eles ameaçam entrar no poço. São detidos pelo Padre
Pastor e pela Zarolha).
ZAROLHA:-
Esperem! Vamos com calma...
PADRE:-
Existem algumas regras...
PASTOR:-
Existem algumas regras...
VELASCO:-
Ousam contrariar o Rei? Mandarei açoitá-los!
ZAROLHA (para o Padre Pastor):- Ih! Já vi que
esse vai dar trabalho!
PADRE (para a mulher):- A gente dá porrada
nele... (Para Velasco) Meu Rei e
senhorr! Nosso país tem quase quinhentos
anos...
ANCIÃO:-
De sacanagem...
PASTOR:- ...de viadagem... de viagem, prezamos nossa
realeza e tradição, por isso...
ANCIÃO:-
Ocê tá fudido!
PADRE:-
Fazemos um pedido, isto, um pedido, a vossa alteza...
ANCIÃO:-
Lá vem embromação!
PASTOR:-
Em nome da tradição...
ANCIÃO:-
Mais um que vai ser enrolado...
PADRE:-
...mais um que vai ser enrrola... Não! Chega! (Para a mulher) Ele passou dos limites...
PASTOR:- Eu bem que não queria trazer esse traste...
VELASCO:- O
que está acontecendo com esse homem?
ZAROLHA:-
Ficou gagá... e virou politicamente correto...
PADRE:-
Só falta, agorra, ele reclamarr aposentadorria...
ANCIÃO:-
Aposentadoria? Uma miséria... uma miséria... uma miséria...
ZAROLHA:- Agora não falta mais... Vamos fazer o que tem
de ser feito...
VELASCO:- O
que vão fazer com ele?
PADRE:-
Veja...
(O Padre Pastor e a
Zarolha levam o ancião até a beira do poço, enquanto ele continua repetindo
“uma miséria”, sentam-no na beirada e empurram-no. Ouve-se o barulho da queda e
um relincho de mula. Velasco corre até a beira do poço).
VELASCO (volta a falar como antes):- O qu’ocês
fizero c’a minha mula? Eu vô descê...
PADRE:-
Não se atrreva!
VELASCO:-
Eu num sô o rei dessa joça, num sô?!
PASTOR:-
Mas não pode descer...
CHATIM:- A
mula... ó... babau... foi-se... finou-se... era uma vez...
VELASCO:-
Quero a minha mula... a minha pichorra teimosa...
CHATIM:-
Teimosa como uma mula!
(Velasco ameaça ter
um ataque histérico. O Padre Pastor dá-lhe um safanão e a Zarolha, um bofetão.
Ele volta ao estado de “rei”).
CHATIM:-
Eita porra de rei! Agora já sei : se vié
com fanfarrice pra riba de mim, dou-lhe uma fubecada no meio da oreia!...
VELASCO (ainda meio tonto):- Por que os senhores
mataram o velho? Podem me dizer?
PASTOR:-
Ele não morrer...
PADRE:-
Ele ser durro...
ZAROLHA:-
Pra jovem que reivindica, a gente mente... promete... promete... e não cumpre!
PADRE:-
Pra adulto que reivindica, a gente mostra dinheirrinha...
PASTOR:-
Compra... compra... e não paga!
VELASCO:-
Se eles insistem?
ZAROLHA:-
Levam porrada! (Disfarça, tossindo).
PASTOR:- Levam porrada...
Aleluia...
PADRE:- Levam porrada... (faz o sinal da cruz).
VELASCO:-
Mas... e o velho?
PADRE:-
Velho tem cabeça durra...
PASTOR:-
Non pode dar moleza...
ZAROLHA:-
Velho é só... Deixa pra lá... Agora vamos às questões do reino... Padre, por
favor.
CHATIM:-
Ih! O coió agora vai caí em cunversa de padre! Tá memo fudido!
PADRE (todo melífluo):- Majestade! O povo do
Poço sem Fundo, ou melhorr, do Fundo sem Poço... Não! Do Fundo do Poço tem a
grata satisfação de tê-lo como Rei Velasco Primeirro...
PASTOR:-
Primeiro e Único, diga-se de passagem...
VELASCO:-
Obrigado, Padre! Obrigado, Pastor! (Ameaça
entrar no poço). Agora vou atrás da minha mula...
ZAROLHA:- Não! Segura ele, Padre Pastor!
PADRE PASTOR:- (segurando Velasco e depois desculpando-se):- Majestade! Há algumas
regras...
PASTOR:- A
primeira delas é que o soberano não pode, nunca, jamais, em tempo algum, nem
por um instante...
CHATIM:- Que
mixórdia... que bruzundanga...
PADRE:-
...entrarr no poço.
VELASCO:-
Como eu vou poder governar o meu povo?
ZAROLHA:-
Segundo a nossa Constituição, o rei reina mas não governa.
CHATIM:-
Aí tem cambalacho... e dos grandes...
VELASCO:- O
que quer dizer com isso?
CHATIM:-
Que o gabola do Velasco num manda por... caria nenhuma.
PADRE:-
Vossa majestade terrá o poderr...
PASTOR:-
Não! Não, seu burro... Será o símbolo do poder!
CHATIM:-
Quanta patacoada!
VELASCO (tendo uma recaída):- Tô zureta... num tô
entendendo nada... (leva outra porrada do
padre).
CHATIM:-
Que bumbada!
ZAROLHA:-
Essa conversa já foi longe demais! Chega! Olha aqui, Majestade, tá tudo escrito
no livro debaixo do trono... leia, se quiser... Só não entre no poço, tá bem?
PADRE:- E
aqui está uma binóculo, pra Vossa Majestade verr bem de longe palácio da goverrno...
PASTOR:-
... e não enxergar o que se passa por lá... Passar bem!
VELASCO:-
Esperem... Quem são vocês? Como posso chamá-los?
PADRE:-
Eu sou o ministrra dos pobres...
PASTOR:-
Non, non... seu burro... eu é que ser o ministro dos pobres... Você ser
miserável...
PADRE:-
Miserrável... é você...
ZAROLHA:-
Parem com isso! Eu sou a Zarolha... ministra que tudo vê... (Para Chatim) E você é uma gracinha...
PADRE:-
Se precisarr de nós, assobie...
PASTOR:-
Quem sabe a gente escuta?
(Desaparecem no
poço).
CHATIM:- Oia
aqui, Velasco, ocê já abiscoitou um belo acepipe: tá aí dando uma de rei, numa
boa... Ocê bem que pudia me dá é minha liberdade... já tô cheio dessa
brincadeira... Já perdeu a graça...
VELASCO (enquanto Chatim falava, ficou virando o
binóculo na mão, sem saber o que fazer com ele):- Meu fiel e nobre
escudeiro, que objeto estranho é esse que meus súditos me deram de presente?
CHATIM:-
Ih! O home tá pra lá do bumba-meu-boi... atoleimou de vez...(vai por trás de Velasco e dá-lhe com um pau
na cabeça).
VELASCO (recuperando-se):- Seu fio de uma besta...
Sô rei e seu amo por direito, seu... seu... bandalho... patife... (Ameaça aplicar uma surra em Chatim).
CHATIM (protegendo-se atrás do trono):- Carma...
carma... meu amo e sinhô Velasco... Eu só quiria...
VELASCO:-
Quiria, nada... Tem liberdade coisa nenhuma não... ocê perdeu... ocê cumpre...
inté o fim... Num se fala mais nisso... Ora, onde é que já se viu uma coisa
dessa... Escravo! Vem aqui já me explicá que diacho é isso..
CHATIM:-
Tá bão... tá bão... Isso aí, seu Velasco, é binoco... quando nois passemo lá
naquela cidade que tem cachoeira, uma xiririca enorme... lembra?... eu inté
comprei um... que perdeu, é verdade...
VELASCO:-
Mas pr’aquê que serve esse trem?...
CHATIM:-
Ocê põe no oio e tudo que tá longe ocê enxerga perto d’ocê...
VELASCO (colocando o binóculo ao contrário):-
Perto uma ova... tá tudo mais longe...
CHATIM (depois de arrumar o binóculo para Velasco,
que fica se divertindo com ele):- Ocê tem que me ouvi, Velasco... isso aqui
é fria... nois tem de ir embora... joga essa merda de coroa fora... vamo vortá
pra nossa vida de andario... tava tão boa... a fome... o frio... inté isso era
bão... num vô pidi mais a minha liberdade... vô cumpri o trato... oia: nóis
dois... chega de pinimba... vamo caí no
mundo... pegá umas quenga... rosetá... Dispois da liberdade, o mais importante
p’rum home é tê um amor...
VELASCO (voltando à pose de rei):- Nada disso,
senhor Chatim, meu fiel escudeiro... Aqui sou rei, aqui viveremos! E a mula,
Chatim? Um rei sem montaria, o que vale?
CHATIM:-
Irra! Passô... Vortô a ziguizira... Tamo encralacado...
(Neste momento, sai do poço o Padre Pastor).
CHATIM:- O
padre... de novo? Benção, seu Padre...
PASTOR:-
Você gostar de puxar saco desse padre, não?
PADRE:-
Isso non serr puxarr saco... É fé na minha igrreja...
CHATIM:-
Num entendo a mixórdia desses dois!...
PASTOR (para Velasco):- Majestade, eu ser o
Pastor que prega o amor... Meus fiéis serão vossos fiéis... para a felicidade
do reino dos homens e glória ao reino de
Deus...
CHATIM:-
Que nhenhenhém...
PASTOR:- O
que o senhor disse?
CHATIM:-
Amém...
PASTOR:-
Aleluia...
VELASCO:-
Pastor ou Padre... sei lá...
PASTOR:-
Pastor...
PADRE:-
Padrre...
(Ficam teimando um
com outro por algum tempo).
VELASCO:-
Chega!! Tão pensando o quê? Que eu sou um bocó? O que querem aqui? Vamos,
falem! Ou voltem pro raio desse Reino do Fundo do Poço! O Chatim tem razão:
essa merda toda já está esbandalhando a minha paciência! (Voltando ao normal). Tô é fudido com essa gabolice toda... Ocêis
nessa marafunda e nóis aqui no maió miserê...
(Ouve-se o relincho
da mula, vindo do poço).
VELASCO (perdendo de vez a pose de rei):- Minha
biscaia... tá viva! Ocê ouviu, Chatim? Ela tá viva! Eu vô buscá ela... (Ameaça entrar no poço e é seguro pelo Padre
Pastor).
PASTOR:-
Você conhecer as regras! Não pode! (Dá-lhe uma porrada, pra ele voltar a ser rei).
CHATIM (injuriado, puxa de uma garrucha, parte pra cima do Padre Pastor):-
Seu... seu filho... de uma jumenta... cai fora daqui... Velasco pode ser uma
besta, mas é meu amigo... e meu amo... cai fora... mando os dois pros quintos
dos inferno!...
VELASCO (meio tonto, tentando ir para o trono):- A garrucha...
CHATIM:-
Cala a boca, Velasco! Ocêis dois: fora! Antes que o anhangá, o coisa-ruim... o
cão danado... me faça resorvê essa pinimba no chumbo...
PADRE:-
Non... nom... nom fique tão zangada, senhorr Chatim...
PASTOR:-
Nós querer apenas fazer proposta...
PADRE:-
Prroposta de muita dinheirra... parra ficarr rica...
CHATIM:-
Em bandalhagem de porco gordo bacorinho num mete o focinho... Vamo... cai
fora... os dois...
(Padre Pastor some
no poço, assustado. Chatim socorre Velasco e leva-o até o trono).
CHATIM:-
Onde já se viu... tão pensando que sô banana, tão? Vão vê só que aqui tem é
macho...
VELASCO:-
Mas Chatim... essa garrucha... é a minha... num tem bala!
CHATIM:-
Pra que bala? Se era tudo de festim... (Já
mais calmo) Inda bem que o bicharoca do Padre e o tar de Pastor num
sabia... (Mudando de tom). Vam’embora
daqui, Velasco... Esse País do Poço é pió que o nosso... Com essas cabeça espetada... essa farta de
muié... esses cara que só pensa em dinheiro... vamo acabá jogando o jogo deles
e nos fudeno...
VELASCO:-
Mas, Chatim, eu sou o rei!...
CHATIM:-
Rei que nem pode num fazê nada... que num passa dum babaca nas mão desses...
desses borra-bosta... Vamo s’imbora, Velasco... tô cum medo de ocê ficá iguar
eles... e eu tamém... eu... Fique ocê...
eu vô m’imbora...
VELASCO:- E
minha mula?
CHATIM:- O
que vale uma mula e um reino se nóis num tem mais ninhum prazê... se vivê virô
sê saco de pancada...
(Ante a relutância
de Velasco, Chatim junta seus teréns, despede-se de Velasco e começa a
caminhar, mas não sai do lugar).
CHATIM:-
Entonce, vô eu embora... dessa terra doida... já chegava a vida de andario...
de miserê... Tê poder! De quê? De uma
não vida? Pra dizê que é Rei? Um povo que num se vê nunca... Prifiro sê
miserave pelos caminho do vento... sê livre... num devê nada... podê inté mermo
fazê uma imbromaçãozinha num carteado... mas num pricisá tirá o couro de quem
num é dono nem do ar que respira... povo que num sai do poço deve de gostá de
vivê na merda... (Olha de lado e percebe
que as cabeças o acompanham). Diacho... essas cabeça num termina nunca!...
Caminho isquisito, esse... já tô indo longe... e tudo parece iguar... (Olha para trás, vê Velasco no trono) Tô
borracho... num saí do lugá... (Senta,
desanimado). Num tem jeito... Já tô ficando escabreado com essa merda de
terra...
VELASCO:-
É, Chatim, parece que não tem jeito mesmo de sair daqui... Espere, a Zarolha... e o Padre Pastor... falaram num
livro... atrás do trono... Quem sabe?... (Vai
para trás do trono e volta com um enorme livro, onde se pode ler “Reino do Poço
- Livro do Rei”). Achei, Chatim, achei... (Volta ao normal). Vamo lê ele... vamo lê... pode tá escrito como
saí daqui...
CHATIM (já perto de Velasco, todo interessado):-
E ocê sabe lê isso, Velasco?
VELASCO:-
Ih! Sei não... mais ocê sabe... num sabe?
CHATIM (desanimado):- Mar e mar...
VELASCO:-
Tenta... tenta...
CHATIM:-
Devagar... vamo vê... (Soletra
vagarosamente o nome do livro. Os dois se sentam, tentando ler o livro, e assim
ficam durante alguns instantes). Nóis vai levá um tempão pra lê essa
marafunda de letra... Por hoje chega... meus oio já tão ardendo...
VELASCO:- E
meu bestunto já tá cansado de tentá entendê...
CHATIM:-
Vamo jogá uma rodada de carteado, vamo?
VELASCO:-
Ocê num tem mais nada pra perdê...
CHATIM:-
Quem disse que vô perdê de novo?
VELASCO:- Vamo apostá o quê?
CHATIM:-
Minha liberdade, Velasco! Ocê pode ficá aí com o qu’ocê sempre quis: o podê! E
com esse reino maluco. Que deve de tê inté dragão!
VELASCO (tremendo):- Não! Dragão, não! Eu morro
de morte murrida!
CHATIM:-
Num seje bobo, Velasco! Num ixeste dragão!
VELASCO:-
Ocê é qui pensa! Intão o meu santo santinho de São Jorge num matô um?
(Neste momento,
saem do poço, o Presidente e a Zarolha. O Presidente traz uma faixa no peito
onde se lê “presidente”. É uma figura bizarra, com terno cor de abóbora e
óculos escuros. Tem discurso empolado com sotaque caipira).
PRESIDENTE:-
Quanto tempo não vinha aqui... as cabeças... Zarolha, não mudou nada, não? (Dando de cara com Velasco). Você... você
deve ser...
VELASCO:-
Velasco... O Rei Velasco Primeiro...
CHATIM:- E
único!
PRESIDENTE:- Prazer... Esse lugar... Me traz muitas,
muitas lembranças...
VELASCO:-
Mas quem é o senhor?
CHATIM (tentando ler a faixa presidencial, mas de
olho no decote da Zarolha ):- Mais um nariz empinado... pre... pre...
PRESIDENTE:-
Isso mesmo, Presidente... Eu sou o Presidente do País do Poço... Vim aqui numa
missão muito importante para os destinos de nosso grande país... Mas primeiro
preciso lhes contar um causo... (Velasco
tenta interrompê-lo). Não... fique quietinho aí, majestade... esta cena é
minha... Tenho prosápia e prosopopéia pra nenhum tabaréu botar defeito. Se
conto e reconto o mesmo conto, é por conta de muitos contos de réis que virão
pra minha conta... Mas vamos ao causo. Contam lendas do País do Poço que um
santo italiano fez grandes profecias para o país sair do poço... Uma grande
cidade se ergueria no meio do mato, espantando de lá os bugres, a indiaiada
pelada que nada entende dos mistérios da civilização... Um líder, mais que um
líder, um santo, um profeta iria nascer nessa cidade pra tirar de vez o País do
Poço em que está como num berço esplêndido... Muitos se candidataram a essa
função... muitos se disseram santos... muitos tentaram ser o profeta... (Olha para as cabeças). Fracassaram todos... um a um... Não tinham o
sinal...a marca... que o santo disse que teria de ter esse... esse... se me
permitem a falta de modéstia... esse semideus... Essa marca, meus senhores,
tenho-a eu, sim, eu, o Presidente Perfeito... E com essa marca vou tirar do
poço o nosso grande país...
CHATIM:-
Que marca? Iguar de boi?
VELASCO:-
Eu quero vê... eu quero vê...
ZAROLHA (flertando com Chatim):- Calma,
pessoal... o Presidente tem, sim, uma bela marca... mas ele não gosta de falar
sobre isso... A não ser em ocasiões especiais como esta... Mostrar, então, nem
pensar...
VELASCO:-
Ocasião especial?! De que diacho ocê tá falando?
PRESIDENTE:-
Agora é com você, Zarolha... Conta pra eles...
ZAROLHA:-
Lá no País do Poço repercutiu muito o gesto de vocês...
VELASCO:-
Que demagogice é essa, dona? (Percebe
Chatim bolinando a Zarolha). Ô Chatim, qué deixá a muié falá, diacho!
ZAROLHA:-
Vocês botaram pra corrê aquele safado do Padre Pastor...
CHATIM (que não pára de bolinar a Zarolha):-
Isso foi bão?
ZAROLHA:-
Se foi... vocês viraram heróis!
CHATIM:-
Puxa! Ocê ouviu, Velasco?... Nóis sumo herói... Fiquei inté todo empazinado de
soberba! (Tasca um beijo na Zarolha). Vamo! Vamo lá pra baixo
comemorá... (Ameaça entrar no Poço,
levando a Zarolha)... Vamo rosetá até morrê e tirá esse atraso brabo...
ZAROLHA:-
Nada disso... você sabe que entrar no Poço não pode...
PRESIDENTE:-
Além disso, temos uma proposta para o Rei e seu famoso escudeiro... Uma grande
proposta...
(Neste instante,
ouve-se, vindo do poço, o som de música e canto de carnaval que vai aumentando
até o máximo e depois vai diminuindo até acabar. Todos aproveitam a música para
dançar também. Chatim, é claro, aproveita para agarrar a Zarolha, que parece
gostar da brincadeira).
VELASCO (depois de um instante de silêncio, em que
todos se recompõem da cena ridícula):- Mais que diacho foi isso? Num
pensava qui dessa biboca pudesse saí gandaia de dá xabu em rabo de macaco...
PRESIDENTE:- O
povo está feliz... é carnaval!
CHATIM (irônico):- Tem povo no País do Poço! E
tão feliz paca!... (Recebe um olhar
reprovador da Zarolha e outro de indiferença do Presidente).
VELASCO (voltando a falar como rei):- Senhor
Presidente, se não me engano, havia uma proposta para mim e meu escudeiro...
CHATIM (a parte):- Num tô entendendo... Num dero
porrada nele!...
PRESIDENTE:- É
um projeto fabuloso... pra tirar o nosso país do poço... Com minha argúcia e o
seu prestígio... vamos faturar... isto é, vamos levantar esse país! A Zarolha
vai explicar tudo...
(A Zarolha
desvencilha-se de Chatim, que ainda a agarrava, chega-se à beira do poço e dá
um assobio. Ouve-se o relincho da mula. Velasco ameaça o escândalo de sempre,
mas Chatim corre e tapa-lhe a boca).
ZAROLHA:-
Joguem o projeto!
(Um rolo salta do
poço. Ela pega-o e começa a desenrolá-lo. Com exceção do Presidente, que fica
dando voltas pelo cenário, olhando as cabeças e outras coisas, todos se juntam
em torno do projeto).
ZAROLHA:-
Pretendemos construir, com a ajuda de capital estrangeiro, a maior obra do
planeta. Vejam: é o NAMORÓDROMO...
CHATIM e VELASCO:- Mamoródromo?!...
ZAROLHA:-
Na-mo-ró-dro-mo! Um lugar para as pessoas namorar...
VELASCO:-
Pricisa isso?...
CHATIM:-
Tá me chamando de pai-mané?... de bocó?... Isso aí é idéia de jerico...
ZAROLHA:-
Não... não... é coisa séria... Vejam: é um parque imenso... com um lago
artificial e uma ilha em forma de coração.
(Cada vez mais entusiasmada). Lá vai ter um hotel com 12.000 apartamentos...
CHATIM:-
Um imenso treme-treme...
ZAROLHA:-
...cassino, parque de diversões... Uma torre... igual à de Paris... com 300
metros... para os namorados apreciarem o luar... Shows... toda noite...
bailes... com grandes orquestras... os maiores artistas do mundo... Palhaços...
CHATIM:- O
povo!
ZAROLHA:-
...mágicos, bailarinos, cineastas... até dramaturgos... E amor, muito amor...
CHATIM:- Oia
aqui, Zaroia! Se ocê pensa que a gente vai entrá nessa, pode ir tirando o
cavalinho da chuva...
ZAROLHA (sedutora):- Cavalinho que nada, Chatim...
é mais amarrar o burro na sombra... lavar a égua...
CHATIM:-
Mas aí tem...
VELASCO:-
...tramóia... tramóia das grossa...
ZAROLHA (Assobia e grita para dentro do poço):-
Joga a bufunfa!...
(Dois sacos de
dinheiro caem de cima, bem nas cabeças de Chatim e Velasco que ficam meio
atordoados).
CHATIM (refazendo-se, olhando para cima e para o
saco de dinheiro):- Uai, sô... num era pra vim de dentro do Poço? Cada vez
desentendo mais essa encrenca...
ZAROLHA:-
Esse veio do céu, Chatim... Mas lá de baixo pode vir muito mais...
VELASCO (depois de ver que o dinheiro é bom):-
Onde eu assino... onde eu assino...
(Os três pulam e
dançam na maior euforia, mas percebe-se que Chatim está mais interessado na
Zarolha do que no dinheiro. O Presidente aproxima-se).
PRESIDENTE:-
Vejo que o bom senso trouxe a harmonia ao poder... Só falta o meu filho... Vou
chamá-lo...
ZAROLHA:- O
risco é seu, Presidente... Ele anda muito estranho ultimamente...
PRESIDENTE:-
Por isso vocês o jogaram daqui de cima?
CHATIM:-
Ocês tão falando do veio?
ZAROLHA:-
Ele mesmo... o herdeiro... o herdeiro político do Presidente...
CHATIM:-
Agora que fiquei zureta de veiz...
(A Zarolha chega
até o poço e assobia. A mula relincha e Velasco ameaça gritar mas se detém ante
o olhar ameaçador de Chatim).
ZAROLHA:-
Mandem o Ancião!
(O Ancião sai do
poço, ainda mais alquebrado que da vez anterior. Tem um braço na tipóia e
algumas escoriações cobertas com esparadrapo).
ANCIÃO:- A
sua bênção, meu pai.
PRESIDENTE:-
Você está precisando de muito mais que minha bênção, meu filho...
ANCIÃO:-
Não sei o que acontece, meu pai: minha memória vai e volta, tenho cada vez mais
cabelos brancos...
PRESIDENTE:-
Idade não é. Você é tão novo... O que dizem os médicos, meu filho?
ANCIÃO:-
São todos umas antas, meu pai... umas antas... (Olha para as cabeças). Alguns até estão ali... Mas não adianta...
vivem enganando a gente... Milagre que é bom, não fazem...
(Enquanto se
desenrola essa cena, Velasco e Chatim, que a tudo assistem, fazem cada vez mais
expressão de aparvalhamento. Pai e filho se abraçam e ficam no fundo do palco
conversando baixo).
VELASCO:-
Num tô entendendo... aí tem o dedo do tinhoso...
CHATIM:- O
dedo só não, a mão inteira... Nunca vi isso na minha vida: fio sê mais veio que
pai... O rabudo tá fazendo das suas... Se eu contá, vão dizê que é potoca...
ZAROLHA:-
Vocês são dois bobos... Não tem diabo nem nada. É que o pai ganhou a
imortalidade com o poder... e o filho, coitado, é imortal, mas não tem poder...
CHATIM:-
Imortalidade?! Que patranha é essa agora qu’ocê tá quereno embuchar em nois? Tá
pensano que sô um zé-prequeté aí quarqué que vai acreditano em tudo que é
bestagem? Posso sê xucro... num tive
quem me ensinasse o abecê... mas as andança por esse mundão rasgado, por esses
sertão sem fim me ensinô duas coisa: num dá o dedo pra chupim posar (olha para Velasco, que lhe faz um gesto feio)
e num encucá em conversa de muié mitida a pegá em em pau-furado...
ZAROLHA (com cuidado, para não ser ouvida pelo
Presidente):- Venham cá... vou lhes contar a história direitinho, ou pelo
menos o que é considerado como fato no País do Poço, aquilo em que as pessoas
acreditam. Ninguém sabe a idade certa do Presidente. Tem gente que diz que ele
é tão velho quanto o País... ou quase isso... O certo é que ele tá no poder
desde que o poder existe nestas terras... Ele se alimenta do poder. Quanto mais
poder, mais jovem ele parece... é isso que o torna imortal... Já o filho, bem,
o filho foi um acidente da natureza... Não devia ter nascido... mas isso é
outra história... Como não tem poder, envelhece... embora tenha herdado a
imortalidade do pai... só rejuvenescerá se o pai morrer...
CHATIM:- Ô
Zaroia... e essa estória de marca?...
ZAROLHA (com mais cuidado, ainda, para não ser ouvida
pelo Presidente):- Isso foi numa cagada...
CHATIM:-
Cagada?! Ocê qué dizê... por sorte... que o mandrião, além de tudo, ainda é
rabudo?
ZAROLHA:-
Rabudo ele é... Mas foi numa cagada mesmo, que ele ganhou o sinal... Quem me
contou a história foi o doutor Gregório, que tava de plantão no palácio...
CHATIM:-
Plantão?!
ZAROLHA:-
Ele era um dos médicos do Palácio... O Presidente gosta de ler enquanto caga...
Naquele dia, ele tinha recebido o último número do Manual do Tio Patinhas, o
herói favorito dele... E tava lá todo pomposo sentado no trono, curtindo uma
bela cagada... Aí, ele se distraiu... Foi sentar no bidê...
CHATIM:-
Bidê?!
VELASCO:-
Eu conheço o bidu...
ZAROLHA:-
Bidê... um esguincho de água pra lavar a... a bunda... Ele sentou no bidê e
ligou a água quente... tava fervendo...
CHATIM:-
Iche! Cuzinhô o cu do Presidente!
ZAROLHA:- E
ficou a marca de uma estrela...
CHATIM:- E
o tar do Gregório?
ZAROLHA:-
Fez a besteira de contar a história para algumas pessoas... Olha ele ali (aponta para uma das cabeças).
VELASCO:-
Antão... antão... o Presidente tem uma estrela no fiofó...
(Neste momento, o
Presidente havia-se aproximado e ouviu a observação de Velasco).
PRESIDENTE:-
Quem te disse isso?! Quem? Foi você, não é, sua... sua...
ZAROLHA:-
Des... des... desculpe, senhor Presidente!
PRESIDENTE:-
Desculpe uma ova! Você sabe o que acontece com quem fala sobre isso? Sabe? (Chega até a boca do poço). Guardas!
Guardas! (Num instante surgem dois
guardas). Prendam essa mulher! Maldita!
(Os guardas seguram
rapidamente a Zarolha e levam-na para dentro do Poço. O Presidente segue-os,
deixando para trás o Ancião. A cena foi tão rápida, que Chatim e Velasco não
tiveram tempo de esboçar qualquer reação).
CHATIM (recuperando-se):- Puta-merda! Que cara
encardido esse... esse Presidente!
VELASCO:-
Ocê se aquiete, Chatim... se não, vai acabá achando sarna pra se coçá...
CHATIM:-
Priciso sortá a Zaroia... priciso sortar a Zaroia... Cadê o binoco?... (Vai até o trono, pega o binóculo e fica a
olhar para dentro do poço).
VELASCO (para o Ancião, que está sentado numa pedra,
com expressão alheada):- E aí, velho?...
ANCIÃO:-
Velho é a mãe!... Não! Velho é o meu pai!
VELASCO (com ironia):- Então me diga aí: qual o
segredo do sinhô chegá nessa idade, assim, tão... tão... forte...
ANCIÃO (sem entender a ironia):- Ih! Meu filho!
São muitos os truques! Mas o mais importante... importante mesmo... é o que eu
vou te contar... Preste atenção: pra ter uma vida longa, você não deve nunca,
mas nunca mesmo, reter a urina... E agora eu quero mijar... Me ajude aqui...
(Velasco ajuda o
Ancião a ir, tropegamente, até atrás de uma pedra e fica amparando-o. Só
aparece uma parte do corpo de Velasco. Ouve-se um barulho forte de água).
VELASCO (espichando o pescoço):- Esse chuá todo é
pruquê ele não segura... (Tapa o nariz
com uma das mãos). Chi! Que morrinha... inté parece bodum de gambá... arre!
CHATIM:-
Velasco! Ocê tem que me ajudá...
VELASCO:-
Ajudo coisa ninhuma... Aquela babaquara num merece um fiapo de mel coado.. (Traz o Ancião de volta para o lugar de antes).
CHATIM:-
Ocê num fala assim...
VELASCO:-
Falo! E falo mais: acho que ela é uma boa bisca... uma biraia barranqueira de
beira de estrada...
CHATIM:-
Tá bão! Ocê pode achá o que quisé... mas vai me ajudá a tirá a Zaroia das mão
daquele... daquele inzoneiro do Presidente... aquele coió de meia tigela...
ANCIÃO:-
Meu pai não é coió... nem essa outra coisa que você falou aí... Ele pode mandar
te prender junto com aquela traidora da Zarolha...
CHATIM:-
Traidora pru quê? Pur que falô do fiofó do...
ANCIÃO:-
Cuidado! Nesse reino, até as cabeças dos mortos têm ouvidos! E mais do que
ouvidos, têm língua de palmo e meio...
CHATIM:-
Eu vô jogá esse veio perrengue de vorta pro poço...
ANCIÃO:-
Você não pode fazer isso... só eu posso te ajudar...
CHATIM:-
Cê tá dizendo que vai traí o sacana?
ANCIÃO:-
Trair, não... mas posso, por uma módica quantia, te ensinar o caminho das
pedras...
CHATIM:-
Eu sabia que tinha treta nessa história... Módica quantia! Uma ova que vô te dá
quarqué centavo... Velasco, me ajuda aqui a pinchá esse jereba de vorta pro
poço...
(Os dois agarram o
Ancião e colocam-no de cabeça pra baixo na beirada do poço. Ele grita e
esperneia).
ANCIÃO:-
Não... não... socorro... Eu ajudo... eu ajudo...
CHATIM:-
Jura?
ANCIÃO:-
Juro! Pela honra de meu pai!
CHATIM:-
Teu pai num tem honra... essa jura num vale.
ANCIÃO:-
Juro pela minha vida!
CHATIM:-
Sua vida é imortal e num vale nada...
ANCIÃO:-
Pela minha mãe!
CHATIM:-
Num bota mãe no meio que ocê num teve mãe, seu desgranhento!
ANCIÃO:-
Juro por Deus...
CHATIM:-
Num seje hereje, seu safado...
ANCIÃO:-
Como, então, eu vou jurar?
CHATIM:-
Como ele vai jurá, heim Velasco?
VELASCO:-
Mande ele jurá pelo diabo que o carregue... Vamo largá esse estrupício aí
mesmo...
ANCIÃO:-
Já sei! Já sei! Eu juro pela égua do Velasco!
VELASCO:-
Aí tá certo... Eu aceito! E ocê, Chatim?
CHATIM:-
Sei não... sei não... Mais se esse patusco tentá me enganá, eu encho ele de
porrada...
(Os dois puxam o
Ancião para fora).
ANCIÃO (recompondo-se):- Eu tenho uma grande
ideia... O meu pai... o presidente... gosta muito de festa...
(Velasco
e Chatim abraçam o Ancião durante alguns instantes, em que se ouvem apenas
algumas expressões de ambos, como “legal”, “boa”, “é isso aí” etc. Em seguida
começam os preparativos para a festa. Chatim leva o Ancião para trás do trono e
das pedras, para se arrumarem e de lá joga a mala de Velasco, que fica sozinho,
procurando roupas para se arrumar também).
VELASCO:-
Vamos ver... um rei num pode parecer um bandalho quarqué... um esmolambado...
mas aqui só tem molambo... que merda... vai isso mesmo... afinal é uma festa
daquele idiota do Chatim... e inda mais pra tentá tirá do xilindró a Zaroia...
eles que se lasque... se são branco que se entendam... vô fazê minha parte, mas
se eles tentá me enganá, eu é que vô enganá eles... ah! se vô, vô sim... Como
já enganei uma veiz... Se o Chatim soubé, ele me mata... Vou contá pr’oceis
cuma o pacova aqui do Velasco entupigaitô o patusco do Chatim... (Chega até perto do trono para ver se o
Chatim não está ouvindo)... Um dia cansei de sê o pai-mané do Chatim... num dava mais... tinha que dá
uma fubecada no pachola... E foi ansim: num banzé lá pras bandas do Véio Chico,
o Chatim caiu de quatro por um bofe... a diaba inté que era bonita, sô... e
ficô encapetado como ele só... disafiô meio mundo no carteado... e ganhava
todas... Já lá pro fim da festa, tava todo encachaçado, arresorveu me
disafiá... todo pimpão... dono das verdade lá dele... que em matéria de verdade
num tem ninguém que nem o Chatim... todo cheio de regra... só no jogo é que dá
umas rateada... diz que quem num róba no jogo num merece de ganhá... Intão, num
tive dó... joguei nele um xaveco dos bão... Ele num sabe inté hoje como foi que
perdeu... virô isso qu’oceis tão vendo aí... perdeu a cabocra... perdeu a bufunfa...
e trocô toda aquela pabulagem, por sê meu escravo... e ele nem num discunfia
cumo foi que eu... ó... (faz o gesto de
roubo)... mais num tive dó... num tive mesmo...
CHATIM (lá de trás):- Ô Velasco! Que qu’ocê tá
todo rezingueiro aí... Já tá pronto?
VELASCO:-
Tô sim, Chatim... que mais cê qué de mim?...
CHATIM:-
Faiz o que nóis combinô, home de Deus...
VELASCO:-
Tá bão... tá bão... (Vai até atrás do
trono, pega um megafone, faz pose de rei, chega até beirada do poço e começa a
anunciar). O rei Velasco Primeiro e Único convida o Presidente e todos os
súditos para uma grande festa... no grande salão do trono... Nesta
oportunidade, o nosso digníssimo e honradíssimo e excelentíssimo...
(Vem,
do fundo do poço, um uníssono de vozes: Chega, puxa-saco... fala logo!)
VELASCO:-
... e meritíssimo... Presidente lançará o início das comemorações do quinto
centenário do País do Poço!
(Vem,
do fundo do poço, um grande alarido de vozes e ouvem-se expressões como: “oba”,
“festa”, “farra”, “todo mundo nu” etc.).
VELASCO:-
Chatim! O povo tá vindo...
CHATIM:- E
eu tamém... prepare-se! Eu vô saí... Um... dois... três...
(Chatim sai de trás
das pedras junto com o Ancião, que porta apenas uma máscara igual à cara do
Presidente. Mas Chatim está vestido ridiculamente de mulher, com uma máscara de
gatinha e uma bolsa de pele de onça que não combina com nada. Velasco cai na
gargalhada).
VELASCO:-
Ocê... ocê tá uma jabiraca perfeita... uma veia xoroca de dá nó em
carrapicho...
CHATIM:-
Veia xoroca é a mãe... seu fio de uma égua...
VELASCO (parando de rir):- Num fale em égua... Me
dá uma sodade da minha biscaia...
CHATIM:-
Para com isso, Velasco! Inté parece qu’ocê já aprendeu a sê potoqueiro como as
gente lá de baixo...Vai pro trono...
VELASCO:-
Dispois de tanta porrada!... (Senta no
trono). Que entrem os súditos... comece a festa!
(Música de festa.
Saem do poço todas as persongens já conhecidas, menos a Zarolha, e mais
algumas. Todas ridiculamente fantasiadas e mascaradas. Começa o baile. Todos dançam animadamente, menos o Ancião,
que fica tendo seus achaques num canto. Chatim, vestido de mulher, tenta
aproximar-se de todos os homens e, caricata e disfarçadamente, tenta
revistá-los, procurando algo. A música animada tem algumas pausas, durante as
quais as personagens conversam).
Pausa
1:
ALGUÉM:-
Viva o Presidente!
TODOS:-
Viva!
ALGUÉM:-
Viva o idiota do Rei!
TODOS:-
Viva!
ALGUÉM:- O
Presidente vai tirar o país do poço!?
PRESIDENTE:- O
País, não! Vou tirar a corte do poço!
ALGUÉM:- E
o povo?
PRESIDENTE:- O
povo? Ora, o povo!
TODOS:- O
povo que se dane! (Gargalhadas. Volta a
música).
Pausa
2:
ALGUÉM:-
Presidente: quais os planos para o quinto centenário?
PRESIDENTE:-
Uma grande obra: o NAMORÓDROMO!
TODOS:- E
tem comissão?
PRESIDENTE:- É
dinheiro certo, no meu bolso... no bolso de todos nós!
TODOS:-
Viva o namoródromo!
(Volta a música).
Pausa
3:
ALGUÉM:- E
a festa, Presidente? Como vai ser a festa?
PRESIDENTE:- A
festa vai ser de arromba! Pra todo o povão!
TODOS:-
Povão? Arre!
PRESIDENTE:-
Quanto mais povão, mais comissão!
TODOS:-
Viva o povão! Viva o povão! (Volta a
música).
(Enquanto isso,
Chatim, desanimado de não encontrar nada, discute com o Ancião num canto).
CHATIM:-
Seu eéio encoscorado do diabo! Ocê disse que era fácil achar a chave da cadeia!
E cadê?
ANCIÃO:-
Você não perguntou!
CHATIM:-
Antão pregunto agora: ocê me fale ou te jogo no poço!
ANCIÃO:-
Tá com o chefe de polícia.
CHATIM:-
Diacho! E quar desses pachola aí é o chefe de poliça?
ANCIÃO:-
Só falo com dinheirinho na minha mão.
CHATIM:- Veio
disgraçado: te mando pros quinto dos inferno!
ANCIÃO:-
Vai ficar sem a chave, sem a Zarolha... e sem a cabeça!
CHATIM:-
Tá bão! Tá bão! Eu pago! (Dá para o velho
o saco de dinheiro).
ANCIÃO:- O
chefe de polícia é aquele barrigudão ali... A chave está no bolso de trás...
(Durante os
instantes seguintes, Chatim consegue aproximar-se do Chefe de Polícia, dança
com ele, atrai o cara para trás do trono com muito dengo,
ataca-o com a bolsa e tira-lhe a chave).
Pausa
4:
ALGUÉM:-
Presidente: e a Zarolha? Vai ser convidada para a festa?
PRESIDENTE:-
Vai ser o prato principal (faz o gesto de
decapitação)... com todas as honras de estado!
ALLGUÉM:- Num prato... como a Salomé?
TODOS:- É! Como a Salomé! Como a Salomé! (Gargalhadas. Prossegue a música).
CHATIM
(de novo com o Ancião):- Tá’qui a chave!
Vô escarafunchar em tudo quanto é canto, inté achá a Zaroia...
ANCIÃO:-Você
não pode!
CHATIM:-
Num posso?!
ANCIÃO:-
Esqueceu que nem você nem o Velasco podem entrar no País do Poço?
CHATIM:- E
pra empiorá tudo, num podemo nem saí!
ANCIÃO:-
Só com a mula do Velasco!
CHATIM:-
Que qu’ocê tá dizendo?
ANCIÃO:-
Isso é outra história. Agora é preciso salvar a Zarolha. E só eu posso fazer
isso!
CHATIM:-
Ocê pode! Ocê pode! (Beija a testa do
velho).
ANCIÃO:-
Só com mais dinheirinho na minha mão!
CHATIM:-
Véio escomungado! Ocê me paga!
ANCIÃO:-
Não! Quem me paga é você! Sem dinheirinho, não tem Zarolha!
CHATIM:-
Já tô no maió miserê! Num tenho mais nem pr’uma ramona enferrujada!
ANCIÃO:-
Velasco tem!
CHATIM (depois de pensar um pouco):- É... e o
veiaco me deve essa... Inda mais que é dinheiro sujo... (Vai até o trono e, com muito despiste, pega o dinheiro do Velasco e
esconde na roupa).
Pausa
5:
VOZ
EM OFF:- Atenção! Foto oficial! Preparem-se!
(Estabelece-se uma
breve correria. Ao final, todos se postam diante da plateia, numa pose mais ou
menos assim: Presidente, com a língua de fora, apertando o saco do Padre
Pastor, ao mesmo tempo que alguém lhe enfia o dedo no rabo; Padre Pastor
enforcando o chefe de polícia que enfia o dedo no olho de Velasco que esmurra a
cabeça de Chatim que torce o nariz do Ancião etc. etc. A imagem se congela por
um instante. Um breve black-out e, na cena seguinte, todos estão comportados e
sorridentes para a pose oficial. Novo black-out rápido e tudo volta ao normal,
com a música tocando alto e todos dançando. Chatim entrega o dinheiro ao Ancião).
CHATIM:- E agora, veio xavequeiro?
ANCIÃO:-
Disfarça e me joga no poço.
(Chatim joga o
velho no poço. A festa chega ao auge, com todos cansados e bêbados jogados pelo
chão. Black-out. No trono, Velasco dorme e ronca. Chatim, a seu lado, espera.
De repente, sai do poço a Zarolha que abraça Chatim. Agem silenciosamente para
não acordar Velasco. Saem abraçados para trás das pedras. Depois de instantes,
Velasco acorda).
VELASCO:-
Chatim... Diacho! Onde tá esse fio de uma égua? Será que caiu no poço, atrás
daquela tranquera da Zaroia? Cara mais idiota esse Chatim: só se enrabicha pela
muié errada. Ai! Que dor no coco! Me emborrachei demais naquela festa... Mais
inté que tá ficando bão sê rei desse tar de País do Poço, sô... As coisa tão
miorando... Tem festa... tão pintando umas muiezinha... tem dinheirinho... (Procura o saco de dinheiro). Onde será
que eu botei a bufunfa?! (Percebe que foi
roubado. Senta-se no trono com cara aparvalhada, por alguns instantes).
Chatim! Só pode sê o dianho do Chatim... cão sarnento... (Berra). Chatim! Seu miserave... vorta aqui!
(Neste momento,
saem do poço o Presidente, o Padre Pastor, o chefe de polícia e dois guardas).
PRESIDENTE:-
Prendam o traidor! Prendam o traidor!
VELASCO (animado):- Isso mesmo! Prendam o
traidor... prendam o ladrão... Isso é que é polícia eficiente! Vamo lá...
prendam e arrebentem aquele ladrãozinho de merda!
(Os guardas
titubeiam).
CHEFE
DE POLÍCIA:- O que vocês estão esperando? Vamos! Prendam-no!
SOLDADOS (meio intimidados):- Prender... o rei?!
VELASCO:- É
claro que não, seus idiotas! Têm que prender é o Chatim! Vamos! Atrás dele!
(Estabelece-se uma
rápida confusão).
PRESIDENTE:-
Parem, seus imbecis! (Aponta para Velasco).
Prendam esse homem! E o outro também!
(Nova confusão: um
guarda prende Velasco e o outro, o Padre Pastor).
CHEFE
DE POLÍCIA:- Seus incompetentes! Não merecem o salário que ganham!
SOLDADO:-
Salário! Faz seis meses que não sei o que é isso!
PRESIDENTE:- É
pra prender o outro, não esse daí.
PADRE (sotaque alemão):- O outrro serr o
outrro... não eu... carralho!
PASTOR (sotaque americano):- Larguem eu, seus porcos... porra!
CHEFE
DE POLÍCIA:- Parem com essa esculhambação! Prendam esse (Aponta para Velasco) e o... outro... o
outro... o ou...
SOLDADO:-
Que outro? Só se for ocê!
CHEFE
DE POLÍCIA:- Me arrespeite! Qual é o outro, chefe?
(Um segundo de
estupefação: todos se entreolham e olham para todos os lados).
VELASCO (já imobilizado pelos dois soldados e num
último rompante de rei):- Me soltem, seus lacaios! Eu sou o rei! Eu é que
mando nessa merda de reino!
PRESIDENTE:-
Mandava! Aliás, mandava nada! Nunca mandou! Agora vai lá pra cima (Aponta as cabeças).
VELASCO:-
Ai! Minha pobre cabecinha que num veve sem meu corpinho... ai! minha pobre
cabecinha que num veve sem meu corpinho! (Os
soldados caem na risada e Velasco aproveita para tentar fugir, mas leva um
safanão e se aquieta).
PRESIDENTE:-
Tirem a coroa da cabeça dele! Vamos julgá-lo como traidor.
(Velasco é colocado
sentado em uma pedra, escoltado pelos soldados. O Presidente senta no trono,
tendo ao lado o Padre Pastor e o Chefe de Polícia. Neste momento, percebe-se a
chegada de Chatim e da Zarolha, no fundo no palco. Ficam assistindo a tudo
escondidos atrás de uma pedra. Começa o julgamento).
PRESIDENTE:-
Está aberta a sessão. O País do Poço contra o ex-rei Velasco Primeiro e Único.
Com a palavra os promotores para a acusação.
PASTOR:-
Nós acusar o réu de traição...
PADRE:-
Nós acusarr o rréu de rroubo...
PASTOR:-
De ter dado fuga a perigosa meliante...
PADRE:-
De esconderr em lugarr ignorrado e non sabido a perrigosa meliante e
trraidorra...
PASTOR:-
Nós acusar senhor Velasco de corrupçon ativa e passiva...
PADRE:-
...de cobrrarr das inocentes emprreiteirras do País do Poço altas comissões...
PASTOR:-
... de tentar comprar até mesmo o nosso incorruptível presidente...
PRESIDENTE:-
Chega! Não precisamos ir tão longe... afinal o condenado, isto é, o réu já tem
acusações suficientes para perder o pescoço. O que diz a defesa?
CHEFE
DE POLÍCIA:- Senhor Presidente, digníssimo presidente deste
tribunal; caríssimos e inteligentíssimos e magnificentíssimos senhores
promotores aqui presentes; senhores jurados...
PRESIDENTE:-
Para com essa patacoada e vai direto ao assunto...
CHEFE
DE POLÍCIA:- Obrigado, senhor Presidente... Mas como eu ia
dizendo... senhores jurados e juradas... data venia...
TODOS
(inclusive Velasco):-
Que bosta! Fala logo!
CHEFE
DE POLÍCIA:- Bem, como eu estava dizendo... data venia de vossas
excelências...
PRESIDENTE:-
Chega! O condenado, isto é, o réu já está defendido! Vamos à sentença...
(Entra
a Zarolha).
ZAROLHA:-
Vamos parar com essa palhaçada! Se é pra condenar um inocente e imbecil como o
Velasco...
VELASCO:-
Epa! Sem esculhambação, dona... sem escullhambação...
ZAROLHA:-
Desculpe, Velasco... Eu estou aqui... Me prendam... Mas soltem o Velasco, que
não tem nada a ver com esse monte de asneiras que andaram falando aí...
CHEFE
DE POLÍCIA:- É a Zarolha! Prendam ela! Prendam ela!
CHATIM (saindo de trás da pedra e dando um tiro para
o alto):- Vão prender coisa ninhuma... Todo mundo quieto... Agora quem manda
nessa arapuca aqui sou eu... (Dá outro
tiro, chega a pistola ao rosto de cada um à medida que vai falando). Ocê
aí, seu chefe de puliça... baiacu de merda... e ocêis, padre chué e pastor
muxibento... ou é o contrário? Tavam quereno bigodear todo mundo, tavam? Ao
Chatim aqui ocêis num enganam... seus cabungueiro de bosta... E o nosso querido
e amado Presidente... Antão? Suas mutreta fede mais que bodum de bode véio...
Nesse pega-pra-capá, ocê vai levá um calaboca de acordá exu em encruziada! (Para a Zarolha). O que é que nóis vai
fazer com essa cambada?
ZAROLHA:-
Isso aí é tudo bicho de matar com pedra, Chatim. Nenhum deles tem muita
substância. Vamos dar uma verticalizada neles!
CHATIM:-
Dá o quê, Zaroia?
ZAROLHA:-
Jogar todos eles no poço e acabar com essa história...
CHATIM:- O
Velasco tamém?
ZAROLHA:-
Também. Olha bem pra ele: já viu rei mais sem substância?
CHATIM:-
Mais o desgranhento passô a perna ni mim e eu tenho cá um escaramuceio pra
acertá com ele.
VELASCO:-
Antão ocê sabia que eu te roubei naquele jogo?!
CHATIM:-
Sabê, mermo, eu num sabia. Discunfiava!...
VELASCO:-
Uai, gente! E pru quê?
CHATIM:-
Pra ganhá de mim, seu disgranhento, só robando mais do que eu! Agora eu vô te
jogá lá pro fundo do poço com a caratonha cheia de balim de chumbo!... (Aponta a garrucha para Velasco).
VELASCO:-
Atira! Atira, seu cão raivento, seu fio de uma égua!
(Chatim atira. Além
do susto, nada acontece. Ele fica com cara de bobo).
VELASCO:-
Ocê é mermo um coió! Vê se eu vô batê a caçoleta com bala de festim, seu
Chatim!
CHEFE
DE POLÍCIA:- Festim?
PRESIDENTE:-
Festim??
PADRE:-
Festim?!
PASTOR:-
Festim?
ZAROLHA:-
Festim...
CHATIM:-
Ocêis pricisava ficá repetino que nem papagaio? É festim, uai!
(O chefe de polícia
e os soldados se atiram sobre ele e o prendem).
PRESIDENTE:-
Segura a Zarolha, também! Pronto! Chegou a hora da onça beber água.
PADRE:-
Em vez de uma, terremos quatrro cabeças...
PASTOR:-
Padre imbecil: não são quatro, são três...
PADRE:-
Com a sua, bem que poderriam serr...
PRESIDENTE:-
Chega! Não me deixem só, no momento em que precisamos de união! União para
manter o poder!
CHEFE
DE POLÍCIA:- E o país no seu lugar...
ZAROLHA:- Sempre
no fundo do Poço!
PRESIDENTE:-
Cala a boca, Zarolha! Chegou a sua hora!
ZAROLHA:-
Você é que pensa! Esqueceu que eu posso chamar de volta o Dragão?
PADRE:-
Não! O Drragão, não!
PASTOR:-
Tudo, menos o Dragão!
VELASCO
(tremendo):- Eu vô morrê! Socorro, meu
santo santinho de São Jorge! Me protege do dragão! (Leva um safanão do soldado e se aquieta, mas continua tremendo e
olhando, aterrorizado, para todos os lados).
PRESIDENTE:-
Quero ver você chamar o Dragão quando sua cabeça estiver lá em cima!
ZAROLHA:-
Não seja idiota, Presidente! Eu fiz um pacto secreto com o Dragão...
PRESIDENTE:- Pacto secreto?
PADRE:- Pacto secrreto?
PASTOR:- Pacto secreto?
PRESIDENTE:-
Parem de repetir o que eu digo! Saco!
ZAROLHA:- É
sim, seu presidentezinho meia boca... Se me cortar a cabeça, o Dragão voltará e
não irá embora nunca mais!
PRESIDENTE:- E
o povo nos expulsará! (Para o Padre
Pastor). Se repetirem isso, corto a cabeça de vocês! (Para a Zarolha). Você ganhou, sua maldita. O que quer em troca de
seu silêncio? Dinheiro? Poder? Diga!
ZAROLHA:-
Dinheiro, eu já tive. E muito! Poder, também! Nem dinheiro, nem poder pagam os
momentos que eu tive com o homem mais maravilhoso desse mundo!
CHEFE
DE POLÍCIA:- Que babaquice!
ZAROLHA:-
Babaquice é o pé que eu vou enfiar em seu rabo, se abrir a boca de novo!
(O chefe de polícia
ameaça bater na Zarolha. O Presidente impede).
PRESIDENTE:-
Não vê que o jogo acabou, seu imbecil! E então, Zarolha, o que você quer?
ZAROLHA:-
Nada...
CHATIM:-
Nada??? Nadica de nada?
ZAROLHA:-
Tudo, meu amor! Eu quero a liberdade dos meus amigos!
PADRE:- E
nós?
PASTOR:-
Nós poder ir embora?
ZAROLHA:-
Podem! Voltem pra vida de vocês lá no País do Poço.
CHATIM:-
Ocê num vai nem tentá livrá o povo lá de baixo dessas praga aí?
ZAROLHA:-
Não, Chatim, eles se merecem: o povo e esses daí. São a tampa e a panela.
Vamos, fora...
PRESIDENTE:-
Antes de ir embora, só uma coisa...
ZAROLHA:-
Fala...
PRESIDENTE:-
Quem foi que te tirou da cadeia?
VELASCO:-
Foi o veio! Foi o veio!
(Chatim e Zarolha
olham feio para ele).
PRESIDENTE:-
Meu próprio filho, um traidor!...
ZAROLHA:-
Por muito dinheiro, não é Chatim?
PRESIDENTE:-
Eu não acredito! Eu não criei um filho para ser traidor!
CHATIM:-
Ocê qué vê? Nóis combinô de ele libertá também a mula do Velasco, quando eu
imitasse o fogo-pagô. Espie... (Vai até a
beira do poço e imita o passarinho. O cavalo-de-pau do Velasco é jogado para
fora. Velasco faz um grande escândalo, abraçado a ele).
PRESIDENTE (cabisbaixo):- Vamos embora, minha gente.
Ter um filho traidor é pior que a morte... A gente cria um filho como cria um
povo... ali, na chincha... aí, um dia, eles nos traem... Vamos... Temos que
inaugurar o Namoródromo pelos quinhentos anos do País do Poço... e vamos
inaugurar também um pouco mais de liberdade para o povo, antes que ele também
nos traia...
CHATIM:- E
o veio...
PRESIDENTE:-
Dessa vez, o povo vai julgar...
ZAROLHA:-
Acho que aprenderam a lição... Agora, fora... fora...
(A pontapés,
Chatim, Velasco e Zarolha põem todos para dentro do poço).
CHATIM (falando para dentro do poço, depois que o
último desaparece):- Seus agatunado... seus muxiba... seus corno...
(Chatim se aproxima
da Zarolha e os dois se beijam. Música romântica. Iluminação baixa. Clima de
final de filme americano).
VELASCO:-
‘Cabô! ‘Cabô a pantomima! Já tá todo mundo de saco cheio de tanta babaquice...
E num tem dragão ninhum!!!
CHATIM e ZAROLHA:- ‘Cabô uma ova! (Desmancha-se o “clima”).
CHATIM:-
Nóis num acertô ainda a pulhice qu’ocê fez!... Fui seu escravo na lorota, e
isso num posso perdoá...
ZAROLHA:- Parem
com isso vocês dois! Não é por causa dessa briga que a história tem de
continuar!
CHATIM:-
Se num é por isso...
ZAROLHA:-
Nós temos que sair daqui...
CHATIM:-
Já temos a mula do Velasco.
ZAROLHA:-
Não basta. Só sai daqui quem se livra do Dragão. E até hoje ninguém conseguiu.
CHATIM:-
Dragão?! Que patacoada é essa, Zaroia?
VELASCO
(tremendo):- Ai meu santo santinho de São Jorge!
ZAROLHA:-
Vocês não leram o Livro do Rei?
CHATIM:-
Bem... ahn... só um pouco...
VELASCO:-
Eu sô anarfa de pai e mãe...
(Zarolha vai até o
trono e pega o livro).
ZAROLHA:-
Eu vou contar pra vocês o que ‘tá no livro. (Dramatiza). Havia no País do Poço, um dragão imenso e faminto.
Ninguém nunca soube de onde ele veio. Esse dragão comia tudo ou quase tudo o
que o povo produzia. Ninguém conseguia vencer o bicho. O povo trabalhava,
trabalhava... vinha o dragão... e comia tudo... Até que um dia...
CHATIM:-
Ih! Essa história tá deixando a minha gaforinha arrepiada...
ZAROLHA:-
Um dia... o Presidente tinha prometido muito poder e dinheiro para quem
conseguisse livrar o povo do dragão... Tive uma ideia... Fui até ele e com
muito dengo, fiz um pacto com ele: se deixasse o povo em paz, eu dava pra
ele... eu dava pra ele um rei pra ele comer... a cada cinco anos...
CHATIM:-
Credo em cruz, Zaroia... ocê prometeu isso?
ZAROLHA:-
Prometi... prometi... e tenho cumprido o trato... O dragão também... A cada
cinco anos, ele come um rei.
VELASCO (tentando fazendo contas nos dedos):-
Cinco... cinco anos... (começa a tremer).
ZAROLHA:- O
que acontece com esse daí?
CHATIM:- Ele
se borra todo de medo de dragão... Já falei pr’esse patureba que dragão num
ixeste!...
ZAROLHA:-
Você é que pensa! Quando vocês chegaram aqui, há cinco anos, não havia uma
cabeça em cima do Poço?
CHATIM:- É
mermo! Uma cabeça coroada! Que o Velasco quis pra ele!
ZAROLHA:-
Era a cabeça do rei que veio antes do Velasco...
VELASCO (tentando aparentar tranquilidade):- Inda
bem que num sô mais rei de porcaria ninhuma... E nem num quero mais sê!
ZAROLHA:-
Engano seu, Velasco. Quem foi rei nunca perde a majestade. O dragão está vindo
aí pra te comer, Velasco! E deixar sua cabeça pra fazer companhia àquelas ali... (Velasco está aterrado).
CHATIM:-
Mas lá num tem só cabeça de rei...
ZAROLHA:- É
que no Reino no Poço, de vez em quando alguém perde a cabeça e faz uma bobagem
ou faz uma bobagem e perde a cabeça... então... ó... (faz o gesto de decapitação. Neste momento, sai do poço uma vara com a
cabeça do Ancião, que a Zarolha pega e coloca ao lado das outras).
VELASCO (montando na mula):- Vô é picá a mula...
(Começa a correr mas não sai do lugar).
ZAROLHA:-
Não tem jeito, Velasco... Ninguém sai daqui... Ou melhor, sai: se enfrentar o
dragão.
VELASCO:- E
cumé que posso entronchá um dragão c’uma pistola de festim? Cumo? (Tá quase chorando).
CHATIM:-
Tamo ferrado... fudido mermo...
ZAROLHA:-
Tem um jeito. O Velasco vai ter de cooperar...
VELASCO:-
Faço quarqué negócio...
ZAROLHA:-
Promete?
VELASCO:-
Prometo! Pela vida de minha besta... que é o que mais amo nesse mundão de
Deus...
ZAROLHA:-
Então, vem comigo...(leva o Velasco para
trás das pedras).
CHATIM:-
Eta nóis! É hoje que vô alimpá meu passado de escravo daquele bilontra do
Velasco... Uma coisa eu aprendi com o povo lá do poço: fez, tem que pagá... Se
ele matutava lá na cachola dele de saí como entrô nessa história, ele vai vê
com quanto pé de cana se faz uma azuladinha da boa... (Ouvem-se alguns protestos vindos de trás das pedras). O Velasco...
já combinei tudo com a Zaroia... vai levá uma fubecada... vai ficá inté ansim,
ó, meio cambaio (imita uma pessoa de pernas tortas)... Mais ele merece... se
merece... o desgranhento... me robá... me ponhá de escravo... que nem um
tabacudo quarqué? Mais eu vô pintá a saracura, dá a vorta pur cima e num vai
sobrá nem uma xepa, nem uma xepinha do Velasco no finar dessa poranduba... Vai
aprendê a num querê sê rei de merda ninhuma nunca mais!...
(Saem a Zarolha e o
Velasco de trás das pedras. Velasco está vestido de drag-queen e vem
esbravejando).
ZAROLHA:- Você prometeu!
VELASCO:- É
muita humilhação... um home como eu... agora uma pindonga... uma quenga...
CHATIM:-
Cala a boca, Velasco... Ocê se cagava todo de medo... agora ocê é a noiva do
dragão...
(Velasco tenta
pegar o Chatim, que corre fazendo todo tipo de estripulia e micagem. Velasco
mal consegue se equilibrar nos sapatos de saltos muito altos. Ouve-se um grande
rugido).
ZAROLHA:- É
o dragão!
(Chatim e Zarolha
se escondem atrás do trono).
VELASCO:-
Zaroia... cadê ocê... ocê prometeu me ensiná as palavra mágica pra derrotá o
dragão...
ZAROLHA (saindo de trás do trono):- Toma,
tá’aqui, nesse papel. Guarda bem. Quando o dragão for... bem, ocê sabe... ó...
n’ocê... é só lê essas palavras pra ele... que ele vai cair mortinho...
(Zarolha sai
correndo de volta para o esconderijo, pois o rugido fica mais próximo. Velasco
fica estatelado segurando o papel na mão, olhando para ele como um bobo. De
repente, cai em si).
VELASCO:-
Eu... eu... (Grita). Eu num sei lê!
(Chega o dragão,
com grande barulho e piscar de luzes. Velasco mal tem tempo de guardar o papel.
Tenta correr. O dragão corta-lhe o caminho. Faz-lhe gestos de amor e arrebata-o
para o seu esconderijo em meio a muito barulho, luzes etc. Chatim e Zarolha
saem).
CHATIM:-
Pronto! Agora nois pode se mandá...
(Montam na
mula. Ouve-se uma voz em off. É Velasco).
VELASCO:-
Chatim... seu fedazunha! Um dia inda vô lê esse mardito papel... e ocê vai me
pagá, seu xibungo!
CHATIM:-
Que se trumbique o rabo do Velasco, que eu quero o da Zaroia! (Olha para trás, para o poço). Adeus,
Reino do Poço... (Vêm do poço um estrondo, como um grande peido, e uma
fumacinha de nada). Reino do Fundo do Poço... ou Reino do Cu do Mundo!
(Chatim sai
cavalgando a mula, com a Zarolha. Do poço, vem subindo algo como um letreiro
com ficha técnica da peça e, no fim, a data - 1.500 - 2.000 - e o
dizeres: ATÉ 2.500).
FIM
s.p.31.7.96
leitura no semda em 3.9.96
edição modificada em 12.9.96
1.ABISCOITAR: conseguir, alcançar.
2.ACEPIPE: iguaria, petisco.
3.AGATUNADO: que se tornou gatuno.
4.ANARFA: corruptela de analfabeto.
5.ANHANGÁ: espírito do mal. Diabo.
6.ANTÃO: então.
7.ARAPUCA: armadilha.
8.ATOLEIMAR: apatetar, aparvalhar-se.
9.AZULADINHA: cachaça.
10.BABACA: tolo.
11.BABAQUARA: poderoso.
12.BABAQUICE: tolice.
13.BACORINHO: leitão.
14.BAIACU: indivíduo gordo e baixo.
15.BALIM: grão de chumbo, bala pequena.
16.BANANA: indivíduo tolo ou moleirão.
17.BANDALHAGEM: patifaria, indecência.
18.BANDALHO: patife, indivíduo sem dignidade
nem brio, desprezível.
19.BANZÉ: festa popular.
20.BATER A CAÇOLETA: morrer.
21.BESTAGEM: besteira.
22.BIBOCA: buraco, toca.
23.BICHAROCA: efeminado.
24.BIGODEAR: iludir, enganar.
25.BILONTRA: velhaco, patife, espertalhão.
26.BIRAIA: megera, meretriz.
27.BISCA: canalha, patife, meretriz.
28.BISCAIA: égua.
29.BOCÓ: tolo.
30.BODUM: inhaca, mau cheiro.
31.BOFE: meretriz.
32.BOIOLA: efeminado.
33.BORRA-BOSTA: joão-ninguém, borra-botas,
ordinário.
34.BUFUNFA: dinheiro.
35.BUMBA-MEU-BOI: reisado cearense.
36.CABUNGUEIRO: cabungo, indivíduo desprezível.
37.CACHOLA: cabeça.
38.CALABOCA: cacete grosso e curto.
39.CAMBAIO: de pernas tortas.
40.CAMBALACHO: barganha, tramóia, conluio.
41.CÃO SARNENTO: diabo.
42.CARANTONHA: aumentativo de cara.
43.CARRAPICHO: espécie de arbusto que produz
pequenos frutos espinhosos que aderem facilmente à roupa do homem ou ao pelo
dos animais.
44.CHARNECA: pântano.
45.CHATIM: negociante pouco honesto, tratante.
46.CHUÉ: sem categoria, reles, chinfrim,
ordinário.
47.CHUPIM: tipo de pássaro.
48.COIÓ: ridículo, idiota.
49.COISA-RUIM: diabo.
50.DENGO: faceirice, feitiço, requebro,
melindre feminino.
51.DESGRANHENTO: desgraçado, infeliz,
miserável.
52.DIACHO: diabo.
53.DIANHA/DIANHO: diabo.
54.EMBORRACHAR: embebedar-se.
55.EMBUCHAR: fartar, saciar.
56.EMPANZINAR: encher de alimento, abarrotar.
57.EMPIORAR: agravar.
58.ENCACHAÇAR: embebedar.
59.ENCOSCORADO: encarquilhado, enrugado.
60.ENCALACAR: meter em dificuldades, entalar.
61.ENRABICHAR: enamorar.
62.ENTRONCHAR: ficar tronchudo, entortar.
63.ENTUPIGAITAR: atrapalhar, confundir,
desnortear.
64.ESBANDALHADO: roto, esfarrapado.
65.ESCABREADO: desconfiado, ressabiado;
irritado, enfurecido.
66.ESCARAFUNCHAR: remexer, revolver.
67.ESCARAMUCEIO: escaramuça, briga, contenda.
68.ESCOMUNGADO: maldito.
69.ESCULHAMBAÇÃO: desmoralização.
70.ESMOLAMBADO: coberto de molambo, de trapos.
71.ESTRUPÍCIO: coisa esquisita, fora do comum.
72.EXU: diabo.
73.FANFARRICE: jactância, bazófia.
74.FEDAZUNHA: corruptela de “filho-da-zinha”,
filho-da-puta.
75.FIOFÓ: ânus.
76.FOGO-PAGOU: tipo de pássaro.
77.FUBECADA: paulada.
78.GABOLA: fanfarrão.
79.GABOLICE: fanfarronice.
80.GAFORINHA: cabelo em desalinho, grenha.
81.GANDAIA: vida dissoluta.
82.INZONEIRO: mentiroso.
83.JABIRACA: bruxa.
84.JEREBA: animal ruim de montar, magro e/ou
fraco.
85.JERICO: burro.
86.JOÇA: coisa ruim, complicada, ou sem valor.
87.LACAIO: escravo.
88.LAMBE-BOSTA: bajulador.
89.LAMBER EMBIRA: passar miséria.
90.LOPRADO(ALOPRADO): amalucado.
91.LOROTA: mentira.
92.MARAFUNDA: confusão.
93.MATUTAR: pensar, raciocinar.
94.MISERÊ: pobreza.
95.MIXÓRDIA: bagunça.
96.MORRINHA: mau cheiro.
97.MUTRETA: patifaria.
98.MUXIBA: bruxa; mulher feia, de seios caídos
etc.
99.MUXIBENTO: cheio de muxiba, encoscorado.
100.NHENHENHÉM: falatório interminável.
101.PABULAGEM: empáfia, fatuidade, fanfarrice,
impostura.
102.PACHOLA: mandrião, farsante, gabola.
103.PACOVA: moleirão, palerma, banana.
104.PAI-MANÉ: bobo, ignorante.
105.PANTOMIMA: mímica, logro, embuste.
106.PAPA-SURURU: alcunha que se dá aos
alagoanos.
107.PASCÁCIO: tolo.
108.PATACOADA: disparate, tolice.
109.PATRANHA: história mentirosa.
110.PATUREBA: indivíduo simplório, tolo.
111.PATUSCO: ridículo, extravagante.
112.PAU-FURADO: arma de fogo.
113.PEGA-PRA-CAPAR: altercação, briga, tumulto.
114.PERRENGUE: capenga, lerdo, imprestável.
115.PICAR A MULA: cair fora, fugir.
116.PICHORRA: mula.
117.PIMPÃO: fanfarrão, vaidoso, jactancioso.
118.PINCHAR: empurrar, derrubar.
119.PINDONGA: mulher que é dada a sair muito.
120.PINIMBA: birra, implicância.
121.PINTAR A SARACURA: pintar o sete.
122.PONHAR: pôr (arcaísmo).
123.PORANDUBA: história, notícia.
124.POTOCA: mentira.
125.POTOQUEIRO: mentiroso.
126.PROSÁPIA: fanfarrice.
127.PROSOPOPÉIA: discurso empolado, vaidade.
128.PULHICE: patifaria.
129.QUENGA: puta.
130.RABUDO: sortudo.
131.RAIVENTO: raivoso, enraivecido.
132.RAMONA: grampo.
133.REZINGUEIRO: rezingão, resmungador.
134.ROSETAR: divertir-se à larga, folgar,
divertir-se com pessoas do sexo oposto.
135.TABACUDO: ignorante, bronco, obtuso.
136.TABARÉU: caipira.
137.TERÉNS: trastes, objetos de uso doméstico.
138.TINHOSO: diabo; esperto.
139.TRAMÓIA: mutreta.
140.TRANQUEIRA: coivara que impede o trânsito.
141.TREM: coisa.
142.TRETA: confusão.
143.XABU: não dar certo, malograr.
144.XAVECO: patifaria, velhacada.
145.XAVEQUEIRO: pessoa que faz xaveco,
patifaria.
146.XEPA: sobra.
147.XIBUNGO: pederasta passivo.
148.XILINDRÓ: cadeia.
149.XIRIRICA: corredeira, cachoeira.
150.XOROCA: velha ridícula, desfrutável.
151.XUCRO: burro.
152.ZÉ-PREQUETÉ: joão-ninguém.
153.ZIGUIZIRA: qualquer doença que não se pode
ou não se quer nomear.
154.ZURETA: adoidado, amalucado.
são paulo
1.8.96
Nenhum comentário:
Postar um comentário